Economia

Alta do desemprego leva a recorde de endividamento das famílias

Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio revela que 76% das famílias brasileiras estão endividadas

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A queda na renda é confrontada pela “brutal” inflação de itens básicos, como combustíveis, energia elétrica e alimentos - José Cruz / Abr

Três em cada quatro famílias brasileiras (75,6%) estavam endividadas em dezembro, de acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic). Divulgado pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) nesta terça-feira (18), trata-se do maior percentual registrado desde janeiro de 2010. Pelo menos um quarto das famílias (26,1%) estão com dívidas ou contas em atraso. E uma em cada 10 diz não ter condições de pagar seus débitos.

Segundo o levantamento, 14,8% das famílias estão “muito endividadas”. Outros 27,3%, “mais ou menos endividadas”, enquanto as “pouco endividados” são 33,5%. Apenas 24,4% afirmam que não estão endividados em nenhum nível.

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Para o economista André Roncaglia, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os dados não surpreendem. São o resultado de cinco anos de baixo crescimento econômico, somado aos índices recordes de desemprego ao longo do ano passado. Além disso, a alta da inflação durante a pandemia comprometeu ainda mais a renda das famílias. Por fim, a elevação da taxa de juros (a Selic) no último ano agrava ainda mais esse quadro, tornando as dívidas quase impagáveis para as famílias mais pobres.

“É muito elevado o nível de desemprego. Quando a gente considera os desalentados, que já desistiram de procurar emprego, e os subocupados, que estão trabalhando menos do que gostariam, é evidente que a perda do poder de compra do salário médio – a massa salarial – caiu bastante”, disse Roncaglia. (Continua após o vídeo.)

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A queda na renda é confrontada pela “brutal” inflação de itens básicos, como combustíveis, energia elétrica e alimentos. Cabe lembrar que os dois primeiros constituem preços administrados, estabelecidos pelo governo. Mas que acabam tendo impacto disseminado por toda a cadeia produtiva.

Para conter a alta dos preços, a resposta do Banco Central foi elevar os juros. O que acaba atingindo ainda mais as famílias endividadas. A taxa básica de juros subiu de 2% ao ano, em janeiro, para os atuais 9,75%. Contudo, como as principais altas não decorrem do aumento da demanda, os juros altos acabam não resolvendo o problema. Mas, como resultado, os bancos subiram também os juros cobrados nos empréstimos ao consumidor. No crédito rotativo (cartão de crédito), por exemplo, os juros cobrados alcançam a “monstruosa” taxa de 430% ao ano.

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“Quando o juro é muito elevado, e a inadimplência é persistente, a tendência é que a dívida cresça praticamente sozinha. Então se a renda da família não aumentar, a relação da dívida sobre a renda tende a crescer de maneira orgânica. A depender da taxa de juros, pode crescer de forma exponencial”, alertou o economista. Ainda em outubro, Roncaglia já avisava que a escalada da Selic seria um “‘tiro no pé’ numa economia já combalida”.

Dois pesos

Roncaglia lembrou ainda do endividamento das empresas e do tratamento desigual recebido da parte do governo Bolsonaro. Enquanto as grandes e médias empresas puderam refinanciar suas dívidas no ano passado, o presidente vetou o Refis do Simples, voltado para micro e pequenas empresas.


Bolsonaro alegou que as medidas fiscais de socorro ao segmento das micro e pequenas empresas trariam renúncia de receita e violariam Lei de Responsabilidade Fiscal / Mauro Pimentel/AFP

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“As pequenas e microempresas são aquelas que efetivamente empregam a maior parte da força de trabalho. E não vão ter direito de reorganizar suas dívidas tributárias. Então, isso também tende a dificultar a criação do emprego e a retomada da massa salarial.”