Enquanto isso, a frente ampla de Lula só cresce
Olá,
O bolsonarismo não perdeu somente o astrólogo Olavo de Carvalho, perdeu também a coesão. E o plano do centrão de tornar o capitão um candidato palatável esbarra na família Bolsonaro, na crise econômica e na ascensão de Lula.
.Mais um PIBinho. Mal começamos 2022 e já se fala de uma herança maldita para 2023. Não, não é sobre o segundo mandato de Bolsonaro. É sobre a crise econômica. Até o FMI já reconhece que o crescimento do PIB brasileiro em 2022 deverá ser mais próximo de zero do que de um. E, para o ano que vem, as perspectivas não são muito melhores, com o mercado reduzindo a projeção de crescimento para 1,69%. Ou seja, mesmo que ministro da Economia, Paulo Guedes, sonhe em levar o Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o desempenho econômico joga contra, assim como a política ambiental e de direitos humanos. As únicas coisas que prometem continuar crescendo são a inflação, agravada pelos efeitos da seca no sul do país, que já empurrou o IPCA para cima em janeiro, o trabalho precário e o desemprego, e o número de moradores de rua, a exemplo do que vem ocorrendo em São Paulo. É claro que esse cenário econômico tem implicações para o governo em um ano eleitoral. Por um lado, o congelamento dos ICMS sobre os combustíveis alivia, mas não resolve o problema, que tende a retornar nos próximos meses. O segundo problema é o orçamento, que, de acordo com Maria Cristina Fernandes, “é de um presidente acuado”, que corta gastos sociais — como educação, trabalho e saúde —, mas que garante sua sobrevivência com o orçamento secreto, que beneficia diretamente PP, PL e Republicanos com r$ 901 milhões. Ao mesmo tempo, Bolsonaro deu a contragosto um reajuste de 33% para os professores, o que pressiona as contas de estados e municípios, mesmo que seu plano original fosse um reajuste exclusivo para as polícias federais. Mas o que o pragmatismo eleitoral dá com uma mão, a inflação e a política de juros devem tirar com a outra. E isso se o governo não ceder a outras pressões, estourar o orçamento e entrar em choque com o mercado.
.A máfia dos tigres. A morte de Olavo de Carvalho pode ter sido o clímax dramático da última temporada do bolsonarismo, onde todas as facções que levaram o capitão ao Planalto agora se digladiam umas contra as outras ou saem de fininho na base do cada um por si. Mesmo que pura charlatanice, o discurso de Olavo sempre foi complexo demais para Jair e atraiu mais os filhos Eduardo e Flávio. Por isso, quando Olavo achou que estava no comando e entrou em rota de colisão com os militares ou com o STF, Bolsonaro não teve nenhum melindre em despachar suas indicações, como ocorreu com os nada saudosos ex-ministros da Educação Ricardo Vélez Rodriguez e Abraham Weintraub, que já há dias reclamava de ter sido abandonado pela família na disputa do governo de São Paulo, ou o último cruzado Ernesto Araújo. Aliás, Araújo e Weintraub, juntos com outro descartado, Ricardo Salles, estiveram na última live de Olavo, onde ele fez críticas à família que ajudou a eleger. Escanteados, os olavistas ainda sobrevivem no segundo e no terceiro escalões do governo. Sem a figura central do seu líder, o olavismo deve se fragmentar, com muitos pretensos sucessores, mas nenhuma unidade.
.Bolsonarismo raiz. Sem o olavismo, o mais provável é que, nos próximos anos, tenhamos um bolsonarismo depurado. Menor, mas mais coeso. Primeiro, as candidaturas de Eduardo e Carlos, além do gabinete de Flávio, vão manter os vínculos institucionais com as milícias. Ideologicamente, o olavismo já havia perdido para as igrejas fundamentalistas o papel de guia e de agitação ultraconservadora da base bolsonarista. Como se viu na conferência da Igreja Lagoinha, em Orlando (EUA), que defendeu a continuidade da luta contra a diversidade e as minorias sociais, ainda que fora do governo. A ponte com Trump e Steve Bannon será mantida por Eduardo, mesmo fora do núcleo da campanha e, obviamente, o controle da milícia digital continuará com Carluxo. A aposta é garantir a coesão do cercadinho para chegar ao segundo turno com três alvos bem claros — Lula, o STF e a vacinação —, com a reafirmação do famigerado tratamento precoce, criando problemas, inclusive, para o ministro Marcelo Queiroga. Felizmente, o Brasil de 2022 já não se parece tanto com o de quatro anos atrás. E os Bolsonaros ainda têm contas a acertar, como lembra a decisão de Alexandre Moraes ao determinar o depoimento presencial na PF. Além disso, uma parte do centrão quer tornar Bolsonaro um candidato de direita tradicional e, obviamente, está em rota de colisão com Carluxo. Mas nada garante que o centrão estará com Bolsonaro em caso de derrota. O plano do PL, por exemplo, seria ampliar a bancada na Câmara e torcer para a eleição de Lula, para não precisar permanecer fiel a Bolsonaro e negociar uma adesão ao novo governo. Mas, que ninguém espere um desembarque antes de outubro. Enquanto puder arrancar verbas, o centrão ficará onde está.
.Bolsonarismo nutella. O lavajatismo é outra facção que levou o bolsonarismo ao poder e que também luta pela própria sobrevivência. Obviamente, isso passa necessariamente pelo resultado eleitoral de sua principal figura pública, o ex-juiz Sérgio Moro. E é justamente aí que está seu problema. Com exceção do 1% mais rico e mais branco, a candidatura de Moro não decolou de jeito nenhum e, no máximo, conseguiu a adesão apenas de outro substrato cambaleante da onda conservadora, o MBL. Pior, nem sequer seu partido, o Podemos, confia numa recuperação nas pesquisas e já ensaia um abandono da candidatura para evitar uma debandada nas suas fileiras. Para compensar, Moro tenta uma aproximação igualmente difícil com o União Brasil. Além disso, pouco acostumado a ser vidraça, o ex-ministro de Bolsonaro tem tido dificuldades para explicar sua passagem pela consultoria Alvarez & Marsal, que recebeu no mínimo r$ 42,5 milhões de companhias investigadas pela Lava Jato e, agora, justiça poética, Moro pode ser investigado pelo MP, pelo TCU e pelo COAF. Em todo caso, o ex-juiz entrou num beco sem saída. Pode ser derrotado fragorosamente nas urnas ou, igualmente vergonhoso, retirar a candidatura para disputar um cargo menor. Da coalizão que, informalmente, gerou a instabilidade política desde 2014 e, formalmente, elegeu Bolsonaro, a incógnita que fica é: como se comportarão os militares? Como um centrão militar, ficarão enquanto houver benesses para depois negociar a coexistência com um próximo governo? Ou vão embarcar no “Plano Capitólio” sonhado pelos Bolsonaros e Steve Bannon?
.Uma mão lava a outra. Enquanto isso, a frente ampla de Lula só cresce e a estratégia de transformar uma candidatura em um movimento parece estar dando certo. Depois de pescar Alckmin e lançar a isca para Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Lula se prepara para lançar a tarrafa no PSDB, marcando encontros com tucanos históricos, como Aloysio Nunes, Marconi Perillo e FHC. E Geraldo Alckmin aproveitaria a nova aliança para derrotar duplamente seu arquirrival João Dória: o fortalecimento de Lula praticamente inviabiliza a consolidação de uma terceira via liderada por Dória e, de lambuja, o apoio de Alckmin a Fernando Haddad (PT) em São Paulo dificulta os planos eleitorais do aliado de Dória, o tucano Rodrigo Garcia. É verdade que parte da esquerda vê Alckmin com desconfiança e busca um plano B até mesmo no filho do falecido empresário e ex-vice José Alencar. Mas, ao que indica a pesquisa Quaest / Genial Investimentos, ter Alckmin como vice não altera substancialmente as intenções de voto em Lula, o que desmonta um dos argumentos dos setores resistentes ao picolé de chuchu. Ironicamente, os maiores desafios de Lula parecem estar mesmo na centro-esquerda. A almejada federação partidária patina porque envolve cálculos muito complexos, a começar pelo peso de cada um dos partidos na aliança. Há também questões como os impactos nas eleições municipais de 2024, tema que divide PT e PSB, por exemplo. E aguarda-se ainda uma definição da Rede, que tem o coração dividido entre Lula e Ciro. Por isso, PT, PSB, PCdoB e PV avaliam que o atual prazo estabelecido pelo TSE para formar a federação é impraticável e solicitaram uma prorrogação até junho. Finalmente, para os otimistas que já conseguem ver Lula vestindo a faixa presidencial em 2023, há ainda o desafio de conquistar uma maioria no legislativo e garantir um mínimo de governabilidade. Ou seja, há muito trabalho pela frente.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.Há 13 anos no topo da lista, Brasil continua sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo. Mesmo a transfobia sendo crime desde 2019, o Brasil ainda lidera esse ranking macabro. Confira os dados compilados por Ester Pinheiro no Brasil de Fato.
.Há uma onda neonazista no Brasil? Entenda o que dizem os números e especialistas no tema. No Brasil de Fato, Paulo Motoryn apresenta um dos piores legados do governo Bolsonaro.
.Quando a terra tremeu. Um trecho do livro “Arrastados – Bastidores de uma Tragédia Anunciada” de Daniela Arbex, sobre o rompimento da barragem de Brumadinho, reconstitui os últimos minutos das vítimas.
.Brasil: assim surge um “novo” clientelismo. No Outras Palavras, o economista Marcio Pochmann escreve sobre como regredimos para a República Velha baseada no tripé mandonismo, clientelismo e coronelismo.
.Os pequenos que se foram. A Piauí demonstra como o fim do Mais Médicos impactou diretamente no aumento da mortalidade infantil e deixou vagas nunca preenchidas pelos médicos brasileiros.
.Brizola foi o melhor governador de esquerda do Brasil. João Pedro Stedile, da direção do MST, presta uma homenagem a Leonel Brizola no centenário do seu nascimento.
Acompanhe também os debates políticos no Tempero da Notícia, no podcast 3 x 4 e diariamente na Central do Brasil. Você pode assinar o Ponto e os outros boletins do Brasil de Fato neste link aqui.
Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Edição: Rodrigo Durão Coelho