Coluna

Por que as medidas de flexibilização da covid no Reino Unido não podem ser adotadas no Brasil

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Há grandes diferenças da realidade do Reino Unido para o Brasil que precisam ser consideradas e que não permitem uma adoção imediata das mesmas medidas - AFP
É inimaginável pensar e adotar qualquer flexibilização sem considerar essa questão sazonal no Brasil

O que pode acontecer de pior em relação ao controle da covid-19 seria o Brasil, mais uma vez, adotar uma postura de "lambe botas" das experiências do hemisfério Norte e querer importá-las de imediato para o país sem perceber as diferenças sobre cobertura vacinal e sem perceber as diferenças de sazonalidade, de estação do ano. 

Eu estou falando da postura absurda do Ministério da Saúde de querer liberar aglomerações, querer liberar o uso de máscaras, querer estimular uma ideia de que a pandemia está controlada, a partir inclusive de possíveis medidas a serem tomadas na Europa, agora a partir da primavera e do verão deles, como se essas realidades pudessem ser automaticamente transferidas para o Brasil. 

O Brasil precisa estar atento aos riscos reais de manutenção do número absurdo de mortes por covid-19 que nós ainda temos, causados pela propagação da variante ômicron que vêm matando sobretudo as pessoas sem vacinação completa.

Há três grandes diferenças da realidade do Reino Unido para o Brasil que precisam ser consideradas e que não permitem uma adoção imediata das mesmas medidas que podem ser tomadas por lá. 

Primeiro a questão sazonal. O Reino Unido passou pelo seu inverno, um inverno que foi muito grave. Todos nós assistimos, por exemplo, a interrupção  durante o inverno, das medidas de flexibilização das restrições do Reino Unido. Quem assiste os jogos de futebol do Reino Unido viu que durante este período eles tiveram que reduzir a presença de torcida, não só no Reino Unido como em toda a Europa e agora, no momento da primavera e do verão, onde reduzem o risco de infecções por doenças respiratórias, começam a analisar algumas medidas de redução das restrições de circulação, deslocamento, da aglomeração na Europa. 

E esse é uma primeira diferença. O Brasil está neste momento no verão, partindo para o outono. Iremos enfrentar o outono e o inverno, exatamente o período em que aumenta o número de infecções respiratórias, de pressão sobre o sistema de saúde pelas vias respiratórias. Sejam doenças respiratórias crônicas, pessoas que têm asma, bronquite, enfizema, cânceres pulmonares e que, durante o outono e o inverno passam a ter infecções que agudizam, aumentando a pressão sobre o sistema de saúde. Ou seja, as doenças agudas, as infecções.

Aumenta a infecção dos vários vírus de influenza, aumenta as pneumonias e também um risco real de aumento da transmissão da covid-19 durante o outono e o inverno, justamente porque o frio faz com que as pessoas estejam mais próximas, circula menos o ar, o ar frio irrita mais as mucosas nasais e respiratórias e isso aumenta a secreção. Ou seja, nós ainda vamos enfrentar o outono e o inverno que pode ser tão grave como acabou de ser o inverno no hemisfério norte. 

Por isso, é inimaginável pensar e adotar qualquer flexibilização sem considerar essa questão sazonal no Brasil. 

Segunda questão. O Brasil ainda enfrenta uma baixa cobertura vacinal em vários grupos. O país ainda tem uma cobertura abaixo do esperado de três doses dos idosos. E agora estamos discutindo a quarta dose para os idosos e pessoas imunocomprometidas. O Brasil tem uma baixíssima taxa de vacinação de duas doses para as crianças e uma baixa cobertura vacinal para a população em geral em relação às três doses. 

Ou seja, estamos muito abaixo da realidade, inclusive, de países como o próprio Reino Unido em relação à cobertura vacinal dos grupos prioritários e da população em geral. Então o Brasil não deveria estar pensando em qualquer medida de flexibilização sem garantir que a população tenha três doses e esteja protegida pela vacina. Aliás, esse discurso que a pandemia acabou pode inclusive estimular pessoas a não se vacinarem. 

E a terceira questão é a estrutura do serviço de saúde da capacidade de testagem. O Reino Unido estruturou uma grande capacidade de testagem e a maior rede de genotipagem de identificação de variantes de variantes da covid-19. Ou seja, qualquer alteração de crescimento de casos ou surgimento de variantes o Reino Unido consegue detectar isso rapidamente. E isso faz com que se possa ter mais segurança para adotar medidas de flexibilização porque pode identificar um crescimento de casos. 

O Brasil, infelizmente, em nenhum momento teve uma ampla rede de testagem e isso vem se deteriorando e se esvaziando dia a dia por conta da postura irresponsável do Ministério da Saúde. E ainda temos uma rede muito frágil, muito pequena de genotipagem. Então, se começam a ter mais casos no Brasil, o país vai demorar mais para identificar isso. Às vezes identifica pelas redes sociais, pelas pessoas falando que estão se infectando, por notícias na imprensa. Mas demora muito para identificar, notificar e informar esse aumento de casos e ainda mais a infecção de variantes.

Ou seja, é uma profunda irresponsabilidade, mas mais do que isso é um certo "viralatismo" sanitário essa tentativa do Ministério da Saúde de adotar aqui as mesmas medidas do Reino Unido. 

 

*Alexandre Padilha é médico, professor universitário e deputado federal eleito pelo PT-SP. Foi Ministro da Coordenação Política de Lula e da Saúde de Dilma e Secretário de Saúde na gestão Fernando Haddad. Leia outros textos.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Lucas Weber