O Brasil é um país que possui um histórico de problemas causados pela inflação elevada. A situação mais marcante aconteceu nas décadas de 1980 e 1990, quando o índice de inflação chegou a 80%, algo que foi resolvido após sete diferentes planos econômicos. Desde o começo da pandemia da covid-19, o problema retornou após um período de relativa estabilidade, não apenas no Brasil, mas também no mundo. O mercado financeiro, mais fechado, ocasionou um baixo crescimento econômico, trazendo malefícios para todo o sistema internacional a longo prazo, a exemplo do aumento das desigualdades econômicas, políticas e sociais.
Com base na análise de projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no ano de 2022, o país vivenciará uma alta na taxa de crescimento econômico, porém em ritmo lento e gradual, mesmo com a abertura do mercado, o aumento do número de vacinados e a queda na quantidade de infectados e da mortalidade. Além disso, um grupo de especialistas da Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais (Rede CLIMA) avaliou quais deveriam ser os efeitos de longo prazo da pandemia, concluindo que os impactos econômicos poderão se estender até o ano de 2045.
Em setembro de 2021, a inflação na Alemanha chegou a 4,1%, o maior número desde 1997. A República Tcheca também está com um desarranjo inflacionário que ultrapassa um ponto da faixa de tolerância do Banco Nacional Tcheco. Embora não haja uma desvalorização da moeda nos países europeus, há um desequilíbrio da oferta e da demanda. Já em novembro de 2021, Estados Unidos e China também divulgaram dados que mostram que a inflação está acima da expectativa dos analistas.
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Coordenação do Estado em tempos de crise
A análise da conjuntura nacional a partir da compreensão do cenário internacional, mais complexo do que normalmente costuma ser, demonstra a dificuldade de coordenação do Estado em tempos de crise e o aprofundamento de problemáticas já existentes.
O ano de 2021 pode ser resumido em três palavras: caos, falácia e antipatia, que fazem referência ao número de mortes pela doença, à falta de altruísmo da Presidência da República do Brasil ao lidar com as necessidades e com o luto da população, ao negacionismo científico, à propagação de notícias falsas e de teorias conspiratórias, além do valor da cesta de produtos e serviços em todo o país, combinado com o desemprego, recuo da renda média dos cidadãos e o fim do auxílio emergencial.
Em momentos de crise, as adversidades se aprofundam, ou seja, a questão da desigualdade social, algo estrutural do Brasil, combinada com o aumento mundial dos preços dos alimentos estão relacionadas à ideologia de maximização dos lucros do sistema capitalista, e ambos se fortaleceram com a pandemia.
De acordo com informações oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Preços do Consumidor Amplo (IPCA) do Brasil no mês de novembro de 2021 foi de 0,95%, enquanto o IPCA acumulado dos últimos 12 meses foi de 10,74%. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) foi de 0,84%, também no mês de novembro. Este último dado verifica a variação de custo para famílias de baixa renda que recebem de um a cinco salários mínimos, e o IPCA engloba uma parcela maior da população, por isso é causa de preocupação que as taxas do INPC se aproximem tanto do IPCA, pois a população mais vulnerável tende a gastar todos os rendimentos em itens básicos como alimentação, transporte e habitação, enquanto a população em geral possui alguns gastos supérfluos.
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Perda do poder de compra
A perda do poder de compra do consumidor brasileiro está relacionada à desvalorização da moeda nacional e da demanda mundial por commodities, o conjunto de bens mais produzidos pela economia brasileira, sendo também os produtos mais afetados pela economia política internacional — especialmente pelas taxa de câmbio e cotações internacionais.
O benefício emergencial concedido pelo governo federal com propósito de geração ou aumento da renda da população, e de maneira implícita por pretensões eleitorais, é mais um fator que amplia a procura por bens e serviços. Assim, a combinação do aumento da demanda e dos gastos públicos adicionado com a queda na oferta pela diminuição da produção industrial e pelo crescimento das exportações culminou na ampliação do índice inflacionário nacional, fazendo com que algumas frações de classes sejam mais atingidas do que outras, isto é, os assalariados e os produtores pertencentes à agricultura familiar.
Nesse contexto, vale mencionar dois acontecimentos que foram reportados pela imprensa. No final de julho de 2021, uma reportagem exibiu uma fila de pessoas para conseguir doação de ossos em Cuiabá, capital do Mato Grosso. Enquanto isso, no início do mesmo ano, o Painel de Compras do Ministério da Economia expôs o gasto excessivo de todos os órgãos pertencentes ao Executivo com leite condensado. Para a maioria, a crise sanitária impediu o acesso a itens básicos, ao passo que o bloco no poder continuou a usufruir de sua posição hierárquica concentradora.
As pessoas mais prejudicadas pela inflação no Brasil são as famílias com renda de até cinco salários mínimos. Dados de outubro de 2021 demonstram que a alta no preço dos alimentos desde o começo da pandemia foi de 21,39%, e a alta no custo de habitação foi de 15,39%. No caso das famílias mais pobres, a maior parte do salário é gasta com essas duas necessidades básicas. O rendimento dos brasileiros também vem caindo. Em um período de um ano, houve uma queda de 10,2% na renda média dos brasileiros. Os produtos alimentícios com maiores aumentos foram o arroz, o açúcar cristal e as carnes. O gás e a energia também tiveram aumentos significativos.
Os investimentos governamentais dos países durante a pandemia foram direcionados às políticas sanitária, fiscal e financeira para o controle da disseminação da doença e seus efeitos, ocorrendo tardiamente no Brasil. O gasto do governo brasileiro foi colossal para a implantação de tais políticas públicas, porém de maneira ineficiente, visto que o Brasil apresentou altas taxas de desemprego, ocupando o terceiro lugar na estatística mundial em quantidade de óbitos por covid-19 e, contraditoriamente, teve maior perda da receita do Produto Interno Bruto (PIB), superando a Argentina e a França, Estados que controlaram de forma mais eficaz a disseminação do vírus, com a diferença de 5,1% e 4,9% a mais referente aos dois países respectivamente.
Além disso, o Estado brasileiro atualmente aparece como terceiro no ranking de países com as maiores inflações, ficando atrás apenas da Turquia e da Argentina. Os Estados Unidos são os quintos nesta lista, e a inflação deste país influencia a brasileira, já que 30% dos preços são afetados pela moeda americana.
À vista disso, observa-se que os países periféricos são os que mais sofrem com os efeitos negativos da alta da inflação, devido aos fatores históricos que os colocam em uma contínua posição de país dependente e periférico e os impedem de elaborar uma política efetiva ao problema, como é o caso do Brasil, Argentina, Haiti e da maioria das nações latino-americanas. Nesse sentido, a falta de uma estrutura interna consolidada e de recursos, capaz de implementar algum tipo de resposta à crise financeira, acaba gerando problemas ainda mais profundos em outros setores.
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Poder de compra dos salários
A alta nos preços dos bens de consumo, como mencionado acima, tornou o salário do trabalhador cada vez menor, ao ponto de ser impossível as famílias se sustentarem e consequentemente o aumento da miséria. Este problema poderia ser resolvido com o auxílio de políticas públicas eficientes, porém, os governos desses países mencionados acima não oferecem nenhum tipo de assistência, ou se mostraram incompetentes para elaborar medidas significativas para frear tanto os casos e mortes de Covid-19 quanto a crise econômica.
Assim, no site da Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal) foi divulgado um comunicado à imprensa intitulado “Pandemia provoca aumento nos níveis de pobreza sem precedentes nas últimas décadas e tem um forte impacto na desigualdade e no desemprego” (2021), onde relata que nunca antes tinham presenciado índices tão altos de pobreza e extrema pobreza na região. Também é evidenciado o aumento da inflação: “[...] a pandemia desencadeia um cenário econômico, social e político complexo com baixo crescimento, aumento da pobreza e crescentes tensões sociais”.
Com base na leitura de “Inflação pós pandemia é global, mas atinge Brasil com mais força” (2021), outras regiões do globo também foram afetadas, mesmo que em menor proporção, em razão da disponibilidade de técnicas e recursos financeiros e naturais para combater tanto a pandemia como as complicações desencadeadas por ela.
Podemos citar os Estados Unidos, o Reino Unido, Turquia, Alemanha – no caso da Europa a inflação afetou principalmente os preços da energia. Entretanto, notamos que, quando se trata do aumento da inflação em países do centro, há expectativas de que o ano de 2022 verá uma baixa nos preços. Além do mais, a população desses países não enfrenta uma onda tão forte de miséria, desemprego, fome e instabilidades políticas como os periféricos.
Em síntese, tem-se vivenciado uma pandemia em um período de completa consolidação do neoliberalismo, o qual se apresenta na Divisão Internacional do Trabalho (DIT), na superexploração humana e na concentração de renda. No Brasil, se destaca também a concentração fundiária e o poder do agronegócio, ou melhor, da burguesia exportadora de commodities, na economia política nacional e internacional, que em conjunto com o Estado brasileiro formam um projeto econômico-social conservador que exclui a maior parte da população à direitos, bens e serviços básicos.
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As eleições e as tensões entre classes
É possível notar que haverá maiores tensões entre diferentes frações de classes e os seus sujeitos com a aproximação das eleições para o Executivo e, pelo mesmo motivo, o atual governo tende a tomar iniciativas que controlem a inflação e, assim, diminuam a sensação de que é preciso pagar mais para a aquisição de bens e serviços. Ademais, a recuperação econômica se relaciona com a melhora do quadro pandêmico e o retorno ao funcionamento regular de todos os setores produtivos, que já são visíveis pelo amplo número de vacinados e, também, pelo início da distribuição da terceira dose.
Por outro lado, o período eleitoral também pode influenciar na variação da taxa de câmbio pelas incertezas da conjuntura. Somado a isso, o Ipea confirma uma temporada de maiores incertezas, tanto pela propagação da nova variante do coronavírus e a negativa prospecção do cenário pós-pandêmico quanto pela variação dos preços da commodities devido à desregulação das cadeias produtivas no início de 2022 combinada com fatores climáticos, a que acrescentam-se razões políticas vinculadas ao conflito entre Rússia e Ucrânia que tendem a aumentar o valor dos combustíveis energéticos e dos fertilizantes, promovendo a continuidade do aumento do índice inflacionário na economia mundial.
Nessa conjuntura, o IPEA afirma que a propensão de crescimento do PIB brasileiro em 2022 ficará em torno de 1,1%, porcentagem menor do que tinha sido previsto pelo instituto, dado que nessa última análise foi considerado o desenvolvimento da taxa inflacionária do ano anterior (2021). No mesmo período a projeção do IPCA e do INPC era de 4,9% e 4,6% para 2022. Já em fevereiro de 2022, a mais recente revisão realizada pelo Ipea, foi estimado o aumento de ambas projeções, ficando o IPCA em 5,6% e o INPC em 5,5%.
*Giullia Xavier, Marissol Jorge, Vanessa Conceição são discentes da graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus Franca.
**Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Rodrigo Durão Coelho