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O pastor Milton Ribeiro é o quarto ministro da Educação em pouco mais de três anos. Chegará ao final de 2022? - Isac Nóbrega/PR
Áudio vazado revela uma rede de favorecimento, uma espécie de gabinete paralelo

Olá, de más intenções o inferno e o MEC estão cheios. E não se sabe se estamos perto do juízo final deste governo ou do apocalipse econômico do país.

 

.A igreja invisível. O pastor Milton Ribeiro é o quarto ministro da Educação em pouco mais de três anos. Chegará ao final de 2022? Para o governo, tamanha instabilidade não é um problema já que a educação é apenas um alvo de sua guerra cultural. Viu-se de tudo desde 2019: corte de orçamento, desmonte do INEP, da CAPES e do CNPq, criação de escolas cívico-militares, homeschooling e o povoamento das instituições por olavistas e evangélicos. Agora, o áudio vazado pela Folha revela uma rede de favorecimento, uma espécie de gabinete paralelo que intermedia a liberação de verbas do MEC para prefeituras aliadas ao governo. Segundo fala de Milton Ribeiro, a orientação teria vindo do próprio Bolsonaro. O segundo escalão do esquema são os Gilmar Santos e Arilton Moura, que tinham acesso direto a Bolsonaro. Através do lobby, ambos conseguiram empenhar em torno de R$ 105 milhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e um deles ainda abriu sua própria faculdade privada. Segundo denúncia do prefeito de Luis Domingues (MA), os pastores cobravam ainda um dízimo pelos serviços prestados às prefeituras, algumas vezes em barras de ouro (“que vale mais do que dinheiro”). A oposição no Congresso acusa Milton Ribeiro de tráfico de influência e o STF, o TCU e a PGR já abriram investigação sobre o caso, embora tenham blindado Bolsonaro. Mais do que o ministro, o que está em jogo agora é a adesão da base evangélica à candidatura de Bolsonaro, cujas relações vinham se fortalecendo nas últimas semanas. Daí a vacilação da bancada evangélica, apesar dos olhos grandes do centrão sobre o cargo. Além disso, a pasta da Educação influencia os votos da juventude, por isso Bolsonaro, por hora, fez questão de “botar a cara no fogo” pelo pastor. Aliás, ironias da história, só quem não parece muito preocupada com essa pauta-bomba é a esquerda.

 

.De olho na bomba. Os problemas de Bolsonaro vão muito além do coronelismo evangélico no MEC. O caso da Wal do Açaí também está dando dores de cabeça ao capitão, especialmente depois que o MPF resolveu denunciá-lo por improbidade administrativa. Mas o seu maior problema continua sendo o preço dos combustíveis. Depois do choque de preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha, a base governista no Congresso deu uma resposta paliativa, improvisada, e que agora se mostra uma gambiarra. É que a tal mudança no ICMS sobre os combustíveis pode gerar um rombo não previsto de R$ 16 bilhões e o governo corre para remendar o problema. Ao mesmo tempo, o governo segue ameaçando a possibilidade de uma intervenção na política de preços sem apresentar nada concretamente. No centro do tiroteio encontra-se o general Luna e Silva, atual presidente da Petrobras, alvejado por governistas e opositores. A Comissão de Infraestrutura do Senado convidou o presidente da empresa a prestar esclarecimentos sobre o superávit da empresa e a distribuição de dividendos, e a convocação ganhou apoio de Rodrigo Pacheco. Mas, se de fato os dias de Luna e Silva estão contados, a mudança pode muito bem servir para que tudo continue como está. É que um dos cotados para assumir o cargo é o assessor de Paulo Guedes, certamente um neoliberal de carteirinha. Mesmo assim, qualquer alusão à modificação da política de preço arrepia os cabelos do mercado. Um novo embate já tem data marcada, dia 13 de abril, quando haverá eleição do Conselho de Administração da Petrobras, onde o governo tem o poder de indicar oito dos onze integrantes.

 

.O país que virou suco. A variável que parece cada vez mais incontrolável é a economia. No setor de alimentação, a inflação da carne contaminou outros produtos, como o frango e os ovos, afetando a mesa dos mais pobres. Nesse cenário, nem o corte de impostos sobre a importação do etanol e de alguns alimentos, nem a desvalorização do dólar serão capazes de reverter a tendência inflacionária brasileira. O encarecimento do diesel já afeta o transporte público nos estados e municípios. As projeções sobre a taxa básica de juros também aumentam, mesmo que o remédio receitado pelo Banco Central não esteja surtindo efeito. Ao mesmo tempo, o Dieese comprova o que o trabalhador já sabia: a única coisa que não sobe no Brasil são os salários, que tiveram reajustes abaixo da inflação. Bolsonaro reconhece o problema da inflação, mas não sua responsabilidade. Adivinhem? Ele jogou a culpa nos governadores e no cenário internacional. Nesse cenário distópico, os únicos que não têm do que reclamar são o agronegócio e as mineradoras. Depois dos grãos e da carne, agora as frutas são a nova sensação das exportações brasileiras para os países asiáticos e do leste europeu. Enquanto isso, a SLC Agrícola, maior produtora de grãos do país, já comprou fertilizantes suficientes para garantir a safra de 2022 e 2023. Na outra ponta, aproveitando a escassez de fertilizantes no mercado internacional, a Agência Nacional da Mineração (ANM) recebeu treze pedidos de mineração de potássio este ano, número maior do que nos anos anteriores, sendo que seis deles atingem assentamentos da reforma agrária. Aliás, a instalação de garimpos legais e ilegais conta com a colaboração de agentes de Estado, como o ex-presidente do ICMBio coronel Homero de Giorge Cerqueira, que agora atua como representante dos garimpeiros agregados na Confederação Nacional de Mineração (CNMI).

 

.Maratona. Poucas surpresas devem acontecer na última semana de janela partidária, apesar de 10% dos parlamentares terem trocado de partidos. Lula já tem seu vice, assim como Bolsonaro, que se decidiu por Braga Netto, para manter a imagem de fidelidade das forças armadas com a sua candidatura. Com a inflação e o preço dos combustíveis, é provável que o tema das privatizações, em especial da Petrobras, esteja no centro dos debates, com promessas de menos estatais do lado de Bolsonaro e fortalecimento destas empresas por parte de Lula. Para os dois candidatos do pelotão de elite, a disputa em São Paulo também é central. A retirada da candidatura de Guilherme Boulos não só fortalece Fernando Haddad, como sinaliza o compromisso de apoio petista ao Psol nas eleições para a capital paulista em 2024. A eleição de Haddad significaria tomar um território há anos sob domínio tucano e também alçaria o ex-ministro da educação a provável nome petista ao Planalto em 2026. Já Bolsonaro aposta suas fichas no ministro de Infraestrutura Tarcísio de Freitas. O capitão vai precisar buscar fôlego nas fake news, no aparelhamento do Estado policial e em alguma melhora na economia, já que o Auxílio Brasil não está revertendo em intenções de votos. Já Lula vai precisar dar atenção às regiões fortes do agronegócio e aos evangélicos. Além disso, apesar da vitória judicial no caso do powerpoint de Dallagnol, o petista está sendo aconselhado a esquecer Sergio Moro e se concentrar nas críticas a Bolsonaro. E mesmo na sua fortaleza no nordeste, Lula terá que lidar com o baixo desempenho na Bahia e a deserção de Marília Arraes em Pernambuco. Enquanto isso, no pelotão das pessoas comuns e caricatas, Eduardo Leite tem uma semana para decidir o que fazer e Sergio Moro precisa lidar com seus problemas jurídicos e com a ausência de empenho do seu próprio partido.

 

.Oi, sumido. Em fevereiro deste ano, o Tribunal Superior Eleitoral firmou uma carta de compromissos com plataformas digitais para garantir o combate às notícias falsas. O Telegram não apenas não participou, como ignorou por meses todos os pedidos do STF. Até que no sábado (19) o Telegram descobriu que Alexandre de Moraes não brinca em serviço. Diante da decisão de bloquear o aplicativo de origem russa, mas sediado nos Emirados Árabes Unidos, rapidamente a empresa deu sinal de vida, com um desculpa no estilo “meu cachorro comeu o e-mail”, mas respondendo às questões do STF, apresentando um representante no país e excluindo perfis bolsonaristas que disseminavam fake news. O impacto da ação de Moraes pode ser medida pelo seguinte: quem recorreu contra a decisão do STF não foi a empresa, mas a Advocacia Geral da União, afinal o capitão e filhos tem milhares de seguidores na rede que virou uma espécie de refúgio para fundamentalistas de direita. Mas não adiantou o choro, o Telegram recuou e Alexandre Moraes venceu mais uma vez. A estratégia em dobrar a plataforma deve ter outras consequências: as informações do Telegram desaguaram também nas investigações do MPF e colocaram na pauta política o projeto de lei contra fake news, dividindo a base governista.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Viagem ao mundo sem lei dos super-ricos . Ladislau Dowbor resenha uma autobiografia que revela como a aristocracia financeira extrai sua riqueza sem produzir nada. No Outras Palavras.

.Apartheid e racismo nas cidades da soja. Reportagem do O Joio e o trigo mostra como a soja segrega cidades por cor de pele, origem geográfica e renda.

."Literatura é uma lente poderosa para enfrentar o racismo". O premiado autor de “Marrom e Amarelo”, Paulo Scott fala sobre o papel da literatura para combater o racismo e transformar a sociedade.

.A guerra que nunca aconteceu. A Jacobin relembra o papel que Joe Biden cumpriu, há quase duas décadas, para apoiar e garantir a invasão dos Estados Unidos ao Iraque.

.Estamos em um período de grandes mudanças tectônicas. Na carta semanal do Instituto Tricontinental, o historiador Vijay Prashad sintetiza os seis aprendizados a partir do conflito na Ucrânia.

 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo