Pelo menos 25% dos 513 deputados federais com mandatos em exercício aproveitaram a janela partidária, encerrada à meia-noite desta sexta-feira, 1º de abril, para trocar de sigla sem sofrer punições. Os principais destinos foram os partidos que estão na zona de influência de Jair Bolsonaro, incluindo o Partido Liberal (PL), que abriga o presidente desde novembro passado e se tornou o maior partido da Câmara dos Deputados, com 73 assentos. Os partidos não são obrigados a informar as trocas imediatamente, então os números ainda podem crescer.
A troca de siglas, que atualmente é permitida apenas durante 30 dias, seis meses antes das eleições, também aumentou o tamanho de outros partidos que estão na zona de influência do presidente. O Partido Progressistas (PP), do ministro da Casa Civil Ciro Nogueira, ganhou 14 nomes para suas fileiras, enquanto o Republicanos, que recebeu na semana passada os agora ex-ministros Tarcício de Freitas (Infraestrutura) e Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), somou outros 15.
O União Brasil, que chegou a contar com 81 nomes, foi o partido que sofreu a pior debandada. Mesmo assim, continua com a maior parte do fundo eleitora, valor calculado a partir dos resultados das últimas eleições parlamentares.
Troca-troca promove um novo arranjo dentro da Câmara
Durante os 30 dias de janela partidária, 66 deputados federais trocaram de sigla. O destaque é o Partido Liberal, de Bolsonaro, que absorveu 23 deputados, passando de 43 para 73. Boa parte desses reforços vieram do União Brasil, fruto da fusão entre os extintos DEM e o PSL, e que foi o partido que mais perdeu filiados durante esta janela, passando de 81 para 50.
Após as eleições de 2018 e antes do União Brasil ser realidade, o Partido dos Trabalhadores (PT) era a sigla com o maior número de deputados na Casa, 54. Embora tenha recebido dois filiados, o maior partido de esquerda no país cai para a terceira posição, com 56, ultrapassado pelo PP, que foi a 59. O Republicanos fecha o primeiro pelotão, em quarto lugar, ao saltar de 31 para 46.
Atuais regras eleitorais favorecem concentração partidária
De acordo com Fernando Neisser, especialista em direito político e eleitoral, a decisão de escolher outro partido é puramente estratégica e tem como objetivo estar melhor posicionado para as eleições de 2 de outubro. “Como é um sistema proporcional, de lista aberta, em que há uma grande influência dos cabeças de chapa que puxam os votos dos demais - candidatos a presidente ou governador - é natural que haja interesse em se alinhar a quem tenha maior apelo popular”, explica.
Neisser também alega que há no Brasil uma “tradição patológica de infidelidade partidária”, algo que o Superior Tribunal Federal (STF) tenta coibir com “decisões muitas vezes desastradas”, que mantêm os eleitores mais apegados aos candidatos do que aos partidos. “Para o eleitorado, os partidos sempre foram uma sopa de letrinhas. No geral, a escolha é por tal ‘fulano ou fulana’ cujo número é anotado na hora de votar, ou então repetem o número da sigla de seus candidatos majoritários”, afirma.
Há no Brasil uma “tradição patológica de infidelidade partidária.
David Fleischer, professor emérito de Ciências Políticas na Universidade de Brasília, defende que a filiação de Bolsonaro ao PL em novembro de 2021 foi decisiva na debandada vista em outros partidos para entrar sob o guarda-chuva presidencial.
“Tornar um partido maior também envolve aumentar a sua fatia de fundos eleitoral e partidário, significa mais espaço para propaganda em rádio e televisão também, o que é muito importante para qualquer político que busque a reeleição, e isso inclui o presidente. É uma via de mão dupla”, explica Fleischer.
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Para Neisser, já havia no Congresso Nacional uma notória convergência de opiniões e poucas diferenças entre políticos de centro-direita e direita, o que facilita essa aglutinação visando as eleições.
“O centrão e os partidos mais à direita, até por estarem muito mais próximos ideologicamente, faz pouca diferença ser do partido A, B ou C. Agora, se eu já estiver ali naquele canto ao lado do presidente, por que não estarei na chapa que tem o mesmo número dele? Isso vai fazer com que essa chapa tenha um pouco mais de voto e que eu tenha mais chance de ser eleito”, projeta o jurista.
Ainda segundo ele, os partidos de esquerda tradicionalmente sempre tiveram “coerência e estabilidade maiores”: “Claro que há casos de trânsfugas, com gente mudando até para partidos ideologicamente opostos, mas isso sempre foi muito residual. Nunca foi um problema histórico para o PT, Psol, PCdoB, PDT e PSB”.
Mudanças promovidas pelo STF e TSE “embaralham” o sistema
A lei que estabelece a janela partidária foi criada em 2015 como válvula de escape para a fidelidade partidária estipulada pelo Tribunal Superior Eleitoral (STF) para coibir o troca-troca de partidos. Para Neisser, a intenção pode ter sido boa, mas ela desconsiderou as consequências políticas para o futuro. “Faria sentido se vivêssemos em uma realidade política onde o eleitor estivesse acostumado com partidos estáveis e identificados com suas bandeiras, mas não era essa a realidade”, aponta.
Em 2018, o próprio TSE regulamentou a Lei nº 9.096/95 que versa sobre os partidos e, a partir de então, sempre 6 meses antes do pleito e durante um prazo de 30 dias, os congressistas podem mudar de partido sem perder o mandato, independente do motivo.
“O argumento que se traz é que não seria justo um cara eleito pelo partido A migrar para o partido B, eventualmente levar ou não os fundos, e também seguir as políticas do partido B. Seria uma traição ao partido A. Mas isso vale para aquele mandato, aquele político tem o direito de buscar um novo rumo ao fim do mandato. Ser contrário a isso é apenas um juízo de valor”, afirma Neisser.
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Outros arranjos entre partidos ainda são possíveis até as eleições
Uma saída para garantir a sobrevida das siglas menores, pressionados pela cláusula de desempenho e pelo fim das coligações, veio com as federações partidárias, que funcionam como um tipo de coligação “permanente e total” entre dois ou mais partidos, válida por pelo menos 4 anos.
Fleischer explica que o vínculo se estende também para a formação de bancadas temáticas durante a próxima gestão e a fidelidade à federação em votações no Plenário. Ele também acredita que é difícil encontrar um denominador comum que funcione nacionalmente.
“Muitos partidos estão na dúvida se essa federação vai ajudar ou não, porque há estados e municípios em que as correntes políticas dentro desses partidos são muito diferentes. São acordos difíceis para escolher quem sai para governador, para senador etc”, elucida.
Há rumores e negociações em curso para a formação de federações, que devem ser registradas até 31 de maio, mas nenhuma foi oficializada até agora. O PSDB estaria com negociações avançadas com o Cidadania, de porte bem menor que o seu; as tratativas entre Psol e Rede também seguem vivas; e comenta-se de uma possível federação envolvendo o PT, o Partido Verde (PV) e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Neisser vê dificuldades em alianças entre partidos de dimensões muito diferentes, como PT e PCdoB, por exemplo, pela “assimetria” que existiria dentro da federação. “Eu acho que nós vamos sair dessa experiência com três federações, no máximo. E veja que todas elas são entre o centro e a esquerda. Talvez as amarras da federação não tenham tornado esse caminho interessante para os partidos do Centrão e da direita, conclui.
Edição: Rodrigo Durão Coelho