Coluna

A mentira como modo de governar

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Jair Bolsonaro é o único presidente da história nacional que, pego na mentira mesmo as mais estapafúrdias, permanece mentindo - Alan Santos/PR
Bolsonaro mentiu a cada vez que viu acender o holofote e se aproximar o microfone

Quando, em algum momento do futuro, formos exumar o abismo de demência em que estamos jogados, teremos que, além de radiografar a alma pervertida das elites e confirmar o emporcalhamento definitivo dos militares, levar em consideração o papel crucial da mentira como ferramenta de conquista e manutenção do poder.

Governantes mentem aqui ou ali. Mas, cobrados, recuam. É a regra. Não é o caso em foco. Jair Bolsonaro é o único presidente da história nacional que, pego na mentira mesmo as mais estapafúrdias, permanece mentindo. Não por estupidez mas por método. Conscientemente ou não, ele tem um mestre nisso.

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Quando falas e atos de corte nazista pipocam no país, vale lembrar a frase atribuída a Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler – aquele que inspirou o célebre vídeo do ex-secretário de cultura, Roberto Alvim: “Uma mentira, se repetida mil vezes, torna-se uma verdade”. De algum modo, Goebbels pode ser visto como um profeta da Era das Redes, quando é possível replicar uma mentira não por mil mas milhões. Tudo fica mais fácil.

Não são mentiras como as do velho barão de Munchausen, que estava se afogando em um pântano quando ergueu a si próprio puxando-se pelos cabelos. Ou quando contou ter viajado montado em uma bala de canhão. São potocas benignas. E valem muitas risadas.

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Há mentiras que vão além do riso e valem poder. Ao longo de três décadas como deputado obscuro, Bolsonaro mentiu a cada vez que viu acender o holofote e se aproximar o microfone. Sua mentira favorita foi inocentar a ditadura de 1964 dos estupros, torturas, assassinatos e desaparecimentos. Candidato presidencial, não montou num canhão mas numa mamadeira de piroca e outras fake news para se eleger, obra em que contou com a festejada inércia do TSE. Presidente, tornou-se uma usina de balelas. Que, nesta mitomania por interesse, são reiteradas com seu caradurismo, tomando-se apenas o cuidado de veicular as lorotas em ambientes acolhedores, como o entorno de sabujos, o curralzinho do Alvorada ou as lives semanais.

Já citei aqui esta questão mas, por entender que é primordial e tendo em vista este 2022, quando vamos decidir o que fazer deste país e dos nossos destinos, volto à carga. Bolsonaro, no segundo mês do seu quarto ano de, digamos, governo, está chegando às cinco mil mentiras.

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No cômputo da agência de checagem Aos Fatos, ele mentiu ou deu declarações distorcidas em 4.899 ocasiões. Sim, trata-se de um campeão. Se mentira fosse uma commoditie daria uma força na nossa balança de pagamentos.

A afirmação mais repisada desde que assumiu é “Pessoal, estamos em um governo sem corrupção”. Foi proferida 169 vezes desde 2019. A vice-campeã é “Mas a decisão de conduzir a questão da pandemia, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal, foi para governadores e prefeitos”. Com 120 menções, continua sendo reproduzida apesar dos diversos desmentidos da corte e dos seus ministros. Como a mentira muda de casca mas o conteúdo é igual, ele abordou as duas pautas de outras e variadas maneiras.

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Há patranhas para todos os gostos. Que ele, candidato em 2018, foi vítima de um atentado cometido por um membro do PSol foi martelada em 14 ocasiões, mesmo após desmentida pelos fatos. Ou que, na Venezuela, a população comeu todos os cães e gatos, atochada 10 vezes. Sem contar a invencionice que a Amazônia está preservada, que a floresta não pega fogo, que a vacina contra a covid-19 causa Aids ou transforma a pessoa em jacaré, que não comprou vacina em 2020 porque não existia quando 30 países começaram a imunizar a população no mesmo ano, que o Brasil terminou 2020 sem desemprego etc.

Aparentemente, há uma certa fadiga com este tipo de fraude. Esperamos que sim para ver Bolsonaro – lá por novembro -- puxar os próprios cabelos tentando erguer-se do pântano em que submergirá.

*Ayrton Centeno é jornalista, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado. Documentarista da questão da terra, autor de livros, entre os quais "Os Vencedores" (Geração Editorial, 2014) e “O Pais da Suruba” (Libretos, 2017). Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo