Rio de Janeiro

ECONOMIA AFETADA

Análise | Regime de Recuperação Fiscal: o Rio fez a sua parte, por André Ceciliano

Se o governo federal preferir ouvir seus burocratas em vez da população do Estado, estará cometendo um erro imenso

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Alerj plenário
Ignoram que o estado fez sua a sua parte, sim, no RRF - e a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) foi peça fundamental nisso - Alerj/Divulgação

A notícia de que técnicos do Ministério da Fazenda sugerem não renovar a entrada do Rio no Regime de Recuperação Fiscal não surpreende. Foi por essa razão que aprovamos decreto legislativo condicionando a venda da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) à reentrada do Rio no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). O decreto, infelizmente, foi derrubado na Justiça. Perdemos nosso único trunfo. 

Sabíamos que essa ameaça aconteceria porque, da parte dos burocratas de Brasília, não há limite quando o assunto é cassar direitos dos servidores públicos. O próprio ministro Paulo Guedes já deixou claro o que pensa: “parasitas”, “vagabundos” foi como já se referiu a eles, publicamente. Só esquece que, sem servidor público, não há serviço público.

Não há Educação, Saúde ou Segurança. E quando falta o Estado, entram as milícias. 

Embora carioca, o Posto Ipiranga e sua equipe de burocratas desconhecem por completo a realidade do Rio. Ignoram que o estado fez sua a sua parte, sim, no RRF - e a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) foi peça fundamental nisso. 

Em 2017, quando ingressamos no RRF, os deputados estaduais votaram as medidas cercados por barricadas de manifestantes, ao som de explosões de bombas de efeito moral do lado de fora do Palácio Tiradentes. Na condição de presidente interino, enfrentei até o meu partido. 

Aprovamos, além da autorização para a venda de Cedae, aumento de impostos para elevar receitas, a contribuição previdenciária de 11% para 14%, o teto de gastos e muito mais. Entre 2017 e 2020, o Rio aumentou suas receitas e reduziu despesas com pessoal, de R$ 37 bi para R$ 33 bi. Se o Regime não foi renovado, após três anos de vigência, em novembro de 2020,  como previsto em contrato, isso se deveu muito mais a razões políticas do que técnicas. Ainda tínhamos na ocasião o ex-juiz como governador. 

O propalado “reajuste salarial” que os tecnocratas do Ministério apontam agora como fato impeditivo da reentrada do Rio no Regime nada mais foi a autorização para a reposição da inflação do período de 2017 a 2021, mesmo assim escalonada em três anos, para servidores que, aliás, estão com salários congelados desde 2014.

E mais: a correção salarial pelo IPCA – o que é diferente de aumento – está devidamente prevista tanto na Lei Complementar 159, quanto na 181, que criou as novas regras para entrada de estados e municípios no RRF. 

O cálculo para o teto de gastos, mencionado pela área técnica do Ministério, também não é razão de alarde. A Lei Complementar 183 nos permitia escolher, para base de cálculo do teto, um dos orçamentos entre os anos de 2017 e 2021, mais a correção do IPCA. O Governo escolheu o de 2021. Logo, não inventamos nada.
 
Cabe informar, ainda, que a mudança na idade mínima para a aposentadoria dos servidores do Estado é uma adequação à Reforma da Previdência, votada pelo Congresso em 2019. E que também o governo federal concedeu aos seus militares uma regra de transição com pagamento de “pedágio” de 17% sobre o tempo se serviço que faltar para a aposentadoria.

De novo, não inventamos nada. 

A Alerj não acabou com os triênios para os atuais servidores, contrariando a mensagem original do Governo do Estado, por uma razão muito simples: porque não se muda a regra do jogo no meio da partida. Esse foi o contrato assinado entre Estado e servidor da data do seu ingresso na carreira pública. Mudar isso seria clara quebra de contrato, que cairia com toda a certeza na Justiça. Ademais, nem mesmo a Lei Complementar 183 exigia o fim do triênio. 

Para os servidores que ingressarem no serviço público a partir de 2022, valerá a nova regra, sem previsão de triênios. Para os atuais, vale o que está escrito. 

Também impedimos o fim do abono permanência - benefício pago aos servidores que têm idade para se aposentar, mas permanecem na ativa -  proposto pela equipe de Paulo Guedes, porque isso geraria enorme dano ao erário estadual. Hoje, existem 50 mil servidores em condições legais para se aposentar.

Na ativa, recebem uma gratificação de 14% como estímulo. Se aposentarem, o governo teria que fazer concurso e pagar 100 % desses salários: um impacto de R$ 7 bilhões de reais por ano. A conta dos burocratas não fechava, mas os salvamos. 

No que tange à Alerj, cabe informar que, desde 2017, reduzimos em 11% ao ano a nossa folha de pessoal (fato reconhecido pelo próprio Regime de Recuperação Fiscal). Aprovamos leis relativas ao ICMS e incentivos fiscais, tomamos medidas, como a CPI dos Royalties, que descobriu que nos últimos dez anos a Petrobras deixou de pagar ao Rio cerca de R$ 24 bi em participações especiais - dinheiro que temos o dever de cobrar na Justiça. 

O Rio está cansado de injustiças, que vêm desde a transferência da capital para Brasília sem pagamento de qualquer compensação ao estado, há 61 anos. Em 2020, o Rio entregou R$ 170 bi para o Governo Federal em impostos federais, dos quais retornaram apenas R$ 34 bi.

Aposto um "kit cloroquina" se alguém souber citar um único investimento federal estruturante no Rio por parte do governo federal. 

O Rio está no caminho certo para retomar o caminho do crescimento e a manutenção do estado no RRF é fundamental. Se o governo federal preferir ouvir seus burocratas em vez da população do estado, estará cometendo um erro imenso, que as urnas e a História jamais perdoarão.

*André Ceciliano é deputado estadual pelo PT e presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Mariana Pitasse