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Agroecologia segue firme, apesar dos desafios, em Itatiba do Sul (RS)

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Diferentemente do governo federal, que destruiu grande parte das políticas públicas voltadas à produção de alimentos saudáveis, município gaúcho deu ênfase à continuidade - Foto: Elisa Stringhini
Como a agroecologia enfrentou monocultura do fumo, agrotóxicos e empobrecimento no campo

Por Adriane Canan*


“Boa tarde, amiga! Tudo certo? Viu, vou te mandar umas fotos, então! E ali tu vai ver que tem pé de abacate, nós temos mais de 200 pés aqui! Temos banana, laranjas de muitas variedades… Nossa renda principal vem das frutas. E essa menina ali perto do pé de flor sou eu. Beijo, querida!”. É assim que Ivanilda Fátima Rudniski, agricultora agroecológica do Alto Uruguai gaúcho, se identifica nas fotos que mandou por WhatsApp para esta matéria.

Ivanilda e sua família são pioneiras na produção de orgânicos em Itatiba do Sul, município do Rio Grande do Sul, que investe na agroecologia desde o início dos anos 2000. Era um período de enfrentamento à monocultura do fumo, aos pacotes químicos (agrotóxicos e fertilizantes) e ao empobrecimento no campo. Nos últimos dois anos, apesar da pandemia e das fortes estiagens, Itatiba do Sul continuou dando exemplo: adiantou recursos e garantiu convênios, indo na contramão do desmonte das políticas públicas de produção de alimentos saudáveis implementada pelo governo federal.


Ivanilda Fátima Rudniski, agricultora agroecológica do Alto Uruguai gaúcho, orgulhosa de sua propriedade / Foto: Dalvana Rudniski

 

O técnico agrícola Edson Klein, coordenador do Centro de Tecnologias Alternativas Populares (Cetap) - entidade que atua na região de Itatiba do Sul há duas décadas com foco em recuperação e cobertura de solo, embate aos agrotóxicos e transgênicos, produção de sementes crioulas, consumo alimentar das famílias e manejos agroecológicos - explica que a manutenção das políticas municipais de incentivo à agroecologia foi essencial nesse período de crise social, sanitária e econômica. “Nós teríamos perdido muito tempo. Na agroecologia, a gente precisa ter continuidade e persistência, mesmo em situações adversas”, conta Edson. 

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A continuidade dos convênios de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) específicos para a agroecologia e produção orgânica, dos programas de apoio às agroindústrias, além do adiantamento de recursos anuais previstos para quem produz orgânicos, foi decisiva nestes últimos dois anos. “Não fizemos atividades coletivas, respeitamos as orientações sanitárias, mas o técnico não parou de dar assistência às famílias”, explica Edson. Ele conta que muitos municípios romperam programas ligados à agroecologia por não entenderem a importância do seguimento e as possibilidades de continuar com assistência de outras formas. “Em Itatiba do Sul, as famílias sentiram-se apoiadas nesse momento e persistiram”, relata. 

O atual prefeito Valdemar Cibulski (PT), conhecido como Polaco, dá sequência a cerca de 20 anos de administrações com olhar afinado para a agroecologia e a produção orgânica em Itatiba do Sul. O município está localizado no alto de um morro, tem uma população de quase 4 mil habitantes, economia basicamente agrícola e muita terra “dobrada”, que é o termo utilizado na região para dizer dos terrenos montanhosos e acidentados. Alternativas aos monocultivos eram mais do que necessárias para que o município “fizesse o giro econômico” de forma a inserir a população na roda de uma economia sustentável. E a agroecologia foi o caminho encontrado. “O incentivo à agroecologia neste período da pandemia manteve a parceria com o Cetap/Ecoterra, repassando um valor mensal para a assistência técnica aos produtores locais, garantindo a qualidade na produção e a comercialização dos produtos, além do repasse de valores financeiros diretamente aos produtores”, conta o prefeito Polaco. 

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Ele resume uma visão de várias administrações: “A produção de alimentos é indispensável para o fortalecimento da agricultura familiar e os incentivos por parte dos governos são necessários para que as famílias consigam permanecer no campo, produzindo com menor custo e com qualidade. Além disso, o consumo de alimentos agroecológicos faz bem à saúde, melhorando a qualidade de vida do consumidor, o que a médio e longo prazo torna-se um investimento que retornará aos cofres públicos com a redução de gastos na área da saúde, por exemplo”. 

O repasse anual de 500 reais por família para investimento em sementes e outros insumos relativos à produção orgânica é um dos fomentos que o município aplica. De acordo com Elisa Stringhini, secretária da Agricultura, Pecuária e Meio Ambiente de Itatiba do Sul, nos últimos dois anos o recurso foi antecipado para as famílias para melhor organização. “Em geral, o recurso é repassado em agosto, mas adiantamos para abril por entender a necessidade urgente e a viabilidade da produção”, afirma Elisa. Grande parte dos produtos do município tem sua comercialização articulada pela Ecoterra, associação que integra o Circuito Sul de Comercialização da Rede Ecovida. Isso permite às agricultoras e aos agricultores ecologistas da região terem sua comercialização garantida, acessando mercados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo.

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Diversidade da produção orgânica em Itatiba do Sul / Foto: Elisa Stringhini

Outro destaque no município é a atuação no parlamento pelo fortalecimento da produção agroecológica. Isaías Wastchuk, jovem agricultor agroecológico, hoje à frente do Sindicato Unificado dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (Sutraf), é um dos vereadores comprometidos com o tema em Itatiba do Sul. “Sou agricultor orgânico há cinco anos, comecei a produzir por acreditar que a produção orgânica não é só um modo de produção, mas vem acompanhada da soberania alimentar, da qualidade de vida para as pessoas e acredito que pode trazer renda para quem está nesse meio produzindo”, ressalta o vereador que há poucos dias assumiu a presidência da Câmara Municipal. 

Isaías conta que, atualmente, são mais de 30 famílias certificadas como produtoras orgânicas em Itatiba do Sul. “Esse número já foi bem menor, mas graças aos incentivos, vamos ampliando. Temos muitas famílias em transição [para o modelo de produção agroecológica], que em breve serão certificadas também”, conta o jovem agricultor. Ele também ressalta o compromisso como parlamentar, junto com os demais, na construção de emendas que contribuam para dar viabilidade e sustentabilidade às agricultoras e aos agricultores que pretendem continuar na agroecologia.

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Mas, para chegar ao estágio atual, foram diversas “peleias” que envolveram muita gente em defesa da agroecologia. E também bastante  persistência, como conta a agricultora Ivanilda Fátima Rudniski. “Eu entrei nesse ramo no ano de 2003. Foi um impacto muito grande, era uma coisa nova, a gente não sabia bem o que era. Na primeira visita, que foi através do Sindicato dos Trabalhadores na Agricultura, veio um animador pra conversar com a gente, o Gilmar Ostroski, que hoje coordena o circuito de comercialização. E naquela mesma época entrou aqui no nosso município também a produção de fumo, que foi uma enxurrada também de proposta com produtos químicos. Mas nós nunca fomos ligados ao veneno”, lembra Ivanilda. 

Ela enfatiza que foi um desafio muito grande, com muitos problemas, muita formação e debate. “Recebemos muitas críticas: ‘como assim que vão produzir sem químico?’, me diziam até os técnicos da Emater! Mas, a gente foi construindo devagar. Não é de hoje pra amanhã, não é que hoje você vai deitar convencional e amanhã amanhecer orgânico, não senhora! A agroecologia tem o tempo dela. A gente passou dificuldade, muita, mas chegamos no objetivo que nós queríamos”, comemora. 


Bananeiras e abacateiros da propriedade de Ivanilda Rudnisk: das frutas vem a maior parte da renda / Foto: Ivanilda Fátima Rudniski

Ivanilda acrescenta o papel das mulheres a partir de seu olhar histórico sobre o processo: “Como mulher agricultora, a gente vai nos encontros e observa. Fui com o técnico fazer várias visitas e tive oportunidade de ver que é bastante a mulher que está com o pé firme no chão com a agroecologia”. Sonhadora e questionadora, Ivanilda acrescenta que não gosta muito do uso da terra “meio a meio”, ou seja, uma parte com orgânicos e outra com agricultura convencional. “Como que pode de manhã eu estar de bem com a natureza e de tarde agredindo a natureza? Pra mim isso não existe”, afirma. O horizonte da Ivanilda é que toda alimentação seja saudável. A agroecologia como projeto de sociedade.

 

*Adriane Canan é comunicadora popular da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

**Acompanhe a coluna Agroecologia e Democracia. A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) é um espaço de diálogo e convergência entre movimentos, redes e organizações da sociedade civil brasileira engajadas em iniciativas de promoção da agroecologia, de fortalecimento da produção familiar e de construção de alternativas sustentáveis de sistemas alimentares. Leia outros artigos.

***Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo