Rio de Janeiro

SEGURANÇA PÚBLICA

Mais de meio ano após lei, governador do RJ não instalou câmeras em uniformes de policiais

Pesquisador da UFF afirma que Cláudio Castro faz palanque em ano eleitoral com ações na área sem redução de letalidade

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Em SP, nos primeiros dois meses de uso das câmeras, houve apenas uma morte em ações policiais dos batalhões que participam do projeto - Foto: Divulgação Governo do Estado de São Paulo

Os deputados estaduais do Rio de Janeiro aprovaram em julho do ano passado uma lei para garantir que policiais civis e militares passem a utilizar câmeras em seus uniformes com o objetivo de reduzir o número de mortes em operações e abordagens. A lei foi sancionada logo em seguida pelo governador Cláudio Castro (PL), mas até hoje ela segue valendo apenas no papel.

Leia mais: Lei que obriga o uso de microcâmeras em uniformes de policiais é sancionada

Em números absolutos, quando não se considera a proporção em relação à população, o Rio de Janeiro é o estado brasileiro onde a polícia mais mata. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram 1.245 pessoas mortes por policiais em serviço e fora de serviço. Em 2019, foram 1.814 mortes envolvendo agentes de segurança pública. 

Para efeito de comparação, o estado de São Paulo registrou, nos últimos sete meses do ano passado, queda de 85% na letalidade policial em batalhões que instalaram câmeras "grava tudo" nos uniformes de agentes da Polícia Militar. De junho a dezembro de 2020, foram 110 mortes em supostos confrontos. Em 2021, já com as câmeras, foram 17 mortes no mesmo período, segundo dados obtidos pelo jornal "Folha de S.Paulo".

Em dezembro do ano passado, o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), anunciou seis meses depois de a lei ter sido aprovada que realizou a compra de 21,5 mil câmeras operacionais portáteis. Algumas chegaram a ser instaladas de forma experimental durante o policiamento da PM durante o réveillon carioca, mas não houve ampliação efetiva na norma.

Autor da lei das câmeras, o deputado Carlos Minc (PSB) criticou a demora e disse que uma das tarefas da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) na volta do recesso, que ocorreu esta semana, é cobrar Castro sobre a concretização das regras sancionadas em julho. Em entrevista ao Brasil de Fato, Minc lembrou que a lei foi aprovada dias depois da chacina do Jacarezinho.

"Minha lei é de 2015, mas só foi aprovada seis anos depois. E também dias depois da chacina do Jacarezinho, que muito possivelmente teria sido evitada se a lei estivesse em vigor naquele momento", afirma o parlamentar, que sofreu resistência dentro da Alerj, mas que foi convencendo representantes militares em audiências públicas.

"A boa operação é a que mata menos e apreende mais armas, mas é também aquela em que não ocorrem mortes de policiais. Além disso, a câmera é aliada do bom policial, porque ocorre de muitas vezes o criminoso preso fazer acusações. O comandante, com isso, pode verificar as imagens e melhorar ou reorientar as operações de seus comandados. Por outro lado, às vésperas da eleição e com a aproximação de Castro dos bolsonaristas, vejo pressão para adiar a medida", diz Minc.

Ano eleitoral

Para Lenin dos Santos Pires, professor do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF), a resistência à concretização da lei no estado ocorre por pressão de bancadas de partidos como PSL, PP e Novo, na Alerj, mas também naturalmente de um governo eleito em 2018 com uma plataforma de morte a partir da conhecida frase do governador Wilson Witzel (PSC) de "mirar na cabecinha".

"Cláudio Castro, vice na chapa vencedora da eleição, nunca quis se diferenciar de Witzel. Prova disso é que ele manteve a desintegração da Secretaria Estadual de Segurança Pública e a divisão nessas secretarias de Polícia Civil e Polícia Militar que atuam no varejo, com orçamentos próprios e lógicas próprias, dissociadas de atividades pretensamente investigativas e ostensivas", explica Lenin, para quem a falta de integração faz com que as duas polícias entrem em competição.

Ele exemplifica o viés da política de segurança pública do governo de Castro a partir do programa Cidade Integrada, que alguns representantes já afirmaram ser a reprodução reducionista da mesma lógica das UPPs 14 anos depois. "Vemos em pleno ano eleitoral o governador criando um programa fantasia chamado Cidade Integrada no contexto de uma segurança pública deliberadamente desintegrada por ele próprio", afirma o pesquisador.

O professor da UFF disse que apesar da mobilização midiática em torno de mortes coletivas em incursões policiais em favelas, "a noção de chacina é contínua" no Rio de Janeiro em função de uma "lógica militarista" que domina a segurança pública no Brasil e, em particular, no Rio de Janeiro. Segundo ele, essa lógica "é uma deturpação da doutrina militar voltada para garantir a soberania nacional".

"Fazer operações criminosas, como foi a do Jacarezinho, 'esculachar' morador de favela é a norma pretensamente legal da polícia. Essa noção de chacina é contínua, há momentos de exacerbação, mas todo dia a polícia mata alguém, todo dia alguém desaparece, seja do ponto de vista formal, a partir de operações definidas no âmbito de orientações do Estado Maior, seja de maneira autônoma por uma ou outra unidade", argumenta ele.

Respostas

Na última quinta-feira (4), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que o governo estadual do Rio de Janeiro apresente em 90 dias um plano para conter a letalidade das operações policiais em comunidades e controlar as violações de direitos humanos pelas suas forças de segurança.

O julgamento foi provocado por um recurso do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e de organizações de direitos humanos em um processo no qual o ministro Edson Fachin suspendeu, em 2020, por decisão liminar, a realização de operações policiais, exceto em casos excepcionais – decisão em grande medida ignorada pela polícia fluminense.

No início da semana, o Brasil de Fato enviou mensagens por e-mail à Casa Civil e à Secretaria de Governo do Rio questionando sobre a previsão de implementação do programa em respeito à lei, mas não obteve respostas.

Edição: Mariana Pitasse