Direitos Humanos

Livro “Sabores Sem Fronteiras” reúne trajetórias de vida e culinária de refugiados no Brasil

A iniciativa da Unicamp busca ampliar a visibilidade sobre o tema do refúgio e migração no país

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Livro “Sabores Sem Fronteiras” reúne 35 receitas de refugiados de 12 nacionalidades - Divulgação
O livro é um prato cheio para mergulhar na gastronomia de outros países

Com intuito de ampliar a visibilidade da temática de refúgio e promover intercâmbio entre culturas, memórias, aromas e sabores é que surgiu o livro “Sabores Sem Fronteiras”, que reúne receitas e minibiografias de refugiados no Brasil.

Segundo a autora Ana Carolina Moura Delfim Maciel, “há uma invisibilidade em relação à verdadeira dimensão desta crise humanitária dos refugiados". 

"Enquanto estamos aqui [na entrevista] as pessoas continuam tentando atravessar fronteiras mortais. Situação em que sucumbem crianças, adultos, idosos. É uma situação insustentável ”, explica Maciel, que também é historiadora, documentarista e presidente da Cátedra Sérgio Vieira de Mello da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


As receitas foram selecionadas por uma comissão julgadora a partir de um total de 88 inscrições e com a participação externa da chef argentina Paola Carosella. / Divulgação

A Cátedra Sérgio Vieira de Mello da Unicamp, iniciativa da Agência da ONU Refugiados e a Unicamp, que é uma das 30 signatárias do acordo de promoção de políticas de inclusão de alunos em condição de refúgio na universidade. 

"Essas trajetórias são fundamentais para entender que fomos criados a partir de imigrantes e que é importante que esse acolhimento promova dignidade para realmente termos uma sociedade melhor e mais justa. Mostrar isso a partir de receitas é algo que deixa toda essa situação mais humana, mostrar que essas pessoas têm famílias, amigos e histórias com uma riqueza de vida absolutamente fundamental.", ressalta o coautor do livro e ex-reitor da Unicamp, Marcelo Knobel.

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O livro é um prato cheio para mergulhar na gastronomia de outros países. Ao todo são 35 receitas de 12 nacionalidades e suas autobiografias como: Venezuela, Síria, Guiana, Colômbia, Haiti, Egito, Peru, Cuba, Benin,  Angola, República Democrática do Congo e Filipinas.

Uma das receitas e histórias é da venezuelana Yilmary de Perdomo. Ela migrou há seis anos para o Brasil por questões de segurança em seu país de origem.

A crise econômica, aprofundada pelo embargo imposto pelos Estados Unidos desde 2015 ao país vizinho, assim como o declínio do mercado petroleiro, estão entre os principais fatores que levaram à precarização da vida da população venezuelana.

O boom dos pedidos de refúgio ao Brasil aconteceu em 2018, quando o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) avaliou que havia uma situação “grave e generalizada de violação de direitos humanos” na Venezuela, facilitando a entrada e documentação dos imigrantes.

Por conta da dificuldade de encontrar um trabalho, Perdomo viu na gastronomia uma oportunidade de obter renda. Após encomendas, fez cursos e abriu o seu próprio negócio unindo comida e cultura.

“É muito importante a receita da 'cachapa', porque ela permite que as pessoas conheçam a minha cultura. Cozinhar a ‘cachapa’ me faz lembrar muito da minha casa, mas também me lembra da abertura e da oportunidade de relacionar com a cultura brasileira. E as pessoas gostam porque tem uma semelhança, é de milho e muitos pratos daqui são também. E isso eu acho ajudou a evoluir no meu negócio”, diz a imigrante. 

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A receita mencionada por Yilmary é a cachapa, uma espécie de panqueca típica da Venezuela. As receitas selecionadas para o livro ocorreram via edital e foram recebidas quase 90 submissões, ressalta a autora do livro. 

“Nós contamos com um comitê que avaliou essas receitas internamente e após a seleção prévia contamos com a assessoria da chefe de cozinha Paola Carosella e com a parceria com a Universidade São Judas Tadeu e o financiamento do Ministério Público do Trabalho.”, ressalta a autora. 

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O tema do refúgio ocupou as principais manchetes na última semana por conta do assassinato do congolês Moïse Kabagambe no Rio de Janeiro. Segundo dados divulgados pelo Conare na 6ª edição do relatório “Refúgio em Números”, ao final de 2020 havia mais de 57 mil pessoas refugiadas reconhecidas pelo Brasil.


Uma das receitas e histórias é da imigrante Yilmary de Perdomo; Na foto ela mostra um prato de cachapa, uma espécie de panqueca típica da Venezuela. / Arquivo Pessoal

A venezuelana diz que tenta ensinar os filhos a driblar o preconceito, mas que percebe que a discriminação ocorre até mesmo entre os próprios brasileiros, com pessoas de outras regiões, por exemplo, do Norte e Nordeste. Para ela a melhor arma é a informação e lutar pelo respeito. 

“O brasileiro apesar de ter um espírito de acolher e abraçar as pessoas que vem de outro país tem uma minoria que não gosta e que acha que viemos para tirar um posto de trabalho. Isso atrapalha muito a convivência. Eu lembro de uma vez que uma pessoa chegou e disse: porque você está aqui neste festival e não um brasileiro? Sua comida limita a venda da minha comida. E respondi que não e que estava enriquecendo o festival. Acho que todos têm oportunidade em um mesmo lugar ”, explica a empreendedora.  

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O Brasil possui refugiados de 77 nacionalidades, a nacionalidade com maior número de pessoas refugiadas reconhecidas, entre 2011 e 2020, é a venezuelana (46.412), seguida dos sírios (3.594) e congoleses (1.050).

“O processo de refúgio é extremamente traumático, muitas vezes a pessoa tem que deixar toda a sua história para trás, familiares e bens. Mas ela também tem uma história de superação e uma grande coragem nesse ato de deslocamento. Temos a dimensão do trauma e outra de rompimento, mas nós temos também uma pessoa que se insere e que reconstrói a sua vida e o livro traz essa dimensão.”, diz a historiadora.


Ana Carolina Moura, presidente da Cátedra Sérgio Vieira de Mello e Renne Ross Londja, autora de uma receita do livro. / Divulgação

Entre as receitas estão a “Sopa da Liberdade” (Haiti), Arepa (popular na Venezuela e Colômbia), Mufete (prato típico da região de Luanda, Angola), Ceviche (uma das estrelas da culinária peruana), Fatteh (comum em países como Líbano, Síria e Egito). 

O livro publicado pela editora Senac e está sendo doado para instituições, porém ainda não será comercializado. O lançamento está previsto para ocorrer no primeiro semestre.

Um dos desdobramentos em andamento, é a produção de um documentário com entrevistas de refugiados e imigrantes e a execução dos pratos, fruto da parceria da Cátedra da Unicamp com a Universidade São Judas Tadeu. O lançamento está previsto para 20 de junho, Dia Mundial do Refugiado. 

 

Edição: Douglas Matos