Eleições se tornaram eventos que elegem chefes de Estado para eventos diplomáticos
O Brasil vive uma das mais graves crises econômicas de sua história. O presidente eleito pelo desejo popular no pleito deste ano terá um enorme desafio para recolocar o país em um eixo de crescimento sustentável, para além da solução emergencial de combate à fome e a geração de emprego e renda.
Em 2002, após a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre o candidato do PSDB, José Serra, havia o temor de um caos financeiro, que se concretizou com um período de alta da inflação e uma fuga de investimento estrangeiro, o que aumentou a valorização do dólar.
Para Juliane Furno, colunista do Brasil de Fato, e Economista Chefe do IREE (Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa), há um lado positivo e outro negativo se comparados os dois períodos: “O lado bom é que esse é um Brasil com muito menos problema de recessão externa que existia em 2002, 2003. O Brasil ainda tinha dívida externa quando o governo Lula assumiu em 2003, portanto, tinha um cenário internacional que constrangia muito mais, “a condução da política econômica”, aponta.
“Por outro lado, a gente tinha muito menos amarras internas, a gente tinha um BNDES que, por exemplo, não tinha uma política tão criminalizada de gasto público, de fortalecimento das empresas do Brasil e você não tinha um Banco Central, em grande medida, autônomo do Poder Executivo que, portanto, hoje vai precisar de uma mediação muito mais tênue entre o que é apoiar os interesses e o projeto da política fiscal e o que é a política monetária, que podem, ao serem descasados, comprometer um pouco o projeto de longo prazo”, explica Furno.
Convidada desta semana no BDF Entrevista, Furno integra a equipe econômica que vai delinear o plano de governo de Lula para a eleição deste ano. A economista aponta que, dentre os maiores desafios do ex-presidente e sua equipe, está a necessidade de rever o teto de gastos, mecanismo que foi implementado durante o governo de Michel Temer, e que restringiu gastos e investimentos da máquina pública.
“Se o teto de gastos não for flexibilizado ou rechaçado no próximo período, os nossos sonhos nas urnas, o que for o nosso desejo na campanha, de redução do déficit habitacional, de ampliação das políticas de transferência de renda, de ampliação e reajuste das bolsas dos pesquisadores nas universidades, simplesmente não pode ser feito a despeito da vontade popular, a despeito da sociedade ter eleito um presidente que carrega esse programa”.
“Porque hoje, o quanto se pode gastar e onde se pode gastar, não é mais uma determinação do chefe de Estado, mas é uma determinação que está em grande medida, constitucionalizada. Isso precisa ser derrubado porque o teto de gastos, além dele ter graves problemas de desenho, operacionalização e ser inócuo até do ponto de vista do equilíbrio fiscal, ele é um grande risco à democracia”, completa.
Furno ainda fala sobre o caos da economia brasileira, o que esperar de um futuro governo de Luiz Inácio Lula da Silva e também sobre como as sanções aplicadas à Rússia, em decorrência do conflito no Leste Europeu, podem afetar a economia brasileira.
“Há que se monitorar a possibilidade de estas sanções atingirem de forma mais intensificada, mais quem aplica do que quem recebe. Mas, o impacto mais expressivo [no Brasil] vai se dar na continuidade da desvalorização cambial, em função do fato de que nesses períodos de crise, as moedas principalmente de países que estão localizados abaixo na hierarquia internacional de moedas, como é o real, tendem a se desvalorizar ainda mais, porque são identificadas como moedas com bastante risco, pouco seguras”, completa.
Confira a entrevista na íntegra:
Brasil de Fato: Você agora integra a equipe econômica que vai formular o plano de campanha do ex-presidente Lula para as eleições deste ano. Justamente nos anos do governo Lula, entre 2002 e 2010, a economia foi vigorosa, baseada, de certa maneira, em um tripé macroeconômico com base bem sólida. Não havia nenhum grande avanço, mas fazia a lição de casa perfeitamente. Mas o Brasil que o presidente que for eleito, seja ele Lula ou qualquer outro, pegará, será bem diferente daquele que o Lula pegou em 2002, não é?
Juliane Furno: É, tem um lado bom e um lado ruim. O lado bom é que o Brasil que o Lula vai pegar - tomara que pegue - no ano de 2023, é um Brasil com muito menos problema de recessão externa que existia em 2002, 2003. Veja, a gente sofreu um ataque especulativo em função do desconforto do mercado com relação à possibilidade de o Lula ter sido eleito, tanto é que se forçou, em grande medida, que o Lula apresentasse aquela “Carta aos Brasileiros”, e o dólar explodiu naquele período, a inflação foi muito elevada.
Ainda assim, com a carta, tínhamos um dólar super alto.
E uma inflação bastante alta. Ali, nos faltavam alguns instrumentos para interferir sobre, por exemplo, o dólar ou, por exemplo, esses aspectos inflacionários vinculados à desvalorização do real, que hoje o Brasil, graças ao governo Lula e ao governo Dilma, agora dispõem, que são as nossas reservas internacionais.
O Brasil ainda tinha dívida externa quando o governo Lula assumiu em 2003, portanto, tinha um cenário internacional que constrangia muito mais, vamos repetir aqui a expressão “as margens de manobra da condução da política econômica”. Por outro lado, a gente tinha muito menos amarras internas, a gente tinha um BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] que, por exemplo, não tinha uma política tão criminalizada de gasto público, de fortalecimento das empresas do Brasil.
Um BNDES compromissado com o que é a missão de um banco nacional de desenvolvimento. Você não tinha uma política fiscal amarrada, constitucionalizada, como é a regra do teto de gastos que está na constituição brasileira. Quem não cumprir pode ser impeachmado. Quer dizer, está lá no campo também do direito penal. Em alguma medida, é criminalizado.
Você não tinha um Banco Central, em grande medida, autônomo do Poder Executivo que, portanto, hoje vai precisar de uma mediação muito mais tênue entre o que é apoiar os interesses e o projeto da política fiscal e o que é a política monetária, que podem ao serem descasados, comprometer um pouco o projeto de longo prazo. Portanto, existem vários elementos hoje, que eu diria que estreitaram a capacidade de operacionalização da política econômica.
Quer dizer, se o teto de gastos não for flexibilizado ou rechaçado no próximo período, os nossos sonhos nas urnas, da equipe econômica, de redução do déficit habitacional, ampliação das políticas de transferência de renda, de reajuste das bolsas dos pesquisadores nas universidades, simplesmente não pode ser feito a despeito da vontade popular, da sociedade ter eleito um presidente que carrega esse programa.
Porque hoje, o quanto se pode gastar e onde se pode gastar, não é mais uma determinação do chefe de Estado, mas que está em grande medida, constitucionalizada. Isso precisa ser derrubado porque o teto de gastos, além de ter graves problemas de desenho, operacionalização e ser inócuo até do ponto de vista do equilíbrio fiscal, é um grande risco à democracia.
Porque as eleições se tornaram grandes acontecimentos que elegem os chefes de Estado para eventos diplomáticos, já que eles têm pouca capacidade de operacionalizar um projeto de sociedade. Eles não têm os instrumentos. A mesma coisa é o Banco Central.
Quer dizer, é preciso que se coordene muito bem ali no campo do conselho de política monetária a meta de inflação, que não sejam somente juros, ou que o Banco Central também perceba outras coisas que estão no discurso, como o pleno emprego. Se isso não se equaliza muito bem com uma política no campo fiscal, nossa vontade fica limitada.
Eu diria que a gente vai precisar de calma, pelo menos no primeiro ano, para que essas possibilidades de política econômica voltem para a alçada do governo, de um Ministério do Planejamento, do Ministério da Economia, que possam ser coadunadas com esse cenário externo, que hoje é muito melhor do que era quando o governo Lula pegou a economia brasileira em 2003 e se possa, aí, sim, pensar - coisa que o governo Bolsonaro não pensou, mas que a nossa equipe é muito compromissada - a ideia de projeto.
A gente precisa ter plano, um projeto que envolve o curto prazo, que são uma série de políticas emergenciais, principalmente frentes de trabalho, geração de emprego, transferências monetárias diretas, que lidem com o problema emergencial. Quem tem fome, tem pressa e programas de médio prazo que, principalmente, lidem com o problema da geração de emprego, das reformas estruturais, especialmente a reforma tributária, a reforma fiscal, mas também de caráter estrutural.
Já se discutiu a revogação do teto de gastos, para colocar no lugar um mecanismo que possa passar essa suposta “segurança”, que o mercado financeiro adotou. Que mecanismo seria esse, já há uma resposta para isso?
Eu entrei muito recentemente na equipe de economistas, eu não peguei esse debate. Então aqui, eu estou dando a minha opinião pessoal. Tem um conjunto de divergências e eu acho que a convergência consensual é que o teto inviabiliza a condução da política econômica, inviabiliza os próprios objetivos da retomada do equilíbrio fiscal, na medida em que o corte acentuado de gastos tem um impacto sobre a capacidade de receita ainda mais potencializado, o que diminui as chances de voltar a haver um equilíbrio sustentado das contas públicas.
Mesmo que em um período de curto prazo se eleve o déficit público, no médio, longo prazo, dependendo do tipo de gasto que é eleito pela equipe econômica, os que têm maiores multiplicadores fiscais, existe a possibilidade, a tendência de reequilíbrio das contas públicas, não a partir da dinâmica do ajuste a partir do gasto, mas a partir das receitas. Enfim, esse é o nosso consenso.
Agora, o Nelson Barbosa, que é uma pessoa que está na equipe, ele tem falado muito sobre a necessidade de substituição do teto de gastos por outra regra fiscal, que seja menos pró-cíclica, e acho que vai ser um pouco o que é possível consensuar.
Eu, individualmente, acho que não tem que ter regra fiscal, mas entendo que a nossa vontade nesse período não pode, necessariamente, preponderar, porque se a gente quer fazer política, interferir sobre a realidade concreta, sobre um período de governo Bolsonaro e avanço das forças de mercado, é muito necessário ter capacidade de diálogo, de mediação política e de encontrar uma fórmula em que a gente tenha capacidade de governabilidade.
Então, eu acho que sim, reduzir o caráter pró cíclico da política econômica é muito importante, porque hoje a gente tem meta de resultado primário, que, em grande medida, é meta de superávit. Então, todo ano, o governo faz uma meta de quanto ele vai arrecadar mais do que ele vai gastar.
Bom, isso já precisa ser problematizado, porque em períodos de crise, o governo tem que fazer o contrário, ele tem que gastar mais do que arrecada. Então, a meta de resultado primário tem que ser modificada para envolver, eventualmente, meta de déficit primário sem que isso seja um alarde, como foi quando a Dilma quis apresentar uma meta de déficit primário no ano de 2015.
Essa meta tem que ser menos pró cíclica, ela tem que variar em torno de algumas bandas. Por exemplo, quando a economia arrecada muito, o gasto não pode subir muito também, porque depois vai haver problemas de estrangulamento. Assim, quando as receitas caem, o gasto também não pode cair.
Você tem que ter um mecanismo em que o gasto suba menos quando as receitas aumentem muito, para que ele possa aumentar mais quando as receitas caem menos, para que ele possa ter essa dimensão anticíclica e não pró cíclica. Quando está arrecadando muito e os agentes privados estão gastando, o Estado pode sim gastar menos, porque a economia está funcionando a partir do gasto privado.
Quando as receitas do estado caem, aí sim o Estado tem que gastar mais, porque se ele não gastar, nem famílias e nem empresas gastarem, se não tiver ninguém gastando na sociedade, é impossível ter uma estabilização do ciclo econômico, ou vai ser uma estabilização de caráter recessivo.
A gente precisa, por exemplo, ter flexibilidade para que alguns gastos não sejam fixados, não estejam sob o guarda-chuva do teto de gastos, que é bastante factível. Inclusive, teve isso no governo Lula, quando os investimentos no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) saíram da meta de resultado primário e agora, na minha avaliação, investimentos também precisam estar fora do teto de gastos.
A gente tem que ter meta no campo primário também de crescimento. Não só no campo da política fiscal, mas no campo da política econômica, meta de crescimento econômico. A gente tem meta de inflação, a gente tem variação da onde pode variar as bandas desejadas para a taxa de câmbio, tem meta para várias coisas, mas não tem meta para emprego, não tem meta para crescimento econômico. E isso precisa ser uma meta perseguida. A gente precisa crescer.
Brasil de Fato: Como medida para tentar encerrar o conflito entre Rússia e Ucrânia, os países do Ocidente aplicaram uma série de sanções à economia russa. Além disso, outras tantas marcas deixaram de operar em território russo. O impacto imediato na nossa economia é sobre petróleo, combustível e as importações de trigo, que afetam diretamente a questão dos alimentos?
Juliane Furno: É, acho que essa é a pergunta do momento. Veja, essa guerra vai demonstrar proporções distintas do ponto de vista do impacto de sanções econômicas. Embora essa não seja a única guerra pós ll Guerra Mundial ou Guerra Fria, essa é a única que, na medida em que não (foi ) orquestrada pelos Estados Unidos, tem um enorme poderio de sanções econômicas. Na medida em que as guerras que os Estados Unidos fazem mundo afora, não sofrem o tipo de embargo que uma guerra russa sofre.
E, diferentemente do período pregresso, em que havia um mundo com muito mais fragmentação no sistema financeiro, uma menor inclusão dos países, uma menor integração produtiva e financeira, desde a década de 1990, o fim das experiências de socialismo real, a globalização produtiva, hoje a gente vive num sistema capitalista muito mais integrado. Há que se monitorar a possibilidade de estas sanções atingirem de forma mais intensificada quem aplica do que quem recebe.
Veja, a Rússia incluso, a China, que hoje não está muito claro que papel vai adotar nesse cenário bélico, são grandes detentores de títulos da dívida pública dos EUA, portanto tem um poder importante de manutenção do dólar, com uma moeda de curso forçado no cenário internacional, na medida em que, desde o choque de juros de 1979, o dólar se sustenta nessa posição da confiança, drenando uma série de capitais que se localizam na dívida pública dos EUA.
É possível, inclusive, a emergência de um novo padrão monetário internacional, fruto das próprias sanções, na medida em que embargam a possibilidade de a Rússia manejar suas reservas, que estão em grande medida, colocadas nesses ativos, podem forçar um tipo de saída alternativa, uma nova moeda como uma moeda de trocas internacionais.
Assim como outras medidas como a desvalorização de ativos, que aconteceu muito mais nos bancos alemães, por exemplo, foi mais intensa do que nos bancos russos, na medida em que há uma interligação muito maior. Pode se estar vivendo um cenário de modificação mais profunda do que foi a globalização produtiva e financeira da década de 1990, em função desse rearranjo das saídas da Rússia e da sua nova integração com outros parceiros, principalmente dos países dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Pode dar um novo cenário.
O que eu acho é que são medidas que podem afetar o Brasil e que afetam o ocidente também de forma geral. Primeiro é que, também, diferentemente de outros períodos, essa guerra se processa no período em que as economias estão passando ainda por uma grave crise econômica, a despeito da maioria dos países já terem recuperado os danos da pandemia, um dano que ainda é perene e que atinge fortemente os Estados Unidos, por exemplo, é a inflação.
Uma inflação notadamente de custo, em função da desorganização das cadeias produtivas e também, em grande medida, do próprio preço do petróleo, que já estava bastante elevado e que agora teve uma explosão. Deve haver ainda mais pressão de custo, em função do embargo, principalmente do gás, que atinge mais os países europeus, mas também do preço do petróleo, que vai ser possivelmente um novo choque do petróleo. Será de dimensões, claro, muito mais brandas, mas que pode inclusive reduzir a popularidade de governos como o de Biden, forçando uma reavaliação das próprias sanções.
Tanto é que hoje o Biden dialoga com a Venezuela, tentando manter o aumento da produção de petróleo, depois de uma ação de constrangimento da comercialização do petróleo russo. Então eu acho que tem vários elementos. A inflação certamente é um deles.
O Brasil, diferente da maioria dos outros países, não é importador líquidos de petróleo. Embora a Petrobras tenha adotado a política de paridade do preço de importação, pode modificar essa política, como tem modificado, suavizado a volatilidade do preço nas refinarias. Provavelmente o impacto principal aqui seja a redução do repasse da volatilidade do preço para as bombas de combustíveis.
Esse é um impacto para que a inflação aqui também não seja tão sentida, que já estava bastante localizada nos combustíveis, mas um outro impacto, ainda de caráter inflacionário, vai se dar, provavelmente, nas commodities. Ainda que a relação comercial não seja direta do Brasil comprando trigo da Ucrânia, ou da Rússia, a precificação desses produtos é feita em bolsa de valores, portanto, mesmo que a gente compre da Argentina, vai passar a importar por um preço mais elevado em função da dinâmica de precificação que se dá em bolsa.
Mas, o impacto mais expressivo vai se dar na continuidade da desvalorização cambial, em função do fato de que nesses períodos de crise, as moedas principalmente de países que estão localizados abaixo na hierarquia internacional de moedas, como é o real, tendem a se desvalorizar ainda mais, porque são identificadas como moedas com bastante risco, pouco seguras. Então, o capital vai para os ativos mais seguros, principalmente em dólares na dívida pública americana, desvalorizando a nossa moeda, pressionando a inflação de custo.
Eu conversei na última semana com o professor Reginaldo Nasser, sobre a possibilidade de termos um mundo multipolar com os Estados Unidos e os países aliados do Ocidente de um lado, e do outro, a China e a Rússia, que estabeleceriam uma aliança mais contundente, talvez no pós guerra. Você acredita que a gente pode entrar nessa nova fase desse capitalismo global?
Eu acredito e torço, na verdade, por esse cenário, porque é possível fazer uma correlação histórica. Os momentos em que o mundo foi mais multipolar foram momentos em que as economias periféricas, especialmente o Brasil, puderam dispor de uma maior margem de manobra, maior capacidade de respiro para adoção de políticas econômicas mais autônomas e soberanas.
Se a gente for olhar, por exemplo, o que foi o século 18, 19, foram períodos de plena hegemonia inglesa. Vigorou aqui uma política econômica completamente livre cambista, de negação completa da capacidade de industrialização, em que reinava uma hegemonia completa inglesa e o Brasil se submete, via dívida externa e outros elementos, em que quase não existia o elemento da política econômica, muito menos de caráter nacional.
Vai ser justamente entre a l Guerra Mundial e a década de 1970, o período em que não só o Brasil, mas várias economias latino-americanas puderam dar saltos efetivos na sua industrialização nacional, dispor de margem de manobra mais efetiva da política econômica.
Tanto é que a gente cria nesse período a Petrobras, nos anos 1950, uma empresa estatal de petróleo, num período em que ainda não existia esse movimento de empresas nacionais de petróleo. Veja, a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) é dos anos 1960, o Brasil foi vanguarda nesse sentido, só existia a YPF na Argentina e a Pemex no México.
Então, dá para dizer que esse interregno do capitalismo, em que existiu por um lado uma l Guerra Mundial, na sequência uma grave crise do capitalismo também, que passa a vigorar uma disputa para ver qual país iria ocupar o centro da hegemonia política econômica, posteriormente, a ll Guerra Mundial, em que os Estados Unidos saem como a principal potência militar e econômica.
Mas, em seguida, como uma contradição paradoxal do próprio plano Marshall, que era uma aposta dos Estados Unidos para conter o comunismo, contribuindo para a reestruturação das economias da Europa Ocidental e do Japão, também foi um tiro no próprio pé, porque menos de 10 anos depois do plano Marshall, as grandes empresas japonesas e alemãs se reergueram tanto que passaram a ser as grandes competidoras dos Estados Unidos. Isso reduziu, fez perder a hegemonia produtiva dos Estados Unidos, que só foi recuperada com o golpe dos juros em 1979.
E a partir dali, com o findar das experiências de socialismo real e a globalização produtiva, a desregulamentação financeira, a gente passa a viver um mundo de caráter muito mais unipolar, em que os Estados Unidos têm hoje a predominância de hegemonia no campo imperialista e várias experiências de caráter mais nacional são bastante sufocadas. Como é a própria experiência venezuelana, como são as novas modalidades de guerra que inibem qualquer tentativa de afirmação da soberania nacional.
No Brasil, a gente vive um caos econômico, obviamente exacerbado pela pandemia, dos mais graves da história. Apesar de os números recentes mostrarem uma certa estabilização dos indicadores, eles ainda são assustadores. A inflação é de 10%, os juros estão em 10,75% no último levantamento. Qual é o cenário que a gente está vivendo agora?
Ele é muito dramático, porque o agregado do PIB que acabou de sair, indica que o Brasil cresceu 4,6% no ano de 2021. Fora o quarto trimestre de 2021, que teve um crescimento na margem de 0,5%, o único trimestre em que houve crescimento foi o primeiro trimestre de 2021. Teve um crescimento, se não me engano, de 1,5%.
O segundo e o terceiro trimestre foram de crescimento negativo, não teve crescimento e o quarto trimestre teve um crescimento de 0,5, ou seja, somente o primeiro trimestre nos logrou de herança um carregamento estatístico de um crescimento de 4,5%. Ou seja, o que determinou esse crescimento da economia brasileira esteve no primeiro trimestre. E o que que tinha no primeiro trimestre de 2021, que é praticamente a totalidade do resultado, que a economia podia ter ficado parada o resto do ano inteiro, que a gente cresceria 4,5%? O que tinha nesse primeiro trimestre?
Primeiro, resquícios ainda, bastante rescaldo do que foram as várias políticas anticíclicas operadas no ano de 2020, principalmente o Auxílio Emergencial, que foi a principal política e é bom afirmar, que partiu do Congresso Nacional e não do Executivo, que queria uma política bastante irrisória, de R$ 200, com um escopo bastante reduzido de beneficiários. E havia ainda uma política monetária bastante expansionista, com uma taxa de juros de 2% ao ano e uma inflação que estava acelerada, mas ainda localizada em alguns núcleos inflacionários, especialmente nos alimentos.
A partir de março de 2021 é que a gente começa a viver uma inflexão mais dramática que, aí sim, vai dar um pouco a tônica do que foi a crise econômica e também sanitária, que se processou de forma mais intensiva no ano de 2021, já que no ano de 2020, vários elementos, principalmente o cessar das regras fiscais, o teto de gastos, políticas de aumento do gasto público fizeram com que os impactos mais expressivos pudessem ser dirimidos pela ação do Estado.
No ano de 2021, é como se a gente tivesse voltado ao normal, com todas as nossas regras fiscais, sem que a pandemia tivesse diminuido. Pelo contrário, foi também o ano com o maior número de mortes. O que acontece a partir de março de 2021? A taxa de juros começa a se elevar e, concomitantemente à inflação, passa não só a ficar mais localizada naquele núcleo, mas também a se espalhar pela economia brasileira. E hoje se generalizou e atinge até o setor de serviços que vivia um período de deflação no ano de 2020.
É um período em que a autoridade monetária age na contramão do crescimento econômico, aplicando uma política de aumento sistemático da taxa de juros, na contramão da ampliação do crédito para o consumo, da ampliação das condições de estímulo ao investimento produtivo, fundamental para a geração de emprego, em que a inflação corrói o poder de compra, principalmente dos mais pobres, drenando uma poupança dos trabalhadores para o capital.
E que outros indicadores também vão caracterizando um novo normal na economia brasileira, que vão também aprofundando a característica da crise brasileira, que é uma crise de demanda, de falta de renda, falta de trabalho, portanto, falta de consumo, que vai dificultando a realização da dinâmica do mercado interno da economia, em que o gasto de um é a receita do outro é a taxa de desemprego, que tem se reduzido no Brasil, mas às custas da formação de um novo normal no mercado de trabalho, que é o aumento expressivo de trabalhadores por conta própria.
A renda média e o rendimento bruto total vêm caindo sistematicamente no Brasil. Hoje, a renda média do brasileiro tá menor do que era em 2012. Esse é o único dado da série histórica da Pnad Contínua, que começa em 2012, portanto, talvez fosse menor ainda, mas a gente não tem capacidade de comparação, porque a pesquisa começa em 2012.
Edição: Rodrigo Durão Coelho