Coluna

A guerra na Ucrânia e os impactos em Angola

Agências internacionais já alertaram ao governo que a fome pode começar a alastrar-se pelo país a qualquer momento - NOAH SEELAM / AFP
Produtores locais defendem um programa de crédito, apoio e proteção para estimular a produção local

A invasão da Ucrânia pela Rússia teve consequências paradoxais para Angola, um país historicamente vinculado à região. Em 11 de novembro de 1975, o Movimento Pela Libertação de Angola (MPLA), de inspiração marxista-leninista, assumiu o controle da capital Luanda e declarou de imediato o seu alinhamento a Moscou. A proximidade militar continuou durante os anos da guerra civil angolana (1976-2002) e se estendeu à indústria.

Empresas soviéticas foram essenciais na construção dos dois maiores projetos industriais de Angola nos anos 1990, a barragem de Capanda e o consórcio de diamantes de Angola, que curiosamente também envolveram uma empresa brasileira, a Odebrecht. Junto com os diamantes, o petróleo e os cereais também unem o destino dos dois países.

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Petro-Estados dominantes nas suas respectivas regiões, eles estão ligados pelas dinâmicas geopolíticas do mercado internacional de commodities. Angola, tal como muitos países africanos, importa uma parte importante dos seus produtos alimentares. Os choques na Rússia e na Ucrânia, responsáveis por 30% das exportações mundiais de cereais, impactam diretamente Luanda. 

Os choques da guerra no petróleo e nos cereais impactam Angola de forma diferente. O aumento das exportações de petróleo permitiu ao MPLA preparar as eleições deste ano em melhores condições. Ajudada pela renda petrolífera, a máquina do Estado vai atuar de forma mais dinâmica e abrangente até outubro, quando os angolanos devem eleger o seu próximo presente numa das mais disputadas eleições da sua história.

No último ano, a oposição lançou um movimento de união e o seu candidato, Adalberto da Costa Júnior, vem surpreendendo pelo seu discurso modernizador e ambicioso.

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Pela primeira, o MPLA, que venceu todos os pleitos desde o final da guerra civil, terá de convencer o eleitor angolano, traumatizado pela pandemia e pelo declínio econômico, a renovar a sua confiança.

A crise dos cereais, no entanto, pode impactar diretamente a recuperação econômica do país. O abastecimento de alimentos em Angola é muito mais autônomo do que no passado. Um avanço muitas vezes creditado a uma combinação de planejamento de políticas públicas eficiente e à adaptação bem-sucedida de produtores locais aos desafios trazidos pela crise sanitária. 

Isso não significa, porém, que Angola seja imune a perturbações do mercado. O sudeste está passando por um longo período de seca que elevou a fome a níveis alarmantes. Agências internacionais já alertaram ao governo que a fome pode começar a alastrar-se pelo país a qualquer momento.

Preocupado com uma crise que foi ignorada por anos, mas que agora pode eclodir em plena campanha eleitoral, o governo tomou uma série de iniciativas, como a criação de uma reserva em dólares a partir da receita de petróleo para continuar importando alimentos básicos se os preços internacionais continuarem a subir.

Angola é atualmente autossuficiente em vários produtos, como a mandioca e a batata doce, passando por bananas e ovos. Mas cerca de 11% das importações de alimentos dizem respeito ao trigo.

Segundo os produtores locais, as medidas do governo são paliativas, mas a única solução estruturante seria fazer com que Angola aumentasse a sua autonomia alimentar em todos os setores. Eles defendem medidas como um programa de crédito, apoio e proteção para estimular a produção local. Uma coisa é certa, o governo não tem margem de erro, pois uma crise alimentar no meio do ano poderia se tornar um grande problema para a campanha do MPLA.

 

*O OPEB (Observatório de Política Externa Brasileira) é um núcleo de professores e estudantes de Relações Internacionais da UFABC que analisa de forma crítica a nova inserção internacional brasileira, a partir de 2019. Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Rebeca Cavalcante