O deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL) fez ataques à vereadora Thais Ferreira (Psol), em sessão no plenário da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) no último dia 1º. Ao criticar um projeto apresentado pela parlamentar, Amorim fez menção às características físicas da vereadora, que é negra, para afirmar que ela "tem o estilo de que gosta de uma maconhazinha" e disse que a "turma do Psol é viciada em droga".
Em resposta ao ataque, a vereadora entrou com uma denúncia no Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) nesta semana. Em entrevista ao Brasil de Fato, Thais afirmou que Amorim foi eleito na onda do conservadorismo que colocou o presidente Jair Bolsonaro (PL) na presidência, em 2018, e que o deputado ganhou projeção a partir da disseminação de ódio, como quando quebrou a placa com o nome da vereadora Marielle Franco durante campanha eleitoral.
Durante a sessão de abertura da Alerj, na volta do recesso parlamentar, Amorim chamou de "excrescência" o projeto "Partiu Praia", apresentado pela vereadora, que tem por objetivo realizar ações itinerantes nas praias do Rio para educar sobre direitos e deveres dos frequentadores desses espaços ao longo do verão.
"Este projeto, é lógico, não serve para proteger atividades ilícitas, como disse o deputado, mas, ao contrário, serve para garantir que não sejam cometidas ilegalidades, especialmente no tocante aos direitos das crianças e adolescentes, que por vezes se perdem dos pais na multidão", disse a assessoria da vereadora, em comunicado.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato: Qual foi a sua primeira reação ao ouvir a manifestação do deputado Rodrigo Amorim sobre você?
Thais Ferreira: A minha reação foi de total indignação. Como é possível um deputado estadual utilizar uma sessão da Assembleia Legislativa do estado para cometer esse tipo de crime impunemente?
Ele foi racista tentando me associar ao tráfico de drogas sem nenhum elemento a não ser, como ele próprio disse, a minha aparência.
Quem é aqui do Rio de Janeiro sabe como opera esse pensamento de tentar associar pessoas negras e faveladas ao crime organizado.
A minha mãe tomou conhecimento da acusação dele e ficou morrendo de medo do que poderia acontecer comigo. Eu fiquei pensando também no que poderiam falar para meus filhos na escola deles, na segurança dos funcionários da nossa equipe.
Foram várias aflições, que nós, agora, vamos buscar resolver junto à Justiça. Essa é uma expressão da violência política que tenta nos impedir de continuar exercendo nosso mandato por meio de ódio e de ameaças.
A que você atribui esse tipo de fala?
O deputado Rodrigo Amorim, infelizmente, devemos lembrar, só ganhou alguma notoriedade e foi eleito pelo gesto monstruoso de quebrar uma placa de homenagem a Marielle Franco logo após o assassinato dela. Provavelmente, ele achou que poderia continuar fazendo isso para sempre, em busca de audiência nas redes.
Ele já atacou também a Benny [Briolly, vereadora do Psol por Niterói], a [deputada federal] Talíria Petrone, a [deputada estadual] Renata Souza e outras parlamentares negras. Acredito que ele vai continuar operando nessa lógica de cometer crimes de racismo para agradar uma base de extremistas e gerar engajamento virtual até que a justiça assuma a sua responsabilidade de puni-lo. E é isso que estamos buscando. Não vamos dar palco para ele.
Como você está agindo no âmbito do legislativo e do judiciário em relação ao que aconteceu na sessão da Alerj?
Nossa expectativa maior é de uma punição no âmbito da justiça criminal. Fomos ao Ministério Público, onde fomos bem recebidas, para entregar essa queixa. Entendemos que neste caso houve nítida ofensa à coletividade e às pessoas negras em geral, e não somente a mim.
Por isso, estamos apresentando uma peça bem fundamentada para gerar, como se diz no “juridiquês”, essa jurisprudência baseada no crime de racismo, que é um lastro de condenação que serviria inclusive para casos que possam ocorrer no futuro.
Nós sabemos as dificuldades que têm havido no Brasil para que casos de racismo sejam enquadrados como tal, e vamos utilizar os instrumentos desse mandato que obtivemos dos eleitores cariocas para brigar nessa direção.
Com relação ao âmbito do legislativo estadual, o Psol já vem protestando contra a postura criminosa do deputado Amorim há muito tempo. Já tem outros pedidos de punição dele parados lá. Vamos estudar a necessidade de protocolar mais um. Porque racismo e ameaça não estão salvaguardados pela imunidade parlamentar ou pela liberdade de expressão, como talvez ele acredite.
Com que frequência você sente e percebe esse tipo de discriminação por etnia, gênero e até por orientação político-partidária na cidade?
Essa discriminação está presente em vários momentos. Ela às vezes é explicita, como nesse caso em que um deputado se sente no direito de me desqualificar e associar ao crime organizado para ganhar curtidas nas redes, mas às vezes também é velada, como na forma de um menosprezo pelo nosso trabalho ou na forma de tentar nos compartimentar em uma espécie de recorte dos temas da cidade.
No debate da Constituinte de 1988, em um discurso memorável, Lélia Gonzalez fez um discurso que dizia que não interessava à população negra naquela circunstância nem o racismo flagrante, nem o teatro de uma democracia racial. Essa fala permanece muito atual. Nós vamos brigar para que nossa participação política seja plena e, também, efetiva.
E, também, não é nenhuma novidade que os partidos que mais contemplam a luta antirracista em nosso país sejam os mais atacados.
Faz parte da estratégia de deslegitimação dessa luta, que no fim das contas é contra o abismo geral que existe na nossa sociedade. Eles vão tentar sempre jogar suspeita sobre nós, nossos movimentos, partidos e demais organizações, como uma forma de tentar impedir que haja mudanças. Mas nós estamos atentas e preparadas para brigar pelos nossos direitos.
Edição: Mariana Pitasse