Nos próximos dias, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), deverá encaminhar à Câmara Municipal um projeto de lei que pretende pagar para que moradores deixem suas casas localizadas em áreas de risco. O valor por família será calculado a partir do metro quadrado do material usado na construção do imóvel. A indenização, contudo, não poderá ultrapassar o teto de R$ 60 mil.
Segundo a professora do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Bianca Tavolari, um dos problemas da proposta é o valor da indenização. Ela o considera insuficiente para arcar com os custos de uma moradia digna na cidade, além de não ser cumulativo com outros programas habitacionais. Além disso, conforme aponta o texto da matéria, apenas as construções consideradas úteis e necessárias estariam aptas à indenização.
“As benfeitorias úteis são aquelas que num determinado bem você faz para conservá-lo ou evitar a deterioração. As necessárias são aquelas que facilitam ou aumentam o uso do bem, em que se constrói alguma coisa específica, aumenta o uso, criando um prédio, por exemplo, em uma área vazia”, explica. “Mas, falando de áreas de risco e pessoas vulneráveis, as pessoas dificilmente vão ter construído casas ou mesmo lojas, – já que elas estão abarcadas no PL também –, muito elaboradas ou com um padrão de construção muito sofisticado e sólido”.
Critério de exclusão
“Estamos falando de pessoas que ocupam áreas de risco e que constroem, na maioria das vezes, barracos. Além disso, se a gente pensar que é uma área de risco, que ela pode deslizar, ou uma área de proteção ambiental, que em tese não era para construir nada lá, então, dificilmente a gente vai conseguir ver uma benfeitoria útil ou necessária. Por um lado a gente diz ‘olha, vamos indenizar as pessoas’, mas, por outro, há essa controvérsia de que só beneficiar pelas benfeitorias úteis e necessárias talvez não se beneficie ninguém”, adverte.
Outro problema do projeto do governo Nunes, de acordo com Bianca, é a justificativa da proposta. O prefeito cita como exemplo a antiga lei municipal de regularização fundiária, revogada durante a sua própria gestão. A legislação anterior estabelecia indenização em caso de remoção para urbanização quando não fosse possível garantir o direito à moradia da família na área do objeto de intervenção. A nova lei, promulgada por Nunes, de acordo com a professora, mudou esse artigo “de maneira muito problemática”.
“Ela inclui a possibilidade de pagamento de auxílio aluguel, que é uma política temporária que paga o auxílio para você ser incorporado a um programa habitacional definitivo, mas quase de maneira permanente. Então se cria aí mais uma janela de possibilidade de precariedade. Tem aqui o problema de criar uma prática de fazer essas indenizações e políticas que, em tese seriam temporárias, se tornarem permanentes”, critica.
Mais riscos
O urbanista Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), também enxerga falhas no PL de Ricardo Nunes. Entre as possíveis consequências, ele observa que a proposta poderia levar as famílias a ocuparem áreas de risco de municípios vizinhos, como Franco da Rocha, onde aconteceram dezenas de mortes na semana passada devido às fortes chuvas no estado de São Paulo.
“Tem a possibilidade de famílias se deslocarem de uma área de risco do município de São Paulo para uma área de risco nos municípios mais pobres da região metropolitana onde, provavelmente, vai talvez encontrar uma moradia mais barata. Isso causa um problema que é você ter pessoas morando em áreas mais distantes do que elas estão morando hoje. E pode acontecer da criação de uma indústria de área de risco para receber um recurso. Ou seja, pessoas procurarem áreas de risco com o único objetivo de serem beneficiadas com esse auxílio”, analisa Nabil.
Hoje a capital paulista tem mais de 175 mil moradias localizadas em áreas de perigo. E pelo menos 11,6 mil em área de altíssimo risco, segundo dados da secretaria de Segurança Urbana. Para o urbanista, a prefeitura precisa de medidas estruturais para lidar com o contingente de pessoas que vivem nesses territórios. “Primeiro uma política fundiária para ampliar a quantidade de terras destinadas à habitação de interesse social. Em segundo lugar, um programa de produção de habitação subsidiada para a população de baixa renda. E ter um programa de resiliência urbana, ampliar as condições de segurança das moradias, seja com pequenas obras de afastamento do risco ou criando programas de alertas para que as pessoas possam se antecipar a um desastre natural. E, finalmente, ela (prefeitura) também estar preparada para receber famílias que eventualmente tenham que ser deslocadas para a gente evitar tragédias com morte de pessoas”, completa.
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