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Fla x Flu: clássico foi palco de atos de homofobia, racismo e abuso de autoridade

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Os acontecimentos do Fla-Flu do último domingo (6) são ótimos exemplos desse peso insustentável da imbecilidade humana - Reprodução / Internet
Racismo e homofobia foram utilizados pelas torcidas como forma de ganhar pontos num jogo de bingo

*Por Luiz Ferreira 

O esporte tem o poder de mudar o mundo. Essa frase de Nelson Mandela resume bem o assunto que quero colocar aqui. Nossos ginásios, estádios, arenas, piscinas, pistas e tatames foram palco para as mais diversas histórias de conquistas históricas e de derrotas impressionantes. Consagramos heróis e demonizamos vilões ao longo de não sei quantos anos.

No entanto, é preciso lembrar que ele, o esporte, também é o reflexo quase perfeito da nossa sociedade.

Na prática, é como se o cada modalidade esportiva se transformasse em uma espécie de tomografia computadorizada da nossa personalidade. A nossa paixão por um clube ou por um atleta vira uma espécie de desculpa para agir como um completo boçal quando as coisas não saem do jeito que queremos.

Os acontecimentos do Fla-Flu do último domingo (6) são ótimos exemplos desse peso insustentável da imbecilidade humana. Adoramos bater no peito que nosso time é isso ou aquilo, mas usamos todo tipo de malabarismo argumentativo para justificar as porcarias que falamos e fazemos.

Para ser breve, o primeiro clássico do Rio de Janeiro em 2022 teve cânticos homofóbicos, xingamentos racistas dirigidos ao atacante Gabigol e 'torcedor' respondendo zoação com uma arma na mão.

Tudo isso num único domingo de sol, meus amigos. E como desgraça pouca é bobagem, o presidente do Fluminense, Mário Bittencourt, me resolve aparecer num grande conhecido programa da imprensa esportiva para minimizar a denúncia de racismo e passar aquele paninho num ato abominável cometido por alguém que estava na torcida do clube que ele comanda. E isso quando há gravações comprovando o fato.

O cenário já seria trágico por si só. Mas para fechar tudo com "chave de ouro", torcedores de Flamengo e Fluminense travaram nas redes sociais um dos duelos mais desagradáveis que eu já vi na minha vida. Racismo e homofobia foram utilizados pelas duas torcidas como forma de ganhar pontos num jogo de bingo. Cada uma apontava o erro da outra numa sequência quase interminável de acusações para marcar mais pontos e fazer o rival parecer pior do que ele.

A verdade é uma só: tá todo mundo errado nessa história.

Enquanto isso, os afetados pelos xingamentos e aqueles que estiveram na mira da arma do tal "torcedor" sequer foram lembrados pelos torcedores rubro-negros e tricolores que travavam esse duelo completamente sem sentido.

Nelson Mandela disse com toda propriedade que o esporte tem o poder de mudar o mundo. Mas os últimos acontecimentos comprovam que ele também tem o poder de revelar quem somos de verdade.

Estamos cavando um buraco tão fundo que dá até vergonha falar. Aliás, esse é o sentimento. Vergonha. Dá vontade de entrar numa caverna e não sair mais por conta do malabarismo que torcedores e jornalistas estão fazendo para justificar atos de racismo, homofobia e abuso de autoridade. Somos capazes de vender a nossa mãe para fazer valer o argumento de que nosso time é melhor do que o rival.

Aliás, é curioso que tudo isso tenha acontecido dias depois de dois homens pretos terem sido brutalmente assassinados e na semana de aniversário de três anos da tragédia do Ninho do Urubu. Bom, eu não sei vocês, mas eu não acredito em coincidências.

Nossa cegueira anda tão grande que não percebemos que tudo está conectado.

Se achamos ok chamar o jogador rival de "macaco", vamos fazer vista grossa pra dois casos terríveis de assassinato recheados de um racismo descarado. Ou para a matança de transsexuais que acontece debaixo dos nossos narizes. Ou para a violência policial resumida num "torcedor" que resolve puxar a arma depois de ser provocado depois de uma derrota. Ou ainda no grupo de "torcedores" que podem ter achado "legal" cercar alguém depois de um jogo de futebol para intimidar e provocar. Ou talvez até pior.

Teve gente (se é que posso usar essa palavra) usando a tragédia do Ninho do Urubu pra ganhar like nas redes sociais e fazer piada em cima do rival. Cobrar a punição dos responsáveis que é bom...

Eu entendo perfeitamente quem deixou de gostar de futebol e arrumou outra coisa pra fazer. Está cada vez mais difícil e doloroso aguentar o peso insustentável da imbecilidade humana.

*Luiz Ferreira escreve toda semana para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.

Edição: Mariana Pitasse