Coluna

A corte do Rei Arthur Lira

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MST fez escracho em frente ao MEC em meio à escalada de denúncias
MST fez escracho em frente ao MEC em meio à escalada de denúncias - Divulgação MST
O topo do PIB parece ter se conformado que não haverá a terceira via

Olá, maior do que a crise no MEC só a inflação e o número de revelações constrangedoras da vida nos quartéis. E, mesmo em ano eleitoral, todo poder emana do Congresso.

.Atoleiro sem fim. Milton Ribeiro foi o boi de piranha sacrificado para a boiada no MEC continuar passando. Mas o plano não funcionou como o governo esperava. O depoimento do presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) à CGU confirmou o esquema de venda de serviços e obras públicas para prefeituras operadas por dois pastores aliados de Bolsonaro. Porém, Marcelo Lopes da Ponte esqueceu de mencionar também o favorecimento das prefeituras aliadas de Ciro Nogueira, seu padrinho político, na destinação de recursos do FNDE, impulsionando uma máquina eleitoral de obras inacabadas e superfaturadas. E como o cheiro de podre está no ar, vem urubu de todos os lados: não é que um magoado Abraham Weintraub ressurgiu para dizer “Eu já sabia”? O desespero bateu às portas do governo quando a oposição já tinha 27 assinaturas para a instalação de uma CPI da educação. Daí passou a valer de tudo, trocar emendas parlamentares por retirada de assinaturas, tornar sigilosos os 45 encontros de Bolsonaro com os pastores lobistas e até tentar instalar uma CPI controlada pelo governo sobre o FIES e no FNDE nos governos Lula, Dilma e Temer. Com tudo isso, o governo conseguiu inviabilizar temporariamente a CPI convocada pela oposição, que agora trabalha para levar a investigação para dentro da Comissão de Educação do Senado. Enquanto a crise corre solta, a boiada continuou passando: abrindo um precedente para os governos estaduais e municipais descumprirem o valor mínimo constitucional de investimentos em educação e mexendo nas regras do Prouni, favorecendo estudantes que cursaram sem bolsa o ensino médio em instituições privadas.

.Mão amiga. Enquanto isso, o centrão aproveitou para lembrar que seu projeto fisiológico não depende dos humores eleitorais. Na redistribuição das comissões do Congresso, o União Brasil deixou o turbinado PL e o governo para trás, levando as duas mais importantes, a de Orçamento e a de Constituição e Justiça, e as duas que tratam dos temas quentes da conjuntura, Educação e Minas e Energia. E, a contragosto dos candidatos, Arthur Lira segue com seu próprio projeto de poder com o semipresidencialismo. Na antessala do Planalto, os generais Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos reclamam que viraram figuras decorativas diante de Ciro Nogueira. Mas, principalmente, os parlamentares estão com as chaves do cofre. Graças às emendas, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) deixou de lado os projetos de irrigação para se tornar uma pavimentadora de estradas. A CGU identificou irregularidades nos processos de licitação envolvendo a empresa, cujos valores aumentaram de R$ 1,3 bilhão para R$ 3,4 bilhões entre 2018 e 2021. A maior beneficiada foi a empreiteira Engefort, que venceu mais da metade das licitações em que concorreu sozinha ou com empresas fantasmas. O caso se soma aos recentes escândalos envolvendo o braço forte e a mão amiga do governo, os militares, com a compra de viagra, próteses penianas, gel lubrificante íntimo, botox e remédios para a calvície. Tudo isso levanta a suspeita de que, além dos problemas de impotência e autoestima, essas compras acobertam esquemas de superfaturamento, alimentando-se das verbas que o governo retirou do SUS e repassou às forças armadas nos últimos anos. E como agora a oposição no Congresso virou uma central de abaixo-assinados para abrir CPIs, já tem gente tentando instaurar a CPI do viagra. Mais importante do que isso: os desvios não seriam parte de um grande esquema de caixa 2 para garantir a reeleição do capitão e seus aliados?

.Show do milhão. Com a recuperação de Bolsonaro nas pesquisas, a ordem no PT é moderar o discurso de Lula e partir em direção ao eleitor de centro-direita. Em especial, aqueles com mais de cinco dígitos na conta. Tarefa que ganhou o reforço de Geraldo Alckmin, que também deverá assumir outros temas espinhosos para o partido, como a relação com as polícias e a segurança pública. Por enquanto, além dos jantares com empresários, o maior trunfo tem sido a garantia da permanência de Campos Neto no Banco Central e de que o PT não irá revogar a autonomia do BC. Na 8ª edição da Brazil Conference, que reuniu empresários e estudantes brasileiros de Harvard e do MIT, a candidatura petista foi recebida mais como “o menor dos males” do que com entusiasmo. O topo do PIB parece ter se conformado que não haverá a terceira via, já que as próprias direções dos partidos se ocupam em rifar Simone Tebet e João Dória no fogo amigo. Porém, se o crescimento de Bolsonaro se deve à volta da direita que desistiu da terceira via, isso inclui evidentemente parte do empresariado. Mesmo sem muita moral na Faria Lima, Paulo Guedes tem prometido que o segundo mandato sim será ultraliberal e aproveitando a empolgação fez mais uma das suas famosas fanfarronices, garantindo que em um mês a Eletrobras será privatizada. Ciro Nogueira também entrou em campo para receber as reivindicações dos empresários para o programa de governo e o setor mais bolsonarista do PIB, formado por 300 empresas, propôs a desoneração permanente da folha de pagamento, a volta da CPMF e o desmonte das agências reguladoras. De quebra, Joe Biden pode estar querendo uma aproximação com Bolsonaro, ao mesmo tempo em que o porta-voz de Wall Street, The Economist, repete o discurso bolsonarista de ataques a Lula e ao STF.

.Juízo final. Cada vez fica mais evidente que a eleição será decidida pela economia. Por um lado, Bolsonaro tem a seu favor o Auxílio Brasil, uma pequena queda do Dólar e uma possibilidade de recuperação do emprego, além de ter conseguido resolver temporariamente a crise sucessória na Petrobrás com a posse de José Mauro Coelho na presidência da empresa. Mais do que isso, o que pesa é o “pacote de bondades”, como o reajuste dos servidores e a correção do imposto de renda, embora também tenha criado insatisfação em uma de suas bases, as forças policiais. Por outro lado, a inflação não está corroendo apenas a renda dos mais pobres, mas já atinge a classe média e o preço da cesta básica atingiu seu maior valor em 28 anos. Para piorar, a conta de luz deve aumentar novamente. Nesse quadro, a surpresa do Banco Central com a inflação de março revela que Campos Neto não faz a menor ideia de como resolver o problema e que o horizonte é de preços e juros ainda mais elevados, com baixo crescimento. Um cenário que inclusive anula o efeito de medidas como o saque do FGTS, enquanto o número de dependentes do Auxílio Brasil já é maior do que os trabalhadores com carteira assinada em 12 estados. Com os setores de serviço e industrial em queda, não há otimismo para o PIB e a OCDE aponta que o Brasil vai na contramão dos países emergentes, com previsão de desaceleramento da economia. É claro, o efeito político da crise se faz sentir, com 53% da população considerando o governo ruim ou péssimo.

.A queda do céu. O relatório publicado pela Hutukara Associação Yanomami denuncia com detalhes a política de extermínio dos povos indígenas levada a cabo pela mineração com o apoio do governo Bolsonaro. Algumas das consequências do garimpo, que cresceu cerca de 46% nas terras Yanomamis em 2021, são o desmatamento, destruição dos rios, caça predatória, surto de malária, aliciamento de jovens, exploração sexual, alcoolismo e desnutrição infantil. Os indígenas ainda acusam a Funai de não cumprir seu papel constitucional, o que se confirma pela postura do presidente da Fundação, Marcelo Xavier, que contenta-se em culpar o governo da Venezuela e afirmar que os garimpeiros também são vítimas, defendendo como solução a legalização do garimpo nas reservas. Aliás, vale lembrar que a militarização da Funai, com 14 das 24 regionais sob o controle dos militares, abriu espaço para a atuação de milícias que contam com a participação de PMs e ex-PMs. E os esquemas de mineração ilegal extrapolam o território amazônico. Em Goiás, por exemplo, o ex-presidente do ICMBio, Bruno Cezar Cecchini, está sendo investigado por garimpo e exporação de ouro ilegal para a Europa. Como resposta a este cenário de destruição, o movimento indígena montou em Brasília o Acampamento Terra Livre com cerca de sete mil pessoas que lutam por uma política de demarcação e repressão ao garimpo em seus territórios. Além de reuniões com ministros do STF, o grupo conversou com Lula, que comprometeu-se a criar um ministério para as questões indígenas. Além da pressão em Brasília, outra estratégia do movimento é lançar candidaturas próprias este ano com o objetivo de articular uma bancada indígena no Congresso.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Por que os Guarani preferem não viver. No Outras Palavras, Caio Araujo trata de um tema difícil: o aumento do número de casos de suicídio entre jovens indígenas e suas causas.

.A vida dos trabalhadores de fast food em SP. “Fast food é escravidão, não tem jeito”. Marcos Hermanson Pomar fala dos salários baixos, da superexploração e dos abusos dos trabalhadores do setor.

.IFood tenta censurar vídeo que mostra relação com empresas intermediárias. O Brasil de Fato revela porque as plataformas querem esconder as empresas terceirizadas de logísticas dos aplicativos. 

.Por que os sindicatos estão ressurgindo nos EUA. 68% dos norte-americanos aprovam os sindicatos, o maior índice desde 1965. E eles crescem entre trabalhadores da Amazon e do Starbucks. Por Alessandra Corrêa, na BBC.

.Como as divisões na extrema direita ajudaram Marine Le Pen a se popularizar. Na Jacobin, como a segunda via da direita tornou a extrema-direita palatável nas eleições francesas.

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Felipe Mendes