combate ao racismo

Artigo | TSE: que venha a diversidade

Contamos numa mão a presença negra na esfera do Judiciário, quando temos uma população nacional de 56% de negros

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Com o precedente da Corte Suprema, em 2004, a juíza federal Neuza Maria Alves da Silva, negra, foi alçada ao cargo de desembargadora federal do Tribunal Regional da 1ª Região, sediado em Brasília - ASCOM-TRF1

O ano de 2003 está especialmente inscrito na história do Poder Judiciário da República Federativa do Brasil pela posse do ministro Joaquim Benedito Barbosa Gomes, único homem negro a ter assento no Supremo Tribunal Federal (STF). Tal fato representou indiscutível marco na construção de ações efetivas de combate ao persistente racismo que, radicalmente, aparta o país, ante as abissais desigualdades entre negros e brancos, mostrando as hierarquias reais e simbólicas em todos os níveis, em qualquer campo, sendo, portanto, estrutural.

Com o precedente da Corte Suprema, em 2004, a juíza federal Neuza Maria Alves da Silva, negra, foi alçada ao cargo de desembargadora federal do Tribunal Regional da 1ª Região, sediado em Brasília e, desde 2008, o ministro Benedito Gonçalves segue sendo o único negro a integrar o Superior Tribunal de Justiça, nosso Tribunal da Cidadania. E, assim, encerramos o registro nominal que expõe os desequilíbrios de raça e gênero na composição do Poder Judiciário, sendo certo que os tribunais de Justiça dos estados contam os poucos nomes negros na magistratura nacional. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, por exemplo, só em 2019 empossou a desembargadora Maria Ivatônia Barbosa dos Santos.

Assim, contamos numa mão a presença negra na esfera do Judiciário, quando temos uma população nacional de 56% de negros, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De composição majoritária oriunda de concurso público, os colegiados judiciais contam ainda com nomes indicados pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil, no chamado Quinto Constitucional, mas na Justiça Eleitoral a representação da advocacia é da livre escolha do STF, no caso da integração do Tribunal Superior Eleitoral, mediante lista tríplice submetida à escolha e nomeação do presidente da República.

No momento, a República acompanha a inovação dada pelo ministro Edson Fachin, presidente do TSE, que, numa espécie de chamamento público, constituiu uma lista com 20 nomes de juristas, destaque aqui à inclusão de quatro mulheres negras, podendo agora o STF oferecer ao presidente do Brasil a possibilidade de assinalar na história da justiça eleitoral, a inclusão de uma jurista negra.

O procedimento inaugurado pelo ministro Fachin mostra a um só tempo que há possibilidades de democratização dos processos constitucionais de cúpula do Judiciário, e mais, que o poder vem se arejando para incorporar mulheres e homens negros aos seus quadros, sendo certo que a diversidade na composição somente qualificará a prestação jurisdicional que é devida à sociedade. Sim, sob a gestão do então ministro Joaquim Barbosa na presidência do STF e, assim, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), veio a ser realizado o primeiro perfil sociodemográfico da magistratura nacional a partir de deliberação de 2012, com resultados publicados em 2014, mostrando a desproporção entre negros (19,1%) e brancos (80,9%) na composição.

Ali, quando da apresentação do Censo do Poder Judiciário 2014, restou assentado na introdução da alentada pesquisa: "O Conselho Nacional de Justiça mapeou, pela primeira vez, o perfil dos magistrados e servidores do Poder Judiciário brasileiro. O projeto fortalece o momento de autoconhecimento da Justiça brasileira, pois está inserido nas expressivas transformações institucionais inspiradas nos novos paradigmas de gestão da sociedade contemporânea. Sob essa ótica e considerando a premissa de que não há gestão sem informação, os dados do Censo do Poder Judiciário são fundamentais para o aprimoramento e o planejamento das políticas judiciárias".

Desde então, são várias as iniciativas que buscam reduzir, quiçá eliminar tais desigualdades, como a adoção de cotas raciais nos concursos e o debate inserido na agenda a partir do primeiro Encontro de Juízas e Juízes Negros, ocorrido em 2017. São firmes os passos trilhados na direção do cumprimento dos princípios constitucionais que informam o funcionamento do Estado democrático de direito, vide a instituição da "Comissão de Promoção de Igualdade Racial com o objetivo de elaborar estudos e projetos para ampliar a participação da população negra no processo eleitoral". Nessa perspectiva, nada mais coerente que a presença negra também na condição de integrante da Corte incumbida de conduzir o exercício livre e pleno da soberania popular.

 

*Vera Lúcia Santana Araújo Advogada, integra a Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, ativista da Frente de Mulheres Negras do DF e Entorno

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo