Coluna

Daniel Silveira e os crimes de ódio: a lição que pode vir do Supremo

Imagem de perfil do Colunistaesd
Daniel Silveira já extrapolou há muito os limites de sua livre expressão, em atos que foram erroneamente tratados como comportamentos “polêmicos” ou “problemáticos” - Evaristo Sá / AFP
Daniel Silveira é um cidadão de grandes músculos e nenhuma demonstração de inteligência

Um ano após ter recebido, por unanimidade, a denúncia contra o deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julga nesta quarta-feira (20) a Ação Penal 1.044, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes, em que o parlamentar é acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de coação no curso do processo, incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo, e tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes da União. Entre outras manifestações, Silveira defendeu o retorno do Ato Institucional nº 5, instrumento da ditadura militar, e incitou seguidores por meio de suas redes sociais a invadir o STF.

Daniel Silveira é um cidadão de grandes músculos e nenhuma demonstração de inteligência, que ficou “famoso” como candidato em 2018 por quebrar uma placa de rua em homenagem à memória de Marielle Franco, alguns meses após a vereadora ter sido assassinada a tiros.

Entenda: Quem é Daniel Silveira, o deputado bolsonarista preso após ameaças ao STF

Arrancou a placa e a exibiu como troféu, posando para fotos junto ao ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e Rodrigo Amorim. Os três foram eleitos para os cargos a que concorriam na onda do bolsonarismo. O fato se registra para que não se imagine que o problema social se restringe a atos insanos isolados de personagens truculentos.

Como deputado federal, Silveira seguiu suas práticas extremistas nas redes sociais e fora delas, invadindo colégios para “vistoria”, batendo boca com funcionárias de estabelecimentos e dentro de aeronaves por se recusar a usar máscara, e distribuindo ameaças a quem ousasse adverti-lo de qualquer regra que não quisesse cumprir. Dar “carteirada” de deputado federal para praticar ilegalidades virou seu hobby. Antes de ser preso, já havia sido alvo de operação da Polícia Federal por organização e financiamento de atos antidemocráticos.

Leia mais: Deputado federal Daniel Silveira deixa cadeia após decisão do ministro Alexandre de Moraes


Daniel Silveira [esq.] quebra placa em homenagem à vereadora do PSOL assassinada em 2018 / Reprodução/Twitter

Preso em flagrante em fevereiro de 2021, também por ordem do ministro Alexandre de Moraes, nos autos do Inquérito (INQ) 4.781, confirmado posteriormente, de forma unânime, pelo plenário, Silveira voltou a ocupar os noticiários neste ano de 2022 ao se recusar a colocar tornozeleira eletrônica e dormir em seu gabinete buscando proteção institucional da Câmara dos Deputados a partir, novamente, de uma visão distorcida de sua imunidade parlamentar.

A prisão havia decorrido da publicação de um vídeo com ataques e incitação de violência contra integrantes do Supremo. Diante de uma nota do ministro Luiz Edson Fachin repudiando tentativas de intimidação da Corte, o deputado o classificou de "filho da puta" e disse que não poderia ser punido por querer dar uma surra nele.

:: Ministros do STF formam maioria a favor de punições impostas a Daniel Silveira ::

Evidentemente que Daniel Silveira, assim como outros parlamentares e atores sociais, já extrapolaram há muito os limites de sua livre expressão, em atos que foram erroneamente tratados como comportamentos “polêmicos” ou “problemáticos”, termos que minimizam e naturalizam condutas desviantes e agressivas. Nos tempos em que vivemos, a prática do ódio a indivíduos e coletivos, bem como a defesa pública da violência extrema são ostentadas com orgulho, inclusive por detentores de cargos públicos.

Justamente por isso, o julgamento do parlamentar no plenário do STF no dia de hoje assume uma proporção muito significante, não apenas para a jurisprudência do STF, mas para a sociedade em geral. A questão não pode se resumir a analisar reação à afetação à honra e integridade física e moral de juízes do Tribunal, mas sim avaliar quais os limites da liberdade de expressão diante da prática da defesa pública da eliminação do outro e a derrocada violenta das instituições da democracia.

As ameaças aos ministros do STF, muito além de questões pessoais, foram proferidas com a intenção de abalar o regime jurídico do Estado Democrático de Direito. Isto, evidentemente, não está acobertado pela imunidade parlamentar, uma vez que a garantia existe justamente para preservar aqueles princípios que consagram a obrigatoriedade do país ser regido por normas democráticas, com observância da separação de poderes, que vincula a todos, especialmente as autoridades públicas, ao absoluto respeito aos direitos e garantias fundamentais, com a finalidade de afastamento de qualquer tendência ao autoritarismo e concentração de poder.


Daniel Silveira junto a Flávio Bolsonaro, filho do presidente da República / Reprodução

A Constituição Federal veda claramente a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional, assim como a realização de manifestações que visem o rompimento do Estado Democrático de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais e a consequente instalação do arbítrio. A liberdade de expressão é um valor estruturante do sistema democrático. O equívoco de tentar confundi-la com condutas e manifestações que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo aniquilar divergências, pregando a violência para imposição de um pensamento único e tirânico é o que deve ser refutado com veemência pelo plenário do STF.

Sem que se extrapole o princípio da individualização da pena, é necessário que o julgamento de Daniel Silveira sirva como case, como tese dos limites necessários entre liberdade de expressão e discurso de ódio, que sirva como uma espécie de estratégia de prevenção para evitar condutas similares, a reiteração de delitos infelizmente comuns nos tempos atuais.

 

*Tânia Maria Saraiva de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. É integrante do Grupo Candango de Criminologia da UNB (GCcrim/UNB) e integrante da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo