As emissões de gases do efeito estufa no mundo devem ser reduzidas quase pela metade até 2030 para que uma catástrofe global seja evitada. Esta e outras previsões foram divulgadas nesta segunda-feira (4) na terceira e última parte do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), realizado pelo Grupo de Trabalho III.
Com foco na mitigação dos efeitos da crise climática já presente, o relatório do IPCC, divulgado com atraso devido a tensas negociações entre países sobre sua linguagem, chega com fortes apontamentos direcionada às mensagens de governos e corporações empresariais, às quais o secretário-geral da ONU, António Guterres, chamou de "promessas vazias".
"Deixamos a COP26 em Glasgow, no ano passado, com o ingênuo otimismo de novas promessas e comprometimentos. Mas o principal problema do enorme aumento de emissões foi ignorado. Governos dizem uma coisa e fazem outra. Em outras palavras: estão mentindo", pontuou Guterres na conferência de apresentação do relatório, nesta segunda.
"A ciência é clara: para manter o limite de 1,5ºC do aquecimento global firmado no Acordo de Paris precisamos reduzir as emissões globais em 45% nesta década, mas as promessas atuais levariam a um 14% de aumento das emissões", disse o secretário-geral.
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O levantamento de mais de 18 mil publicações científicas concluiu que, com as políticas climáticas firmadas até 2020 pelos governos, o planeta atingiria um aquecimento de 3,2ºC, mais que o dobro do limite acordado de 1,5ºC até o final do século, para evitar uma catástrofe irreversível. Entre 2010 e 2019, a média de emissão de gases atingiu os níveis mais altos da história da humanidade, ainda que com um crescimento mais lento nos últimos anos.
Apesar do panorama trágico, os cientistas apontam que a mitigação e adaptação às mudanças climáticas são atingíveis desde que se deem no marco de uma ação acelerada e equitativa. O relatório destaca que 10% dos lares do mundo emitem entre 35% e 45% dos gases do efeito estufa. Até 2019, os países mais pobres do mundo e as nações-ilhas foram responsáveis por apenas 4% das emissões de gases causadores do efeito estufa.
"Um aspecto fundamental desse relatório é que coloca claramente o elemento das desigualdades das emissões", pontua Marcelo Laterman, porta-voz da Campanha de Clima e Justiça do Greenpeace Brasil. "Para pensar a necessária transição energética, é necessário partir do ponto das desigualdades, da questão de cuidados, da justiça climática, do fato de que os países mais impactados são os que menos contribuem historicamente para essas emissões."
"Como América Latina, somos responsáveis por 3% das emissões, mesmo índice do continente africano", pontua Federico Pellegrino, coordenador geral de Política e Ativismo para a Sustentabilidade da ONG Eco House Global, na Argentina. "Somos países periféricos que não determinam o rumo do sistema econômico ou da posição que temos nesse sistema."
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Pellegrino destaca a importância de, nesse sentido, gerar consciência social para demandar medidas de ações climáticas equitativas. "É importante situar-nos como região a partir do diagnóstico da mudança climática e pensarmos metas e medidas econômicas, políticas e sociais. Temos que dar muita ênfase no que levanta o relatório em termos de adaptação à mudança climática e a necessidade de transferência de recursos e tecnologia para países do sul", pontua.
Para reduzir as emissões globais em 43% até 2030, seria necessário investir em energias renováveis e em transferência tecnológica dos países desenvolvidos aos países do sul global.
"A cooperação internacional ajuda os países a alcançar metas de mitigação a longo prazo quando apoia o desenvolvimento e difusão de tecnologias de baixo carbono, muitas vezes em setores individuais, o que pode levar simultaneamente a benefícios significativos nas áreas de desenvolvimento sustentável e equidade", pontua o capítulo sobre cooperação internacional.
Destaques do relatório
O terceiro tomo do relatório do IPCC divide as análises e recomendações sobre mitigação da crise climática nos eixos temáticos enfocados em sistemas urbanos, agricultura, sistemas energéticos, moradia, transporte, indústria e tecnologia e inovação.
Para alcançar a estabilização climática, os resultados do levantamento enfatizam a meta de emissão de dióxido de carbono zero. Reduzir o transporte aéreo, o consumo de carne e abandonar veículos de combustão tradicionais são algumas das propostas levantadas pelos pesquisadores. Em centros urbanos, alternativas como redes de parques e espaços abertos, áreas úmidas e agricultura urbana foram destacadas como opções para reduzir o risco de enchentes e o efeito do calor.
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"No cenário que avaliamos, limitar o aquecimento global em 1,5ºC exige que a emissão de gases do efeito estufa global alcance seu pico até no máximo 2025 e seja reduzida em 43% até 2030", apontou o co-presidente do IPCC, Jim Skea. "As emissões do metano, um gás de vida curta, porém potente causador do efeito estufa, precisam ser reduzidas em um terço no mesmo período. E mesmo fazendo isso, é quase inevitável que, ao menos temporariamente, superemos o aquecimento global em 1,5ºC."
Jim Skea destacou que o mundo está em condições de levar adiante a necessária transição energética global, apesar dos índices preocupantes. "As emissões globais em 2019 foram cerca de 12% maiores que em 2010 e 64% mais altas que em 1990. Definitivamente, não estamos no caminho para limitar o aquecimento global em 1,5ºC", disse. "Mas há evidências crescentes de ações climáticas e a média anual de emissões globais aponta para uma diminuição no crescimento na última década, de 2,1% para 1,3% por ano entre 2010 e 2019."
"Esse freio no crescimento é particularmente notável nos setores da energia e indústria, em uma redução das emissões em mais da metade. Apesar desse progresso, nossas análises concluem que, a menos que haja uma imediata e profunda redução das emissões em todos os setores, a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC estará fora do alcance."
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Além do pouco tempo para implementar novas tecnologias de energia renovável e de captura de CO2 da atmosfera (ainda pouco utilizada e em desenvolvimento), o relatório conclui também ser urgente descontinuar projetos de energias nocivas para o planeta. O carvão deve ser reduzido em 95% até 2050. Da mesma forma, o petróleo deve cair em 60% e o gás natural em 45% no mesmo período.
"Uma das novidades desse relatório é que evidencia a capacidade técnica para diminuir as emissões. Elas existem e é possível diminuir pela metade até 2030 na maioria dos setores da economia. Isso mostra a possibilidade de atuar agora", aponta Pellegrino. "Não quer dizer que estejamos gerando as tendências para fazê-lo, já que falta vontade políticas e empresarias para isso."
Nesse sentido, António Guterres fez um apelo à sociedade global. "Alguns governos e empresários estão dizendo uma coisa e fazendo outra. Em outras palavras, estão mentindo", disse. "Se você mora em uma cidade grande, uma área rural ou um estado em uma pequena ilha, se você investe no mercado de ações, se você se importa com a justiça climática e o futuro das crianças, faço um apelo direto a você demandar que energias renováveis sejam introduzidas agora, em velocidade e escala."
Edição: Arturo Hartmann