Em que pese a urgência de outro modo de produção agropecuária, na perspectiva agroecológica, a situação crítica de fornecimento de fertilizantes para a agricultura no Brasil em função da guerra na Ucrânia, demonstra bem a total falta de visão estratégica e de soberania nacional do chamado agronegócio brasileiro. A título de registro, o Brasil importa cerca de 85% desse insumo agrícola, a Rússia corresponde a 23% das importações.
O agronegócio é uma das principais bases de sustentação política do governo Bolsonaro (PL). A bancada ruralista, expressão parlamentar do agronegócio, começou o governo ocupando sete ministérios. Entre eles, Onix Lorenzoni é um coringa do presidente miliciano na ocupação de ministérios, atualmente é ministro do Trabalho e Previdência. Teresa Cristina é a poderosa no Ministério da Agricultura. As pautas ruralistas têm avançado aceleradamente desde o governo golpista de Michel Temer (MDB).
Na busca pela maximização dos lucros no curto prazo, o projeto neoliberal do agronegócio não vê nenhuma necessidade de algum grau de autonomia da cadeia produtiva brasileira.
Isso é reconhecido em entrevista da ministra Teresa Cristina ao jornal Valor Econômico do dia 04 de março desse ano, quando afirma que o Brasil achava que era mais barato importar fertilizantes. Lembro dos anos 1990, o governo Fernando Henrique Cardoso afirmando que era mais barato importar conhecimento, tecnologia e mão de obra especializada do que investir nas universidades públicas.
Essa é a ideologia neoliberal, que orienta o agronegócio, e por isso, este sempre apoiou o processo em curso de desmonte e privatização da Petrobrás e de toda a cadeia de petróleo e derivados. Naturaliza e até comemora o fato de 80% dos adubos e fertilizantes usados no Brasil serem importados.
Para o agronegócio manter e ampliar importações de insumos agrícolas e agrotóxicos, muitas vezes subsidiado pelo governo, e privatizar fábricas de fertilizantes, é normal e desejável no seu liberalismo pela metade. A guerra na Ucrânia parece provocar algum questionamento a essa crença.
O liberalismo do patronato rural e agroindustrial brasileiro é pela metade porque o agronegócio sempre demanda subsídios estatais para importações e exportações de suas commodities, subsídios no crédito rural para grandes produtores, amplo investimento público em obras de infraestrutura de seus interesses, orçamento público para pesquisas que deveriam e poderiam ser financiadas pelas grandes empresas agropecuárias e agroindustriais, entre outras formas de uso de recursos públicos em seu benefício.
E são ultraliberais quando se trata de políticas públicas para a agricultura familiar e camponesa.
É a dimensão neoliberal do agronegócio que o fez aplaudir a privatização da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados/UFN3 em Três Lagoas/MS (fevereiro de 2022), vendida aos russos. O fechamento em 2020 no Paraná da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados/Fafen-PR, unidade responsável pela produção de 30% do mercado brasileiro de ureia e amônia. Também em 2020 ao arrendamento da Fafen-BA e Fafen-SE para a multinacional brasileira Unigel, mais interessada em exportar do que suprir o mercado nacional.
É um erro dizer que Bolsonaro é incapaz de governar e que as classes dominantes não possuem projeto para o Brasil por conta dessas e outras medidas, tal caracterização torna invisível o projeto neoliberal que nunca pensou em autonomia, independência e soberania nacional. Foi assim no governo Collor, nos governos FHC, nos governos tucanos em São Paulo de Alckmin, José Serra e Dória.
A face reacionária de Bolsonaro é usar a guerra na Ucrânia para defender o avanço contra as terras indígenas como forma de responder o problema da dependência externa de fertilizantes e de energia.
Em suma, as classes dominantes possuem projeto para o Brasil, só não é democrático e nem popular.
A guerra na Ucrânia expõe esse projeto do agronegócio para o Brasil, pautado pelo neoliberalismo, que provoca perda de soberania, insegurança alimentar, insustentabilidade ambiental, social e econômica. A lógica do agronegócio é e sempre foi de lucro máximo e imediato, pouco importando as pessoas, o meio ambiente e um projeto nacional.
Por sua vez, tal crise pode e deve ser usada para impulsionarmos outro modelo de agricultura, orientado pelo conhecimento e experiências agroecológicas. Para tal é preciso um programa de governo com tal objetivo estratégico e sem conciliação com o agronegócio. Mas isto é tema para outro artigo.
*Doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ) e membro do Coletivo Agrário Nacional do Partido dos Trabalhadores (PT).
Edição: Mariana Pitasse