É em nome dos nossos mortos, para que sua luta não tenha sido em vão, mas também pela esperança
Por Ana Paula dos Santos*
Abílio Alves Rabelo, profissão lavrador, 57 anos; Altamiro Ricardo da Silva, 42 anos; Amâncio dos Santos Silva (Surdo-Mudo), 42 anos, Antônio (conhecido como irmão), Antônio Alves da Cruz, 59 anos; Antônio Costa Dias, 29 anos; Graciano Olímpio de Souza, 46 anos; João Carneiro da Silva; João Rodrigues de Araújo; Joaquim Pereira Veras; José Alves da Silva; José Ribamar Alves de Souza , 22 anos; Leonardo Batista de Almeida, 46 anos; Lourival da Costa Santana, 25 anos; Manoel Gomes de Souza, 49 anos; Oziel Alves Pereira, 18 anos; Raimundo Lopes Pereira, 20 anos; Robson Vitor Sobrinho, 25 anos; Valdemir Pereira da Silva; José Pereira e João Pereira: Sem Terra, lavradores, filhos, pais, avós, e tantas outras coisas. PRESENTES! Tantos outros sonhos, que naquele 17 de abril de 1996, na conhecida “Curva do ‘S”, PA-150, município de Eldorado dos Carajás tiveram suas vidas ceifadas pela violência do Estado, do latifúndio e do preconceito.
Não só a vida lhes foi tirada, ceifaram-lhes também os futuros, os sonhos da conquista da terra. Como diz a poesia de Pedro Munhoz, “não teve tempo pra nada/ Numa arma disparada/ o Estado é quem enterra/ e uma vida se encerra/ em nome da covardia”.
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O Massacre aconteceu na PA-150, em uma mobilização feita pelos agricultores que reivindicavam a desapropriação para fins de Reforma Agrária, da fazenda Macaxeira, que havia sido ocupada no dia 05 de março daquele mesmo ano e desocupada no outro dia. O governador da época, Almir Gabriel (PSDB-PA), determinou o massacre que contou com um contingente de 154 policiais da PM do Pará, comandados pelo Coronel Pantoja e o Major Oliveira. Além dos 21 mortos, outros 67 camponeses Sem Terra ficaram feridos.
Em 2002, durante júri popular, os comandantes foram condenados a mais de 200 anos de prisão. Recorreram e permanecem até hoje em liberdade.
Em memória aos companheiros tombados, a Via Campesina Internacional instituiu o 17 de abril como o Dia Internacional da Luta Camponesa. No Brasil, decreto assinado pelo então presidente da República, FHC, tornou a data Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. Para o MST, abril é o mês da Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária.
A luta pela terra é uma luta marcada pela violência estrutural. Quando matam um Sem Terra a violência deixa de ser velada e revela a tirania do Estado e das estruturas de poder de nossa sociedade, que se voltam contra aqueles que se levantam contra a impunidade.
Passados 26 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, a violência contra homens e mulheres do campo segue imperando e deixando marcas de sangue pela terra. De acordo com estudo de Conflitos no Campo Brasil - 2020, realizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), a violência atualmente, não se prende a qualquer roteiro novo e segue o seu ancestral macabro, onde o Estado mantém-se como coadjuvante, a “interpretar o assecla dos agentes da violência, a quem beneficia com a impunidade, além de perseguir e criminalizar aqueles que lutam pelo direito à terra e ao território e à vida digna no campo, nas águas e nas florestas".
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De acordo com o Relatório de Conflitos da CPT, foram registrados 84 casos de criminalização em 2020, cujas maiores vítimas foram sem-terra (40), posseiros (24) e quilombolas (9). O relatório aponta ainda, que em 2020, só no caso do estado do Pará, existiam um total de 288 (duzentos e oitenta e oito) conflitos no campo, com pelo menos 146.102 (cento e quarenta e seis mil, cento e duas) pessoas atingidas.
É em nome dos nossos mortos, para que sua luta não tenha sido em vão, mas também pela esperança de um mundo mais digno, mais justo e igual, que seguimos em marcha, construindo e fortalecendo a luta pela terra, no campo e na cidade.
Neste ano, nossa “Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária: por Terra, Teto e Pão” vêm acontecendo desde 08 de abril, em memória aos 26 anos dos mártires de Eldorado do Carajás, e aponta para os objetivos de avançar nas lutas massivas, a partir da retomada das ocupações de terras, na produção de alimentos saudáveis, plantio de árvores e resistência ativa nos territórios, além da ampliação das ações de solidariedade, envolvendo o conjunto da base social do Movimento.
*Ana Paula dos Santos é Militante do MST.
**Leia outros textos da coluna Direitos e Movimentos Sociais. Autores e autoras dessa coluna são pesquisadores-militantes do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais, movimento popular que disputa os sentidos do Direito por uma sociabilidade radicalmente nova e humanizada.
***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo