Eleições 2022

Briga entre conservadores e centrão atrapalha montagem de palanques para Bolsonaro nos estados

Em São Paulo, candidato ao governo apoiado pelo presidente divide palanque com Abraham Weintraub e Rodrigo Garcia

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Bolsonaro (PL) acompanhado do Ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, seu candidato ao governo de São Paulo - Alan Santos/PR

O presidente Jair Bolsonaro (PL) já confirmou o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, como seu pré-candidato ao governo do estado de São Paulo nas eleições deste ano. Durante uma de suas transmissões ao vivo semanais nas redes sociais, o capitão reformado afirmou que, se eleito, o atual ministro fará no estado um trabalho semelhante ao seu na Presidência da República. 

"O Tarcísio pode sim ser uma esperança para São Paulo. Pode ter certeza: ele ganhando as eleições, por ventura, vai fazer um trabalho semelhante ao meu, a começar pela escolha do seu secretariado, que tem que ser tecnicamente escolhido", disse Bolsonaro. O apoio ao ministro da Infraestrutura foi uma das imposições colocadas a Bolsonaro para a garantia de sua filiação ao Partido Liberal (PL), em novembro do ano passado. 

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O empenho presidencial, no entanto, esbarra na articulação que vem sendo construída para viabilizar a candidatura de Abraham Weintraub no estado paulista, o que abre brechas para o enfraquecimento de nomes ligados ao bolsonarismo. O ex-ministro da Educação voltou ao Brasil na última sexta-feira (14), junto de seu irmão, Arthur Weintraub, ex-assessor na Presidência, para rodar o estado e conceder entrevistas, em movimento de pré-campanha. 

Além de enfrentar Weintraub, Tarcísio de Freitas precisará dividir o palanque com o vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), para quem o presidente do Progressistas (que também compõe a base de apoio do governo no Congresso) no estado, Guilherme Mussi, já manifestou apoio. O nome do tucano foi lançado pelo atual governador João Doria (PSDB), pré-candidato à Presidência e ferrenho opositor de Bolsonaro.

Weintraub aposta no caminho antissistema

O ex-ministro e o presidente nunca romperam ou trocaram farpas publicamente. Mas, desde que deixou o governo, em junho de 2020, Weintraub tem se posicionado de maneira contumaz contra o centrão, que desde o segundo semestre de 2019 é a base que sustenta Bolsonaro no Congresso Nacional, em troca de cargos no Executivo.

No ano passado, Weintraub afirmou que a linha de pensamento do centrão, cujos partidos são apontados como o caminho de filiação de Tarcísio de Freitas, é diferente da sua. “A linha de pensamento deles não é igual a minha e de meu irmão, porque nós somos conservadores, antissistema. Não queremos ficar batendo papo furado com quem tem ligação com esquema de corrupção ou com quem prega o absurdo", disse o ex-ministro em entrevista à revista Oeste. 

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Na última segunda-feira (17), Weintraub criticou, ao lado do ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, a aproximação entre o governo federal e o centrão, durante uma live do programa no Youtube ConservaTalk. Na ocasião, Weintraub afirmou que “uma das frentes” das quais os conservadores mais sofrem ataques “é justamente uma turma do centrão”. “Um grande obstáculo que nós conservadores estamos passando, estamos sendo atacados continuamente, e fomos substituídos por essa turma do Centrão”, afirmou. 

Em entrevista à Jovem Pan News na terça-feira (18), o ex-ministro também falou sobre a divergência entre o centrão e os conservadores. "Eu torço para que o presidente Bolsonaro seja reeleito, mas eu entendo que, na atual aliança política dele, o meu nome gera um constrangimento. Hoje em dia eu acho que eu e o pessoal que tem uma pegada conservadora gera um constrangimento, um problema nessa estratégia com o centrão. E eu não quero atrapalhar." Ele também reforçou que não é alinhado nem gosta do Centrão. 

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Em meio às críticas, principalmente depois que entrou para o PL, Bolsonaro tenta reagir. Em recente entrevista, disse: “Eu, para conseguir disputar a eleição, tenho que ter um partido. Poxa, vocês votaram num cara que foi do centrão. Eu fui do PP por muito tempo. Fui do PTB, fui do então PFL. Agora, não quer dizer que todo mundo que está lá sejam pessoas que merecem ser rejeitadas pela sociedade. Tira o pessoal do ‘centro’, porque ‘centrão’ é um nome pejorativo, e procura o outro lado, é o quê? O PSOL? O PCdoB? O PT? A Rede?”. 

Durante a campanha eleitoral de 2018 e até o primeiro semestre de seu governo, Bolsonaro e seus aliados eram críticos ferrenhos do Centrão, associando-o diretamente à corrupção. Em determinada ocasião, o atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, cantarolou: “Se gritar pega centrão, não fica um meu irmão”. Esqueceu-se, no entanto, que Bolsonaro nasceu de lá.

Bolsonarismo não se institucionalizou 

Os desencontros nos estados podem ser explicados pela forma como Jair Bolsonaro e seus aliados aspiraram aos cargos políticos a partir das eleições de 2018. Segundo o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, o bolsonarismo emergiu como uma força política aglutinadora de diversas demandas, mas sem uma estrutura institucionalizada, sem seguir as regras tácitas do jogo e sem assentar as relações políticas a fim de garantir alianças.  

Foi, na realidade, “uma força política decorrente de um momento histórico, de um sentimento contrário aos partidos políticos, como um dobramento da Lava Jato, como uma rejeição à esquerda”. Isso significa dizer que não é movimento político que se institucionalizou ao longo do tempo, como outros partidos tradicionais, como PT, MDB e PSDB, que construíram um movimento político mais amplo, com uma pauta mais clara. 

O bolsonarismo surge, nesse sentido, como a associação de figuras diferentes com pautas diferentes, como as agendas antissistema, de combate à corrupção, contra a esquerda, neoliberal e militar. “Era uma associação de figuras diferentes que ainda não tinham relacionamento entre eles. A expectativa era que o exercício do poder pudesse, de alguma maneira, organizar e dar um pouco mais de institucionalidade”, afirma Cortez. 

Entretanto, “o problema de saída é que o próprio presidente Bolsonaro não é essa figura que vai se institucionalizando. Ele rompe com o PSL rapidamente, fica um tempo sem partido, tenta organizar uma legenda, Aliança pelo Brasil, que não é minimamente exitosa”, explica o cientista político.

Soma-se a isso a ruptura com diversos nomes que representavam setores importantes para o presidente, como o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e o ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo, o general Santos Cruz. “A identidade bolsonarista ficou dividida e essa organização foi se desmanchando, acentuada pela aproximação entre Bolsonaro e o centrão", conclui.   

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A saída de representantes de determinadas pautas caras a Bolsonaro foi acompanhada, consequentemente, pelo desencanto de parcelas de eleitores em relação ao governo, como os lavajatistas e os críticos do Centrão. É nessa onda que Weintraub, no âmbito estadual, e Sergio Moro, na corrida presidencial, já estão surfando.

Sem estratégia política para o jogo eleitoral

Carolina Botelho, doutora em Ciência Política e associada ao Doxa - Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e de Opinião Pública, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também aponta para a falta de organização partidária com estratégias definidas para o jogo eleitoral. 

“A base é muito muito frágil. “Falta também uma própria gestão de estratégia política. Essas figuras não estão muito afeitos a isso. Em geral, os candidatos são escolhidos nos fóruns, seja por eleição no partido ou por discussões internas. Eles não são muito afeitos a esse tipo de processo democrático de estratégia eleitoral. É mais uma desorganização, falta de estratégia e de comportamento democrático. Eles não têm um compromisso de planejamento de médio e longo prazo”, afirma Botelho .

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Esse esfacelamento é importante para entender a situação em que Bolsonaro vive hoje, uma vez que o processo de institucionalização significa também estender alianças com outros partidos pelas esferas federativas. “Colocar prefeito para concorrer, melhorar as estratégias para o Senado, preparar governador e, aos poucos, facilitar mais acesso ao poder”, afirma Rafael Cortez.

“Um dos desafios é justamente fazer a postura dos palanques. Uma eleição presidencial costuma demandar um caráter nacionalizado e uma estruturação da campanha, e isso começa pela lógica estadual até chegar nos municípios. E esse processo é difícil, porque em alguns estados aparece uma competição entre dois nomes para representar determinada candidatura presidencial”, explica. 

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O cenário de São Paulo se repete em outros estados. No Piauí, o ex-prefeito de Teresina, Silvio Mendes (PSDB), tem apoio do PL e do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, do Progressistas. Em Pernambuco, o presidente regional do Progressistas, Eduardo da Fonte, vem acenando para a possibilidade de apoiar Lula no estado. Lá, o possível candidato de Bolsonaro ao governo é Gilson Machado, atual ministro do Turismo. 

No Rio de Janeiro, reduto eleitoral de Bolsonaro, o general Santos Cruz deve concorrer ao Senado pelo Podemos, embarcando no lavajatismo e garantindo palanque para o ex-juiz Sergio Moro no estado.

Edição: Vinícius Segalla