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“Lealdade acima de tudo”: a extrema direita em marcha

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Lula Bolsonaro
"A centro-esquerda tende a sair vitoriosa com a eleição de Lula para presidente. Mas a extrema direita também tende a sair em condições políticas suficientemente fortes para apresentar um conjunto imenso de dificuldades e obstruções ao futuro governo" - Ricardo Stuckert e Isac Nóbrega/PR
Mesmo que seja derrotado, o bolsonarismo se credencia a ser a principal força de direita no Brasil

Lealdade acima de tudo é o estranho, mas revelador, nome da frente parlamentar criada pelos apoiadores de Jair Bolsonaro, na Câmara dos Deputados. A frente parlamentar é, em verdade, uma articulação política que envolve deputados e pessoas com visibilidade pública, cujo objetivo é eleger parlamentares mais alinhados ideologicamente ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Deputados bolsonaristas se referem à essa articulação como um arranjo para derrotar os “traidores” (sic) e dar maior transparência aos candidatos vinculados às pautas conservadoras.

Legitimados pela legislação eleitoral e partidária, este movimento e a diáspora de deputados dos demais partidos de direita - notadamente do União Brasil em direção ao Partido Liberal (PL), partido ao qual se filiou recentemente o próprio Jair Bolsonaro - indicam bem mais do que uma tática eleitoral. Indicam o sentido e as características da direita a partir desta década no Brasil. Indicam a intensão de consolidar a liderança da extrema direita no interior do campo conservador.

A hegemonia política conservadora no Brasil, desde antes do golpe de 1964 já se expressava, no que diz respeito aos seus partidos políticos, pela baixa adesão ideológica e pelo multipartidarismo, ou seja, vários partidos ideológicos indiferenciados, de oligarquias regionais, de fins exclusivamente eleitorais e, portanto, sazonais[1]. Essa forma da liderança política se aprofundou a partir da Constituição Federal de 1988. As mesmas dimensões não ideológicas dos partidos, já observadas antes de 1964, se mantiveram e se aprofundaram no atual sistema democrático. De Itamar Franco para cá, a direção política efetiva da direita e dos conservadores brasileiros tem sido dividida e alternada entre governos, entre o oligopólio privado de comunicação e uma ampla rede de think tank neoliberais de alta capacidade de interferência direta nas políticas macroeconômicas majoritárias. A ação da direita brasileira, dirigida pelos seus setores mais centristas, vinha sendo, portanto, muito mais pragmática do que ideológica.

O bolsonarismo expressa uma inflexão nesta trajetória. Esta fração da direita investe fortemente no coesionamento ideológico e na polarização política. Se apresenta hipervalorizando o anticomunismo e o fundamentalismo religioso, como forma de ampliar a influência entre os trabalhadores. Também apresenta uma adesão forte às políticas neoliberais mais radicais, como forma de atrair os setores empresariais.

Essa recente movimentação política da extrema direita se diferencia da tradição da direita em dois aspectos: busca ter coesão ideológica e pretende romper a ideia de alianças amplas de direita. Quando uma deputada que compõe essa frente diz que um de seus objetivos é derrotar os “traidores”, se referindo a deputados de direita que, em algum momento, discordaram de Jair Bolsonaro, revela a intenção da extrema direita em derrotar outros setores da própria direita.

Desta forma o bolsonarismo se credencia a ser a principal força de direita no Brasil e, mesmo possivelmente derrotado nesta eleição presidencial de 2022, tende a se consolidar como a principal força do conservadorismo. Esta força se expressará tanto no campo parlamentar, uma vez que o coesionamento da bancada no partido de Bolsonaro tende a produzir um bom resultado eleitoral, quanto no campo da opinião pública, onde aposta em conquistar apoio no antipetismo com uma estratégia de combate de opinião.

Assim como nestas recentes eleições no Chile, a centro-esquerda tende a sair vitoriosa com a eleição de Lula para presidente. Mas a extrema direita também tende a sair em condições políticas suficientemente fortes para apresentar um conjunto imenso de dificuldades e obstruções ao futuro governo. Não será uma oposição meramente parlamentar, será uma oposição de luta ideológica, de mobilização de opinião pública e que tenderá a refutar acordos e buscar a inviabilização de qualquer governo democrático de centro esquerda. O desafio posto ao provável governo Lula é, desde já, entender esta profunda diferença com o período passado recente.

[1] LAMOUNIER, B. & KINZO, M. D. G. Partidos políticos, representação e processo eleitoral no Brasil, 1945-1978. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais – BIB, em Dados, Rio de Janeiro, n.19, pp.11-32, 1978.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko