A Acelen, empresa que comprou da Petrobras a Refinaria Landulpho Alves (Rlam), em São Francisco do Conde (BA), parou de abastecer navios que passam pelo Porto de Salvador desde que assumiu o controle da antiga planta estatal, em 1º de dezembro.
Apesar de a companhia, que pertence ao fundo de investimento árabe Mudabala Capital, produzir o óleo combustível próprio para navios, essa produção passou a ser exportada. Assim, embarcações que navegam pela Baía de Todos os Santos precisam agora abastecer em outros portos.
“Não há óleo combustível disponível no Porto de Salvador desde que a Acelen assumiu a refinaria. Um navio tem que programar a ida a outro porto para abastecer”, resumiu Carlos Augusto Muller, presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais da Marinha Mercante (Sindmar), que representa os trabalhadores de navios comerciais.
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De acordo com o Sindicato das Agências de Navegação do Estado da Bahia (Sindinave), cerca de 220 embarcações passam pelo Porto de Salvador por mês. Dessas, cerca de 40 aproveitavam a parada ali para abastecer seus tanques enquanto o combustível necessário para elas era vendido pela Petrobras e sua subsidiária Transpetro.
Esse combustível era produzido na Rlam, que passou a se chamar Refinaria de Mataripe depois que foi privatizada. De lá, seguia por dutos até o Terminal de Madre de Deus (Temadre), o maior terminal aquaviário do Nordeste. Então, era posto em barcaças que o transferiam já no mar para embarcações paradas na Baía de Todos os Santos.
A Rlam, junto com os dutos e o próprio Temadre, foi comprada pelo Mudabala Capital em março do ano passado por 1,65 bilhão de dólares, cerca de R$ 8,25 bilhões à época. Desde então, a transferência da administração de todas essas estruturas passou a ser discutida entre a Petrobras e a Acelen.
A Acelen é quem controla tudo isso atualmente. Funcionários da Petrobras, no entanto, ainda trabalham devem permanecer trabalhando na refinaria e no Temadre até o final de fevereiro de 2022, num período de transição.
Mesmo com essa integração, a Acelen declarou que não conseguiu continuar abastecendo navios como a estatal fazia. “Os ativos logísticos necessários para a comercialização do Bunker Oil [óleo combustível] ao mercado local não fizeram parte da compra da refinaria”, justificou.
A empresa informou também que “empenha todos os esforços para montar, o quanto antes, a infraestrutura necessária para a prestação do serviço, ainda no primeiro trimestre deste ano”. Ou seja, até o final de março.
Exportações a todo vapor
Quem trabalha na Rlam e no Temadre, entretanto, rebate as explicações da Acelen e diz que a falta de abastecimento de navios é consequência de uma decisão da empresa.
“Houve desabastecimento de navios porque o produto [óleo combustível] foi destinado para exportação”, afirmou Deyvid Bacelar, coordenador geral da Frente Única dos Petroleiros (FUP) e diretor do Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro-BA).
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Bacelar disse que a Acelen detém hoje um monopólio na produção e distribuição de combustíveis na Bahia, em parte do Nordeste e no norte de Minas Gerais. Segundo ele, a empresa organiza seu trabalho visando recuperar o quanto antes o investimento para compra da Rlam.
No mês passado, o Brasil de Fato mostrou que a Acelen subiu o preço de seus combustíveis mais do que a Petrobras desde que assumiu a Rlam. De 1º de dezembro até o final de janeiro, o preço da gasolina tipo A vendida pela Acelen aumentou 7,40%, por exemplo. Nesse mesmo período, a mesma gasolina pela Petrobras subiu 1,85%.
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Um trabalhador do Temadre que não quis se identificar disse que a Acelen tem feito exportações frequentes de óleo combustível. “É a primeira vez que vejo ser falado de várias cargas, todas com quantidades enormes de óleo combustível para exportação, para um mesmo comprador”, relatou.
Essa nova dinâmica foi confirmada por Muller, do Sindmar.
“A refinaria não deixou de produzir o óleo e tem ocorrido embarques desse produto em direção ao exterior. Ele só não é disponibilizado internamente.”
Questionada, a Acelen não detalhou quanto óleo combustível produz e qual a quantidade desse óleo é exportada.
Silêncio do governo
A Petrobras também foi procurada para comentar a venda da Rlam e a falta de combustíveis para navios. Foi questionada sobre os ativos que, segundo a Acelen, não foram transferidos e impossibilitam o abastecimento de embarcações, mas a empresa não respondeu sobre a questão.
A Transpetro, que administrava o Temadre e, portanto, controlava a saída de óleo combustível para barcos, informou que só prestava serviços à Petrobras. Assim, toda informação sobre a movimentação de óleo no local deve ser fornecida pela estatal.
O Sindinave enviou, ainda em dezembro, um ofício à Agência Nacional do Petróleo (ANP) alertando sobre a falta de óleo para navios na Bahia. A ANP ainda não resolveu a questão. Procurada pelo Brasil de Fato, a agência não se pronunciou.
Gonzalo Jorrín, diretor-executivo do Sindinave, disse que desconhece a previsão da Acelen de retomar os abastecimentos até março. Segundo ele, o desabastecimento é grave e precisa de uma solução rápida.
Muller, do Sindmar, afirmou que a falta de combustível para barcos na Bahia deve pressionar o preço dos produtos vendidos no estado. Isso porque os barcos que abastecem a Bahia precisam agora programar paradas extras de abastecimento em outros portos.
“No final das contas, o trigo que será usado para a farinha do pãozinho acaba tendo um custo maior por causa da falta de combustível no porto”, afirmou. “Mas a Acelen não está preocupada com isso. Quer lucro.”
Privatização contestada
A venda da Rlam por 1,65 bilhão foi contestada pela FUP. Segundo avaliações do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep), ligado à federação, a refinaria valia pelo menos o dobro disso.
O Ineep elaborou três cenários para estabelecer o valor de mercado da Rlam. Nas três situações, a venda deveria ter sido feita por 3,12 bilhões de dólares, 3,52 bilhões de dólares ou 3,92 bilhões de dólares.
Baseada nesse estudo, a FUP denunciou a privatização da Rlam ao Tribunal de Contas da União (TCU). O órgão não viu irregularidades no negócio.
A antiga Rlam é a primeira refinaria nacional, tendo sido criada em 1950, antes mesmo da fundação da Petrobras, em 1953.
A planta é capaz de produzir mais de 30 produtos diferentes, incluindo gasolina, diesel, lubrificantes e querosene de aviação. Também é produtora nacional de uma parafina usada na indústria de chocolates e chicletes.
Mais privatizações
A venda da Rlam faz parte do programa de desinvestimentos da Petrobras. Das 13 refinarias que a estatal tinha, oito foram postas à venda nesse programa. A Rlam foi a primeira cuja administração já foi transferida da estatal à iniciativa privada.
Oficialmente, a intenção do governo federal é vender as refinarias da Petrobras a outras companhias para que elas passem a concorrer com a estatal. Isso, para o governo, tende a reduzir os preços de derivados de petróleo no Brasil.
Segundo Bacelar, da FUP, o caso da Rlam demonstra que esse tipo de política de privatização não reduz preços e compromete o abastecimento de combustíveis no país.
Íntegra do posicionamento da Acelen
A Acelen esclarece que os ativos logísticos necessários para a comercialização do Bunker Oil ao mercado local, a partir do Temadre, não fizeram parte da compra da refinaria, por isso, não foram transferidos pela Petrobras à Acelen.
Importante destacar que os clientes atendidos até então pela Petrobras foram comunicados formalmente por ela que o serviço de abastecimento cessaria no dia 30 de novembro de 2021. Portanto, não há navios sem combustível na Baia de Todos os Santos.
Atualmente, parte da produção de Bunker Oil produzido na Refinaria de Mataripe é destinada à exportação. Iniciar o serviço de abastecimento Bunker Oil para clientes locais, a partir do Temadre, é uma das prioridades da Acelen neste momento.
A empresa empenha todos os esforços para montar, o quanto antes, a infraestrutura necessária para prestação doserviço, ainda no primeiro trimestre deste ano (2022).
Edição: Rodrigo Durão Coelho