Enfermeiros de todo o país irão a Brasília no próximo dia 8 de março para protestar contra a demora na aprovação do piso nacional da categoria. No final de novembro, a proposta foi aprovada por unanimidade no Senado.
O texto, no entanto, encontra maiores obstáculos na Câmara dos Deputados, onde a resistência de empresários da saúde e do governo Bolsonaro fez com que a medida fosse retirada de pauta no fim do ano para ser analisada por um grupo de trabalho (GT).
O colegiado prevê para a próxima terça-feira (22) a apresentação do parecer do relator, o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), e projeta a votação do texto para sexta (25). Enquanto isso, a categoria pressiona por celeridade na avaliação da proposta e decidiu bradar na porta da Câmara.
Segundo a presidenta da Federação Nacional dos Enfermeiros (FNE), Shirley Morales, caravanas de diversas partes do país irão pressionar para que o projeto seja aprovado com maior celeridade.
“A mobilização, que o pessoal chama de ‘esquenta’, neste momento, vai ser mais para chamar a atenção tanto da mídia como da sociedade para as pautas da enfermagem, para as condições de trabalho que estamos vivendo, para inclusive já preparar para a possibilidade de um movimento de paralisação geral”, afirma a dirigente, sinalizando que a cobrança da categoria pode subir de temperatura.
A proposta que hoje está sob análise na Casa é o Projeto de Lei (PL) 2564/2020, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES). O texto fixa um salário-base de R$ 4.750 para jornada de 30 horas semanas para os enfermeiros. No caso dos técnicos, a quantia seria 70% (R$ 3.325) desse valor e, para os auxiliares de enfermagem e parteiras, a matéria prevê 50% (R$ 2.375).
Cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontam que 85% dos técnicos, por exemplo, ganham menos que o piso fixado pelo PL. As categorias se queixam de falta de valorização pelo mercado de trabalho e destacam que, muitas vezes, a política salarial adotada pelos empregadores não chega à metade do que está sendo proposto no projeto.
No Ceará, por exemplo, o salário-base aplicado na enfermagem em 2022 é de R$ 2.668,51 para 44 horas semanais em unidades particulares de saúde, enquanto, em instituições filantrópicas, ele cai para R$ 2.125,95, considerando 36 horas de jornada semanais.
"São trabalhadores altamente sacrificados porque têm salários irrisórios, altas cargas horárias de trabalho”, registra a vice-presidenta do Sindicato dos Enfermeiros do Estado do Ceará (Senece), Telma Cordeiro.
Rotina extenuante na pandemia
Ela lembra que os profissionais da área foram ainda mais exigidos na pandemia de covid-19, quando a crise sanitária jogou as unidades de saúde em uma rotina extenuante de atendimento e lotação de pacientes: “Fomos chamados de herói, mas ninguém tem pena dos heróis”.
Como resultado da conjuntura, o cenário político viu crescer a luta da categoria em torno da criação do piso nacional. O debate sobre o tema teve início no Congresso Nacional ainda nos anos 2000, com outras propostas de lei que não obtiveram êxito até aqui.
Agora, embalados pelo contexto de piora das condições de vida e trabalho no país, os profissionais do setor organizam atos políticos que deverão chamar a atenção em alguns pontos do país no Dia Internacional da Mulher (8 de março). Além do ato nacional na capital federal, haverá paralisações ou movimentos locais de agitação pela reivindicação do piso. Acre e Ceará, por exemplo, têm paralisação confirmada.
“Essa data foi escolhida porque a maior parte dos profissionais da área é do sexo feminino, então, nossas ações serão nessa data”, explica a presidenta da FNE.
Em Fortaleza (CE), por exemplo, representantes da categoria farão uma caminhada pela avenida Beira-Mar, cartão-postal da cidade. “A gente vai tentar fazer com que isso seja colocado em votação. Está sendo difícil porque o presidente da Câmara dos Deputados é totalmente a favor dos empresários”, afirma a vice-presidenta do Senece.
Projeção equivocada
No Legislativo, o conflito que cerca a pauta foi instaurado a partir da insatisfação do governo Bolsonaro, governos locais e de empresários da saúde. Em audiência ocorrida na Câmara em dezembro, por exemplo, o Ministério da Saúde (MS) alegou que o PL geraria impacto de R$ 22,5 bilhões ao ano já desde o ano passado, se tivesse sido chancelado pelo Congresso.
Pelas projeções da gestão, o montante chegaria a R$ 24,9 bilhões até 2024. Segundo a equipe do governo, o valor seria subtraído dos cofres do Sistema Único de Saúde (SUS) por conta dos atendimentos feitos em instituições privadas sem fins lucrativos que atuam em parceria com a rede pública.
A manifestação gerou uma série de faíscas. Entidades que representam a categoria argumentaram que a mensuração do impacto deve se dar a partir do número de profissionais que estão no mercado de trabalho, e não a partir da quantidade de registros, como vinha considerando o governo.
Eles apontam que cada trabalhador pode ter até três registros ativos ao mesmo tempo, levando em conta as atividades de enfermeiro, técnico e auxiliar, mas o contigente total de profissionais desses três grupos seria de 1.147 milhão de pessoas, e não 2,5 milhões, como avaliava a gestão Bolsonaro.
Mais recentemente, o Executivo reviu as projeções e sinalizou que a repercussão orçamentária seria de R$ 8 bilhões no mercado privado e R$ 15 bilhões na esfera pública. Esta última previsão contemplaria os gastos para municípios, estados e governo federal.
Grupo de trabalho
As disputas geradas pela manifestação do ministério e de outros setores foram as responsáveis pela criação do grupo de trabalho (GT) que hoje debate o tema na Câmara. A rigor, o objetivo do grupo é levantar e consolidar informações seguras a respeito do número de profissionais que seriam beneficiados pelo PL e averiguar o impacto financeiro.
“É uma matéria que, como vem se arrastando há muitos anos, mas não se conseguiu deliberar [antes], agora a gente precisa ter uma luz e buscar os encaminhamentos adequados pra isso”, diz a coordenadora do grupo, a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), que é enfermeira de formação e defensora do PL.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o relator do projeto, o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), afirma que entregará o parecer dentro do prazo, dia 22 de fevereiro, e que tem considerado os cálculos de diferentes entidades e instituições de perfil técnico.
“Vamos fechar um número sobre qual o impacto desse piso, que é tão importante pros profissionais de enfermagem e para a saúde como um todo, porque a enfermagem é feita de pessoas. O fato de os profissionais não terem um piso adequado faz com que tenham carga horária excessiva, e isso prejudica não só a saúde deles, mas a de quem é cuidado por eles”.
O GT ouviu, até agora, representantes de diferentes segmentos, como Santas Casas e hospitais filantrópicos, Dieese, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e Conselho Federal de Enfermagem, entre outros.
Edição: Rodrigo Durão Coelho