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Uma federação do Psol com a Rede é um erro

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Diferenças programáticas indissolúveis: a Rede defende uma “regulação verde” do capitalismo, enquanto o Psol é um partido ecossocialista - Comunicação PSOL
O Psol não deve encarar a proposta da Rede de forma superficial, muito menos, apressada

Prudência é não querer o que não se pode ter.

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Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém.

Os prudentes aprendem com as desgraças alheias.

A prudência não evita todos os males, mas, a sua falta, atrai-os.

Sabedoria popular portuguesa

 

1. O instituto jurídico da federação é um recurso democrático extremo para preservar a legalidade de partidos que, previsivelmente, não conseguirão superar as exigências crescentes da cláusula de barreira. O significado da federação é diferente, todavia, do simples bloco político, antiga coligação proporcional: o compromisso exigido entre partidos é muito maior A bancada do Psol foi corretamente favorável à Lei nº 14.208/2021 que instituiu as federações partidárias. Não por acaso o projeto foi vetado por Bolsonaro sob o argumento de que seu conteúdo contrariava a Emenda Constitucional 97, aprovada no contexto do golpe que criou a cláusula de barreira progressiva até 2026, vetou as coligações proporcionais e restringiu o tempo de rádio e TV dos partidos. Mas este recurso não pode ser banalizado. O Psol não deve encarar a proposta da Rede Sustentabilidade de forma superficial, muito menos, apressada. A prudência é coragem temperada pela inteligência.

a) É verdade que uma federação é uma mediação democrática porque a cláusula de barreira cria um obstáculo autoritário para a existência de partidos a partir de um critério abusivo: a eleição de onze deputados federais e/ou 2% dos votos válidos para deputado federal no pleito de 2022.

b) Mas é verdade, também, que a existência de 35 partidos, em sua maioria legendas de aluguel que transformaram a política num negócio, é uma anomalia, uma distorção ou deformação alimentada pela transferência bilionária de verbas públicas.

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2. Nesse marco o Psol deverá analisar a proposta da Rede de formar uma federação com o Psol. Se considerada pela ótica de uma concessão democrática, a aceitação pelo Psol seria um gesto de solidariedade jurídica. Mas tem consequências políticas, infelizmente, incontornáveis que não podem ser minimizadas. Não somente porque temos diferenças programáticas indissolúveis, já que a Rede defende uma “regulação verde” do capitalismo, enquanto o Psol é um partido ecossocialista. Acontece que a Rede Sustentabilidade não é um partido do campo dos trabalhadores. Na “melhor” das hipóteses, uma avaliação “benigna” do carácter de classe do partido liderado por Marina Silva seria de um “agrupamento eleitoral” pequeno-burguês que abraça um projeto liberal utópico desenvolvimentista com proteção ambiental e maior justiça social.

a) Partidos não podem ser julgados pelo que pensam de si mesmos. Mas a Rede nunca se definiu sequer como um partido de inspiração socialista. Seu projeto foi estimulado por Marina Silva inspirado pelos partidos verdes que defendem uma regulação ambiental do capitalismo. É razoável debater se a Rede é um partido burguês ou pequeno-burguês, mas não é uma organização do mesmo campo de classe do Psol.

b) Além das diferenças de classe e programáticas, a localização política, no momento decisivo da situação brasileira da Rede não é compatível com o Psol, porque Marina Silva e a maioria da direção da Rede estiveram a favor do impeachment de Dilma Rousseff. Além disso Marina carrega na sua biografia o apoio a Aécio Neves no segundo turno de 2014.

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c) Mas não se trata somente de diferenças de classe, programa, ou de história, que merecem ser consideradas, mas podem não ser suficientes para um juízo final, porque a luta política deve ser feita com grandeza, ou seja, capacidade de olhar para o futuro, e não para o passado. Acontece que não existe acordo com a Rede sobre o que fazer em 2022. Nada é mais importante que derrotar Bolsonaro. Mas não há um acordo verdadeiro com a Rede sobre a tática eleitoral para as presidenciais. A Rede afirma que a maioria apoiará Lula desde o 1º turno, mas exige liberação para fazer campanha para o Ciro Gomes. Porque na verdade a Rede “explodiu” com um partido político. O problema “existencial” da Rede não é a impossibilidade de superar a barreira da cláusula de barreira. O problema é que não tem mais a mínima coesão interna. Marina Silva e Heloísa Helena têm declarado apoio a Ciro Gomes, uma posição incompatível com a do Psol.

d) É verdade que Randolfe Rodrigues, senador pelo Amapá, esteve contra o impeachment e, por isso, merece respeito. Também é verdade que cumpriu um papel positivo na CPI do Senado na investigação do desempenho do governo Bolsonaro diante da pandemia da covid-19. Por último, não é irrelevante que Randolfe tenha decidido apoiar Lula. Mas permanece um problema que tenha defendido a presença de Geraldo Alckmin na chapa ao lado de Lula, quando o Psol está, terminantemente, contra.

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3. O Psol tem o direito de se proteger. O cálculo das consequências da constituição de uma federação com a Rede Sustentabilidade não pode ser orientado somente por expectativas eleitorais para 2022, ainda que o Psol deva atuar, conscientemente, para ultrapassar a cláusula de barreira e preservar sua legalidade plena. O Psol pode e deve aceitar a integração daquela parcela da Rede que compartilha, mesmo que só parcialmente, seu projeto estratégico, como uma corrente interna. Mas uma aliança formalizada pelo mecanismo da federação gera problemas importantes para o Psol, porque, ainda que amplamente majoritário, não é irrelevante que a entrada da Rede de conjunto, com Marina Silva preservando sua independência, introduz uma deformação no seu processo interno de construção política. O Psol é um partido socialista de esquerda, com um programa anticapitalista, em que convivem diferentes correntes e um equilíbrio de forças instável. Admitir esta condição não diminui o Psol. Mas reconhecê-la exige prudência, tanto mais porque é inaceitável admitir que a Rede poderá ter sozinha um peso em instâncias de decisão equivalente a 30%. O que seria, totalmente, injusto e desproporcional.

 

*Valerio Arcary é professor titular no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), militante da Resistência/Psol e autor de O Martelo da história, entre outros livros. Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo