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Em 2022, Justiça Ambiental precisa estar nos programas dos partidos que priorizam a vida

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Em Minas Gerais, as fortes chuvas elevam o risco do rompimento de barragens com rejeitos da mineração, a exemplo do que aconteceu nas cidades de Mariana, em 2015, e de Brumadinho, em 2019 - Douglas Magno / AFP
A crise sistêmica mostra que é hora de transformação social baseada no ambientalismo popular

Este ano, de eleições à presidência e aos governos estaduais, é chave para a reinstauração da democracia no Brasil. É o momento para que as forças mais progressistas do país possam retomar o controle político, após três anos de governos dominados, de forma geral, por pautas e posturas conservadoras, do ponto de vista dos costumes, e destruidoras do aspecto social, econômico e ambiental.

Importante lembrar que a eleição de grande parte dos governadores, entre eles de Eduardo Leite (PSDB) no Rio Grande do Sul (RS), assim como de Jair Bolsonaro à presidência, é resultado do golpe de 2016 que depôs a presidente Dilma Rousseff (PT), democraticamente eleita pela maioria dos votos.

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O “Fora Bolsonaro, “Fora Eduardo Leite” e todos os demais estiveram na agenda de lutas da organização Amigos da Terra Brasil (ATBr) nesses últimos três anos, mas se tornam prioritários neste 2022 eleitoral que se inicia. Motivos para isso não faltam.

O Governo Bolsonaro encerra seu período se consolidando como o mais antiambiental da história brasileira ao promover o desmonte de políticas públicas e órgãos ambientais, incentivar crimes ambientais por meio de um discurso pró-agronegócio e pró-mineração desenfreado; entregar bens naturais públicos e que são patrimônio da população brasileira e até mesmo mundial, como parques e reservas, à iniciativa privada, e deixar comunidades indígenas, quilombolas e de pequenos agricultores desassistidos. 

Recentemente, Bolsonaro promulgou uma lei que prorroga a contratação de energia gerada por termelétricas a carvão mineral do estado de Santa Catarina até o ano de 2040, garantindo uma sobrevida ao setor e gerando, por mais uns anos, lucro para as empresas que exploram esta fonte de energia altamente poluente.

O presidente também indicou priorizar, para este ano, projetos de mineração de calcário e de metais pesados, este último em São José do Norte (RS).  Relembre na coluna da Amigos da Terra Brasil: Agronegócio: um dos principais interessados no aprofundamento do golpe à democracia brasileira

No RS, apesar de o governador Eduardo Leite apresentar, aparentemente, um discurso menos conservador, a pauta foi bastante semelhante ao do Governo Bolsonaro. Isso se deve porque os programas também são, assim como os objetivos foram os mesmos: beneficiar forças econômicas neoliberais, especialmente o agronegócio e a especulação imobiliária.

Leite conseguiu encaminhar a privatização de estatais e de empresas públicas, flexibilizou a legislação do licenciamento ambiental com o discurso de destravamento da economia e aderiu ao programa do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para conceder parques e reservas naturais, bens públicos, para exploração econômica da iniciativa privada - uma versão do programa federal “Adote um Parque” para os estados.

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Para se ter uma breve ideia dos retrocessos desses governos, no RS, Eduardo Leite alterou uma legislação para permitir o uso, no território gaúcho, de agrotóxicos proibidos nos países em que são fabricados. A lei mudada em 2021 completaria 40 anos no final de 2022 e era pioneira no país no que se refere à segurança alimentar e do meio ambiente, fruto de muita luta de ambientalistas e da sociedade organizada da época.

Foi derrubada para permitir que as grandes multinacionais do ramo químico desovem, no Brasil, os agrotóxicos que não podem mais ser vendidos nos países de origem - especialmente da Europa - devido aos prejuízos que geram no meio ambiente e à saúde animal e humana.

Pela nossa sobrevivência, Justiça Ambiental precisa ser incorporada nos programas dos partidos de esquerda

Os impactos das alterações climáticas e no meio ambiente, provocadas por uma sociedade capitalista que explora e degrada os bens comuns até o máximo para obter lucro para poucos, impactam na vida cotidiana das pessoas todos os dias. No entanto, afeta, especialmente, a classe trabalhadora e a população pobre, que frente à desigualdade social vivem em condições mais precárias e moram em locais com pouca infraestrutura e inseguros. Quando não perdem suas vidas, muitas e muitos perdem bens materiais essenciais para suas sobrevivências e seus meios de sustento.

Somados às mais de 621 mil mortes por COVID no Brasil, os poucos dias que vivemos de 2022 atestam essa situação de desastres nada naturais e seus efeitos na vida da população. O período de chuva, que normalmente ocorre nessa época do ano em áreas do centro e do nordeste do país, totaliza mais de 50 mortos em Minas Gerais (MG) e no Sul da Bahia (BA).

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Boletim divulgado pela Coordenadoria Estadual de Defesa Civil mineiro (CEDEC) nesse domingo (16) registrava 47.911 pessoas que tiveram que deixar suas casas, entre desabrigadas e desalojadas. O estado já decretou situação de emergência em 377 cidades mineiras. Na Bahia, números da  Superintendência de Proteção e Defesa Civil (Sudec) de 4ª feira passada (12) indicavam, além dos mortos, 27.210 desabrigados, 59.637 desalojados, dois desaparecidos e 523 feridos.

Ao todo, 175 cidades haviam decretado situação de emergência, mas o número de municípios afetados chegava a quase 200. O órgão baiano confirmou mais de 856 mil pessoas atingidas com as chuvas, alagamentos e deslizamentos de terra.

Em Minas Gerais, as fortes chuvas elevam o risco do rompimento de barragens com rejeitos da mineração, a exemplo do que aconteceu nas cidades de Mariana, em 2015, e de Brumadinho, em 2019, no mesmo estado. Esses crimes cometidos pela mineradora Vale/BHP/Samarco mataram quase 300 pessoas e destruíram povoados, rios e o meio ambiente e deixaram dezenas de pessoas e animais doentes devido ao resíduo tóxico presente na lama residual contida nas barragens.

Na última sexta-feira (14), uma barragem de resíduo estourou numa área particular da zona rural da cidade de Ouro Fino e atingiu o Rio Mogi Guaçu, desta vez sem registros de pessoas vitimadas.

A Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM) de MG informou que 31 barragens de mineração de Minas Gerais apresentam algum nível de emergência; dessas, três em nível 3 (quando há risco iminente de rompimento e moradores são obrigados a sair de suas casas), todas pertencentes à VALE. Segundo a FEAM, as áreas passíveis de serem atingidas por um eventual rompimento dessas barragens mais críticas foram evacuadas e não há mais pessoas vivendo no entorno.

Do outro lado do Brasil, no Rio Grande do Sul a população sofre com a escassez de chuva que é recorrente no verão, mas vem sendo intensificada neste início de ano pelo fenômeno climático La Niña, e com as altas temperaturas. Nesse domingo (16/01), Porto Alegre registrou, pelo terceiro dia consecutivo, a mais alta temperatura entre as capitais brasileiras:  39,8ºC. Pelo menos, nove municípios do estado alcançaram os 40ºC.

A estiagem afeta também o agronegócio, um dos principais setores responsáveis pelo desmatamento e destruição dos recursos hídricos, que já contabiliza as perdas com o milho, soja e até mesmo com o leite.

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A Justiça Ambiental é um desafio que precisa ser incorporado nos programas dos partidos que priorizam a vida da população e da própria humanidade ao invés dos lucros.

Para que realmente seja feita a justiça ambiental, os direitos dos povos e a soberania popular devem se tornar realidade, com as pessoas acessando, de forma igualitária, os serviços da saúde, tenham qualidade ambiental, que seus corpos e territórios sejam respeitados no seu alimento, cultura, modo de vida, trabalho, e livres de todas as formas de opressão, seja de classe, raça, crença, gênero ou orientação sexual.

A justiça social, econômica, ambiental e de gênero integram soluções que o neoliberalismo ignora. Quando os governos neoliberais de Bolsonaro, Eduardo Leite, Romeu Zema (MG) e mais tantos outros utilizam a pauta do meio ambiente é com o intuito de ganhar mais dinheiro, aliando o desmonte das políticas ambientais e de direitos humanos a oportunidades de negócios climáticos.

Foi o que ocorreu durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 26) no ano passado em Glasgow (Escócia). Diante da mobilização global liderada pela juventude e movimentos sociais pela justiça climática durante o encontro, Bolsonaro e Leite adequaram seus discursos, em que negavam as mudanças climáticas, para o do ambientalismo de mercado defendendo os créditos de carbono, concessão de unidades de conservação à iniciativa privada etc. 

Os partidos comprometidos na construção com uma sociedade mais justa, igualitária, saudável e de todos precisam compreender que Justiça Ambiental, Democracia e Desenvolvimento não são indissociáveis. São frentes que não se limitam às organizações ambientalistas; dialogam com uma diversidade enorme de movimentos sociais populares que reivindicam direitos e soberania sobre seus corpos, territórios, modos de produção e distribuição de alimentos e energia, trabalho digno, controle social das políticas públicas e acesso aos serviços públicos de qualidade.

A crise sistêmica mostra que é hora de transformação social baseada no ambientalismo popular e na economia feminista

A Amigos da Terra Brasil (ATBr) chama todos e todas a votarem em candidaturas para a presidência do Brasil, governos estaduais e para os parlamentos (Câmara Federal, Assembleias Legislativas e Senado Federal)  que tenham compromissos com o povo e com o meio ambiente, com a sustentação da vida.

Vamos fortalecer candidaturas que dêem fim às políticas de morte e ao fascismo no país,  que se proponham a restabelecer as políticas públicas que foram destruídas pelo Governo Bolsonaro e seus apoiadores, a resgatar as legislações ambientais protetivas, revogue a Reforma Trabalhista, que garanta a saúde da população e volte atrás na liberação dos agrotóxicos, derrubar a Lei Kandir - desde 1996 prevê a isenção do pagamento de ICMS às exportações de produtos primários e semielaborados, ou seja, não industrializados, beneficiando diretamente o agronegócio e o setor da mineração.

Por um sistema de solidariedade e em defesa da vida! A economia não pode estar à frente das nossas vidas!          

*Amigos da Terra Brasil (ATBr) é uma organização que atua na construção da luta por Justiça Ambiental. Quinzenalmente às segundas-feiras, publicamos artigos sobre justiça econômica e climática, soberania alimentar, biodiversidade, solidariedade internacionalista e contra as opressões. Leia outros textos.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vinícius Segalla e Katia Marko