Julgamento de Daniel Silveira era uma espécie de símbolo contra a impunidade dos bolsonaristas
Olá, Bolsonaro aposta nos evangélicos e nos militares, enquanto o Estado é dilapidado à luz do dia. Depois de três anos de impunidade, as instituições serão capazes de frear a gangue que se instalou no Planalto?
.Meu bandido de estimação. O julgamento de Daniel Silveira no Supremo Tribunal Federal (STF) era uma espécie de símbolo contra a impunidade dos bolsonaristas, contando até com o voto de André Mendonça para condenar o deputado. Mas, nada como um feriado para Bolsonaro aplicar a tática de criar a polêmica, esticar a corda ao limite, jogar para a própria torcida e pautar a mídia e os debates pelos próximos dias. E daí que o decreto é ilegal, inconstitucional, o trânsito não havia sido julgado e não reverte a inegibilidade do deputado? O fato é que o capitão e sua gangue tomaram o Estado e fazem o que bem querem. Na área da comunicação, o aumento de propagandas do governo na TV Brasil substituiu o discurso de que a Empresa Brasil de Comunicações (EBC) era um “cabide de empregos” e até a tão criticada Lei Rouanet virou um cobiçado pote de ouro para o terceiro escalão fazer propaganda armamentista. Na educação, ocorre algo parecido: o MEC bloqueia R$ 434 milhões dos municípios com uma mão, para distribuir recursos aos aliados com a outra, alimentando as bases eleitorais do centrão, em especial de seu atual comandante em chefe, Arthur Lira. Mesmo com tantos casos de corrupção, tráfico de influências e outros crimes, Bolsonaro segue intocável. Thomas Traumann afirma que a culpa é das instituições que foram aparelhadas: Ciro Nogueira controlando o Congresso junto com Arthur Lira e Augusto Aras passando o pano contra qualquer evidência de crimes cometidos pelo capitão, como fez recentemente com o escândalo do MEC. A única resistência institucional vinha do STF. E é justamente para lá que estão indo, com cinco meses de atraso, as informações detalhadas sobre o orçamento secreto. Enquanto o TSE toma medidas para reprimir o uso de fake news durante as eleições e tenta barrar o avanço do “partido das milícias”.
.A bíblia e a bala. Com a certeza da impunidade e beneficiado pela migração de votos de Sergio Moro, Bolsonaro se sente tranquilo para executar seus planos eleitorais. Sua estratégia passa por rechaçar qualquer acusação de corrupção, apostar na polarização, no antipetismo e na recuperação do voto feminino. Ele também está de olho no voto da classe média, setor tradicionalmente muito sensível às perdas econômicas e para agradá-la o único caminho é abrir o cofre, o que em tempos de crise gera oposição das hostes liberais. Mas o principal é fortalecer suas duas principais bases: os evangélicos e os militares. Enquanto Aras limpava sua barra no esquema do MEC, Bolsonaro era aclamado pela Assembleia de Deus como o seu candidato oficial. A aliança com os evangélicos poderia ainda passar pela indicação de Damares Alves para o lugar de vice de Bolsonaro, substituindo Braga Netto. O que seria conveniente, já que um dos setores onde o capitão encontra maior rejeição são as mulheres. De parte da Igreja Universal do Reino de Deus a negociação é mais pesada, envolvendo o fortalecimento do Republicanos como força política e a promessa de indicação do deputado Marcos Pereira, atual presidente da sigla, a uma futura vaga ao STF. O segundo pilar são os militares. As recentes revelações de que o Superior Tribunal Militar sabia da prática de tortura durante a ditadura e a reação do atual presidente do órgão não deixam dúvidas sobre de que lado os generais estão. Além das convicções ideológicas, pesa também o acesso às gordas verbas desviadas do SUS. Com tudo isso, Bolsonaro sente-se em casa nos quartéis e aproveita os encontros oficiais para fazer bravata sobre a possibilidade de fraude nas eleições.
.Frente ampla, geral e irrestrita. No encontro de Lula com jovens na favela de Heliópolis (SP) já foi possível notar algumas mudanças no tom que a campanha deve assumir daqui pra frente. O discurso de “saudades do meu ex” não faz sentido para um jovem que votará pela primeira vez neste ano e que tinha quatro anos de idade quando Lula deixou o Planalto. Eles esperam menos nostalgia, e mais afirmação de “esperança” e “emprego”. Aliás, a junção formada pelo PT-PSB-PV-PCdoB escolheu como nome Federação Brasil Esperança e a sigla FE Brasil, que pode ser lida como fé, também de olho nos evangélicos. Além disso, Lula aposta em apresentar sua candidatura como um movimento e uma frente ampla pela democracia - e portanto, antibolsonarista. O que também asfixiaria de uma vez a minúscula terceira via, hoje mais entretida no seu auto-canibalismo e perdendo em intenções para os votos nulos e brancos. Aliás, a morte anunciada da candidatura Dória deve levar a turma de Aécio para a campanha de Bolsonaro, enquanto o PT conta em atrair FHC, Serra e companhia. A presença de Geraldo Alckmin no palanque é importante tanto para a ideia de frente ampla, quanto para atrair os ex-colegas tucanos. Mas ele também tem outra tarefa, assim como Jacques Wagner: atrair o empresariado. A desconfiança entre empresários e o PT é mútua e passa por saber como o petista tratará a reforma tributária e a reforma trabalhista e quem será o seu interlocutor com o mercado. Obviamente, estas articulações são determinantes não apenas para a campanha, mas também para a governabilidade futura. E, neste caso, nos bastidores, os petistas ainda se perguntam o que fazer com um dos setores mais fiéis ao bolsonarismo no Estado, os militares.
.Só acaba quando termina. Há ainda dois temas que seguem caminhos contrários e não se sabe bem como afetarão as eleições. O primeiro é a pandemia. Mesmo com a redução do número de casos e óbitos e o quase total abandono do uso de máscaras e medidas preventivas, a verdade é que ela ainda não terminou. Especialistas alertam que a chegada do inverno, surtos em outras regiões do mundo e o surgimento de novas variantes podem ter impacto sobre o Brasil nos próximos meses. Daí as críticas ao fim do estado de emergência decretado precocemente. Eleitoralmente, o governo não parece muito preocupado com o impacto político da pandemia. Mas cientistas políticos ouvidos pelo Nexo observam que, mesmo que o tema sozinho não seja decisivo para o voto, ele pode se somar a outros fatores e afetar o resultado final, especialmente naquela parcela indecisa do eleitorado. Além disso, para as famílias que perderam parentes próximos, a pandemia pode sim afetar a escolha nas urnas. Ou seja, mesmo que a CPI da Covid no Senado não tenha dado em nada até agora e os poucos indiciados estejam sendo inocentados, o inverno está chegando e as mais de 660 mil vidas levadas pela doença ainda podem voltar para assombrar o governo. O segundo tema evidente é a economia. As avaliações até agora eram a de que este é o calcanhar de Aquiles do governo, especialmente devido à alta da inflação, dos juros e do endividamento de famílias e empresas. Porém, ironicamente, o agravamento da crise internacional devido à guerra na Ucrânia e aos embargos à Rússia podem ser favoráveis para o Brasil. É que embora o FMI esteja prevendo uma redução do crescimento mundial, as projeções para o Brasil melhoraram ligeiramente devido à alta dos commodities. O que não resolve o tamanho do buraco, mas dá algum alento para o governo.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.Bolsonaro x STF: o indulto a Daniel Silveira. No calor da hora, mas de forma detalhada, o jurista Pedro Serrano discute todas as implicações do indulto no canal Tutameia.
.O Assunto #687: Os políticos de mandato virtual. O Assunto mostra como youtubers sem programa ou compromisso com o eleitorado se elegem e utilizam os parlamentos para continuar ganhando dinheiro com a plataforma.
.A pauta da segurança pública para o próximo governo. Luiz Eduardo Soares propõe a construção de respostas para um tema que ainda é tabu na esquerda. No GGN.
.Lógica disruptiva do capital rentista. No GGN, Vinício Carrilho Martinez e Marcos Del Roio falam sobre as consequências ideológicas de uma economia onde até o trabalhador pode virar investidor.
.A volta da esquerda e a bifurcação latina. O pêndulo da política latino-americana move-se para a esquerda. No Outras Palavras, José Luís Fiori discute os desafios e limites desses novos governos.
.Nem vendo para crer. Perfis falsos e golpes no amor, nas finanças e na política. Como as deepfakes estão mudando a percepção das pessoas sobre a realidade. Por Bernardo Esteves, na Piauí.
.'Terra' de Sebastião Salgado faz 25 anos, e personagens de livro ainda esperam lote. A Folha de S. Paulo aproveita o aniversário da exposição histórica de Sebastião Salgado para relembrar o Massacre de Eldorado dos Carajás.
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Edição: Vivian Virissimo