"Hoje inicia o governo do povo", afirmou Xiomara Castro ao tomar posse como a primeira presidenta da história de Honduras. A nova mandatária assumiu nesta quinta-feira (27) após 12 anos do golpe de Estado que destituiu seu esposo, Manuel Zelaya, e instaurou governos de caráter conservador, chefiados pelos partidos Liberal e Nacional.
Cerca de 30 mil pessoas compareceram ao Estádio Nacional, na capital Tegucigalpa, para receber a presidenta recém-eleita com a maior votação da história democrática do país.
Manuel Zelaya foi quem entregou a faixa presidencial à Xiomara Castro, num sinal de "retomada da democracia hondurenha".
Já no discurso de posse, Castro anunciou que irá isentar do pagamento da conta de energia elétrica cerca de 1,7 milhão de famílias que consomem menos de 150KW por mês e anunciou que entregou ao Congresso o projeto de revogação das Zonas Especiais de Desenvolvimento (ZEDES) — áreas entregues a transnacionais para turismo ou extração de minérios.
A nova mandatária promete construir o "socialismo democrático" e foi contundente ao afirmar que nos primeiros dois meses de gestão pretende revogar todas as leis aprovadas durante os últimos anos de "ditadura". Para isso, pediu apoio do Congresso para levar adiante sua proposta de consulta popular que abriria o caminho para um processo constituinte.
"Ainda não há condições para esse processo, porque ainda falta que se aglutinem mais setores sociais. Há muita divisão e muita dor. Essa clara divisão dentro do partido LIBRE mostra que ainda há pontos soltos e que a formação político-ideológica [do governo] não está acabada. A aliança que chegou ao poder também está composta por setores empresariais, conservadores e liberais. Ainda não há um projeto ideológico capaz de estabelecer as bases para uma constituinte", analisa Lucía Vijil Saybe, representante do Centro de Estudos para a Democracia (Cespad).
A cerimônia foi acompanhada por chefes de Estado latino-americanos como o panamenho Laurentino Cortizo, a vice-presidenta argentina, Cristina Fernández de Kirchner, e a vice-presidenta da República Dominicana, Raquel Peña.
Os ex-presidentes Dilma Rousseff, Evo Morales (Bolívia), Fernando Lugo (Paraguai) e José Luis Rodríguez Zapatero (Espanha) também acompanharam a posse.
A Venezuela esteve representada pelo ministro de Relações Exteriores, Félix Plasencia, o que marcou a retomada de relações diplomáticas entre os dois países.
Para o estrategista eleitoral Diego Panigo, a presidenta hondurenha tem um cenário favorável para trabalhar com a nova reconfiguração de forças com governos progressistas na região.
"Há algo muito particular, mais que esquerda, durante a pandemia todos os partidos oficialistas perderam. Não houve processo eleitoral em que o oficialismo venceu. Por outro lado, há uma sinergia do progressismo, que creio que irá arrastar o Brasil e a Colômbia", comenta.
Grato encuentro con la vicepresidenta de Argentina, @CFKargentina, a quien me unen años de amistad. Para nuestras naciones, es de gran interés trabajar en el fortalecimiento de las relaciones y lazos de hermandad. Gracias por acompañarnos en este inicio de la refundación de 🇭🇳. pic.twitter.com/CgVC05O6WE
— Xiomara Castro de Zelaya (@XiomaraCastroZ) January 27, 2022
O México esteve representado pelo chanceler Marcelo Ebrard, a Espanha pelo rei Felipe VI, e os Estados Unidos pela vice-presidenta Kamala Harris, quem também se reuniu diretamente com Castro.
Harris comprometeu-se a enviar 500 mil doses de vacinas contra a covid-19 e disponibilizar US$ 1,3 milhão (cerca de R$ 6,2 milhões) para restaurar hospitais e escolas.
"A chegada da vice-presidenta dos Estados Unidos envia uma mensagem não só para Honduras, mas para a região, sabendo que vizinhos como El Salvador e Nicarágua não estão alinhados com os EUA. Num enfoque mais político creio que Honduras teria certa vantagem, e certamente necessita essa vantagem para renegociar", analisa Panigo.
Sostuve un encuentro con la @VP Kamala Harris. Abordamos temas de interés común, como la migración, la lucha contra la corrupción y el narcotráfico. Agradezco su visita al país y la disposición de los EEUU de apoyar a nuestro gobierno en asuntos prioritarios para nuestro pueblo. pic.twitter.com/yj1DBKF3kv
— Xiomara Castro de Zelaya (@XiomaraCastroZ) January 27, 2022
Gabinete
A equipe de governo será formada por 28 homens e 13 mulheres, com destaque para a chancelaria que será chefiada por Eduardo Enrique Reina, o ministério de Transparência e Combate à Corrupção que será comandado por Edmundo Orellana Mercado, e o ministério do Trabalho por Olvin Rodríguez.
Pela primeira vez uma mulher comandará o Banco Central, com a nomeação de Rebeca Santos e Rixi Moncada como ministra de Finanças. E o ex-presidente Manuel Zelaya será o novo secretário de Segurança Nacional. Já o seu filho, Hector Manuel Zelaya Castro, será secretário privado da gestão.
Racha no partido governante
Antes mesmo de assumir o cargo, Xiomara Castro já teve que lidar com a primeira crise interna. Seu partido Liberdade e Refundaçaão (LIBRE), que obteve a maior bancada parlamentar com 50 das 128 cadeiras do Congresso, rachou no momento de definir quem seria o presidente do Legislativo.
Enquanto os parlamentares próximos à Xiomara seguiram a orientação de eleger Luis Redondo, do Partido Salvador de Honduras (PSH) — aliado na chapa presidencial — um grupo de 38 deputados rachou e votou em Jorge Cálix, do partido LIBRE.
"Cair nessa crise institucional só demonstra que a reconfiguração das elites se mantém. Os poderes fáticos estão intactos, não foram modificados. Estão colocando uma série de obstáculos para que ela não possa governar. Apesar dessa crise, o que você vê nas ruas é o povo dizendo 'nós a apoiamos'", explica Lucía Vijil Saybe.
A polêmica iniciou com a discordância de setores do partido de Castro em estabelecer a aliança eleitoral entre LIBRE e PSH, anunciada meses antes das eleições de novembro de 2021, quando Salvador Nasrrallah abdicou da sua candidatura à presidência para formar uma chapa de unidade do campo progressista.
Castro denunciou o caso como uma traição, gerando um contexto de instabilidade com dois presidentes nomeados para o Legislativo. Por isso a decisão da nova chefe de Estado de não assumir o cargo diante do Congresso, mas numa cerimônia pública com a presença do poder judiciário.
Na última quarta-feira (26), Zelaya se reuniu com Cálix, que acabou renunciando ao cargo, abrindo caminho para Luis Redondo e redimindo a crise institucional. A medida fez parte de um acordo pela "refundação nacional", que ofereceu a Jorge Cálix ser coordenador do gabinete ministerial.
Mas essa não foi a única polêmica pós-eleições. Assim como no Peru, na eleição de Pedro Castillo, em Honduras os partidos tradicionais da direita acusaram fraude após perder as eleições parlamentares, buscando anular parte da votação e ampliar sua bancada.
País em crise
Após oito anos de gestão, Juan Orlando Hernández, do Partido Nacional, deixa a presidência afirmando que a história reconhecerá seu legado e desejando sorte à nova governante.
"Se as novas autoridades vão bem, o povo hondurenho estará bem", declarou na sua mensagem final.
Hernández deixa o país com uma dívida externa em torno de US$ 14,6 bilhões (cerca de R$ 82 bilhões), o que representa 59% do PIB do país. Além disso, 73% da população está em situação de pobreza e cerca de 4 milhões estão desempregados, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE).
"Recebo o país em bancarrota. O país quer saber o que fizeram com o dinheiro. Onde estão os US$ 20 milhões que receberam em empréstimos. Devemos arrancar desde a raíz a corrupção dos 12 anos de ditadura", declarou a presidenta.
Xiomara Castro disse que uma das prioridades será renegociar a dívida do país e aprovar um novo orçamento público, no qual o eixo transversal será a transparência e combate à corrupção.
"Há uma validação muito interessante, o que lhe dá muita margem para adotar medidas políticas", analisa Diego Panigo.
"Devemos ver como as distintas organizações sociais, movimentos de direitos humanos, movimentos sociais e territoriais poderemos acompanhar o governo. Não somente um acompanhamento para pleitear coisas, mas para propor, debater e acompanhar a aplicação das propostas e processos", defende Lucía Vijil Saybe.
Edição: Thales Schmidt