Desde que iniciou a invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro, a Rússia passou a sofrer uma série de sanções unilaterais sem precedentes. Entre elas, a proibição de importação de produtos de alta tecnologia, o fechamento do espaço aéreo da União Europeia e dos Estados Unidos, e a exclusão do sistema financeiro Swift. Além disso, houveram interrupções da venda de produtos da Apple e do funcionamento de aplicativos como o Spotify no território russo. Mesmo eventos esportivos e culturais, como as Eliminatórias europeias para a Copa do Mundo, foram banidos de ocorrer no país.
As medidas, como forma de represália, já provocam um impacto real na vida dos cidadãos russos que, na prática, não decidiram iniciar a guerra.
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A historiadora Salikhova Anastasia Rivkhatovna, moradora de São Petersburgo, a segunda maior metrópole do país, comenta ao Brasil de Fato os primeiros efeitos na vida cotidiana.
"Alguns cartões de débito (dependendo do banco) não estão disponíveis para uso aqui. Até onde eu sei, muitas pessoas não podem usar ApplePay e GooglePay, alguns serviços (como Netflix, Spotify) não estão disponíveis para pagamentos mensais. Estreias mundiais são canceladas nos cinemas russos. Muitas lojas como IKEA, H&M, Nike estão fechadas. E, claro, em geral os preços de muitos produtos ficam muito mais altos", conta.
Os bancos permanecem funcionando, mas com a desvalorização de 60% do rublo já está difícil ter dinheiro em espécie. "Não está mais disponível nos caixas eletrônicos, você precisa fazer um pedido de saque e esperar até duas semanas. Também foi criada uma nova comissão para câmbio e não está permitido viajar com mais de 10 mil dólares", conta a professora Svetlana Kazakova, também residente de São Petersburgo.
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Não é a primeira vez que a Rússia vive uma situação de guerra na sua história moderna. Além de ter participado ativamente nas duas Guerras Mundiais, inclusive com a perda de 26 milhões de pessoas durante a 2a Guerra, na qual teve uma participação decisiva para derrotar o nazi-fascismo, durante o período soviético o país teve de enfrentar dezenas de tentativas de restrições.
Portanto os russos ainda têm claro na memória as dificuldades geradas por conflitos armados e disputas geopolíticas globais.
"Nos primeiros dias da invasão as pessoas sacavam dinheiro e compravam dólares e euros como loucos, havia filas intermináveis para caixas eletrônicos em todos os lugares", conta Anastasia.
Desde os primeiros dias de conflito foram organizadas manifestações contrárias à guerra em Moscou e nas maiores cidades do país. Na Rússia, os protestos devem ser previamente autorizados pelo Estado.
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"As pessoas discutem isso em todos os lugares. Muitos são pressionados por demonstrarem publicamente suas opiniões antiguerra. Outros acreditam que esta guerra é inevitável, por causa dos acontecimentos pós-2014", relata Anastasia.
A cientista política Svetlana Kazakova opina que há um conflito geracional que divide visões no cenário interno. Ao mesmo tempo que os jovens são a maioria entre os manifestantes contrários à guerra, os russos maiores de 40 anos, que nasceram no período soviético, tendem a apoiar a intervenção.
"A mídia estatal que diz que a Ucrânia está cheia de nazistas apoiados pelos EUA que planejavam atacar a Rússia. Os jovens entendem o que está acontecendo, alguns protestam, mas a maioria tem medo de perder o emprego e ser expulsa das universidades. Também o governo aprovou uma lei pela qual você pode pegar até 15 anos de prisão por espalhar 'falsificações' sobre a guerra na Ucrânia", critica Kazakova.
Embora existam diferenças, ambas relatam que uma solução pacífica e rápida para o conflito seria o melhor desfecho para russos e ucranianos.
"Honestamente, tudo que eu quero e espero é que todo esse conflito termine o mais rápido possível, quaisquer que sejam as consequências. Nada mais será o mesmo, e teremos que lidar com crises econômicas e políticas por longos e longos anos. Levará décadas para a Rússia reconstruir novamente as boas relações com a Ucrânia. Mas para mim isso não importa no momento, já que milhares de pessoas inocentes estão sofrendo e morrendo todos os dias", defende Anastasia.
Já Svetlana, que divide residência com um ucraniano natural de Donbass (região pró-Rússia), também acompanha de perto a realidade dos vizinhos.
"Tenho amigos de Kiev e do oeste da Ucrânia. Eles estão enlouquecendo de medo por sua segurança e de seus familiares. Não sei, infelizmente, como essa situação irá acabar, mas acredito que a Rússia estará na crise mais profunda desde sabe-se lá quando", conclui a professora russa.
Edição: Arturo Hartmann