72% da população brasileira apoia a vacinação das crianças, o que para Bolsonaro pouco importa
Olá, estamos de volta, mas encontramos tudo como antes: a pandemia não terminou, a economia naufraga, Bolsonaro continua o mesmo e Lula segue crescendo. Nos acompanhe neste ano novo que parece a prorrogação do anterior.
.Onda, onda, olha a onda. A ressaca do réveillon veio com o recrudescimento da pandemia e já levou 17 capitais a cancelarem as festas de carnaval, além de acender o sinal de alerta para a ocupação de leitos de UTI em nove estados. A nova onda é fruto da combinação de relaxamento das medidas preventivas, aumento exponencial de casos de covid-19, surto de gripe, ausência de testagem e apagão de dados do Ministério da Saúde. Com isso, a política de combate à pandemia segue em voo cego rumo ao colapso do sistema da saúde sem qualquer estratégia de contenção. A boa notícia, segundo Pedro Hallal, é que este deve ser o último ano de pandemia, pois a nova variante ômicron, mais transmissível e menos letal, aponta para a transformação da covid-19 em uma doença endêmica e sazonal, similar à gripe. Porém, no curto prazo Miguel Nicolelis prevê um aumento exponencial de casos até março, situação que deve ser agravada pela volta às aulas. Tudo isso seria motivo de preocupação para qualquer governo, mas não para este. O ano é novo mas o arsenal de Bolsonaro é velho, onde falta governo mas sobram tensionamentos e fake news. Com o recesso do Congresso, do STF e da mídia, o capitão se sentiu à vontade para trabalhar, o que para ele é o mesmo que fazer política para o cercadinho. Ele afirmou que haverá caos e rebelião se os governadores decretarem lockdown, mesmo que ninguém tenha cogitado tal medida. Em clima de deboche, com nada menos do que dois anos de atraso, o governo criou agora um comitê para o enfrentamento da pandemia entre os indígenas. E para fechar com chave de ouro, o capitão trabalhou firme para evitar a vacinação de crianças. Felizmente, 72% da população brasileira apoia a vacinação das crianças, o que para Bolsonaro pouco importa, já que ele tem olhos apenas para os 20% que são contra, vendo o copo sempre meio cheio.
.A sementinha da discórdia. O embate de Bolsonaro com as instituições também começou cedo, com os ataques aos ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, enquanto a AGU contestava a jurisdição do Tribunal para tomar decisões sobre a vacinação. A ofensiva alegrou o cercadinho, com o bolsonarista foragido Allan dos Santos disparando nas redes sociais, e a tática de atritos deve prosseguir mesmo que não agrade parte da base aliada. Mas alguns movimentos podem atrapalhar os planos do capitão. O ministro Alexandre de Moraes prorrogou por mais três meses o inquérito sobre as milícias digitais. O Ministério Público de São Paulo moveu ação contra treze pessoas por irregularidades cometidas durante a motociata em junho do ano passado. E o senador Randolfe Rodrigues trabalha para instalar uma nova CPI da Covid no Senado. Além disso, enquanto Bolsonaro prepara bondades para a parte armada do funcionalismo, os demais servidores se preparam para greves. A novidade mesmo talvez sejam as desavenças com os militares. A começar pelo presidente da Anvisa, o contra-almirante Antonio Barra Torres, que não só não baixou a cabeça para o capitão como derrotou sua cruzada contra a vacinação infantil. Bolsonaro também foi derrotado ao questionar as diretrizes internas do Exército para lidar com a pandemia. Tudo isso pode indicar um distanciamento entre as forças armadas e o governo. Ainda que os generais façam questão de enfatizar que não há crise, uma rodada de reuniões foi feita para apaziguar as relações. Certamente as tensões provocadas por Bolsonaro antecipam o tipo de embate que teremos até outubro. A inspiração do capitão é Donald Trump, que apesar de derrotado nas urnas, agora colhe os frutos de sua invasão ao Capitólio, tornando-se líder inconteste do Partido Republicano. Mas talvez tanto barulho no início do ano tenha uma explicação mais simples: desviar a atenção da opinião pública para o descontrole da inflação e o fracasso do governo na área econômica.
.Faria Lima quer fazer programa. Com a primeira pesquisa eleitoral do ano confirmando a possibilidade de vitória de Lula no primeiro turno, uma parte do mercado financeiro parece que já jogou a toalha. Com o sonho de um segunda via de direita empacada, o mercado sabe que está chegando atrasado para aderir a uma candidatura petista. Neste caso, se a vitória é inevitável, a aposta da Faria Lima é desde já pressionar um futuro governo para manter tudo como está na economia. Bastaram os elogios de Lula à revogação da reforma trabalhista na Espanha e as opiniões públicas de Guido Mantega e Nelson Barbosa, dois ex-ministros da economia dos governos petistas, para que o setor financeiro tivesse um chilique coletivo na mídia. Em resumo, além da revogação da reforma trabalhista, o mercado não admite o fim do teto de gastos, maior presença do Estado na economia e nem o fim das privatizações. E há ainda quem tema um “revanchismo” de Lula contra quem o levou à prisão. Sim, eles mesmos, a Faria Lima. Mas há também quem ache que a gritaria é exagerada. O ex-diretor do Credit Suisse Nilson Teixeira e um ex-ministro liberal têm dito que o medo é injustificado e que é melhor um político experiente e mais gastos sociais para contornar a crise econômica. E até a colunista de economia do ultraconservador Estadão, Adriana Fernandes, escreveu que talvez rever o teto de gastos seja sim uma boa ideia.
.A carta aos brasileiros. A boa notícia deste cenário é que finalmente o debate eleitoral sai da discussão sobre nomes e entra no que interessa: como tirar o país do buraco em que se meteu? O que se sabe é que o PT deve iniciar a discussão de seu programa econômico nos próximos dias, envolvendo cerca de vinte economistas, entre ex-ministros e jovens economistas, para apresentar uma proposta até abril. Não haverá uma nova carta ao mercado financeiro, como a famigerada Carta aos Brasileiros de Antônio Palocci vinte anos atrás, e o programa deverá ser de oposição frontal à política de Paulo Guedes. Sobre a reforma trabalhista, até aqui, é provável que sejam revogados os contratos intermitentes e que se crie algum tipo de proteção para prestadores de serviços por aplicativos. A escolha de Guido Mantega para apresentar as propostas do partido para a economia, em uma série da Folha, também sinaliza textualmente com um programa de desenvolvimento econômico e social, com medidas emergenciais de combate à fome e à miséria e um ambicioso plano de investimentos públicos e privados. Por outro lado, lembra Bruno Boghossian, ao mesmo tempo em que o PT sinaliza para o eleitor mais pobre e para suas bases sociais, vai precisar de um programa que reduza resistências em outros setores e construa uma maioria em torno de sua candidatura. Assim, andam orbitando em torno dos petistas, velhos conhecidos como Henrique Meirelles, mas também, Alckmin e outros tucanos convertidos como Armínio Fraga e Abílio Diniz.
.À deriva. O problema é que, independente de quem vença as eleições em outubro, o presidente do Banco Central continuará sendo Campos Neto. Mais ortodoxo do que namoro no portão, o presidente do BC, como seus colegas de governo Paulo Guedes e Bolsonaro, também habita um universo paralelo. Diante da nova alta da inflação, Campos Neto preferiu fingir que não tem nada a ver com isso, culpando os preços internacionais das commodities e a crise hídrica. A desculpa não convenceu nem o setor financeiro, que atribui o fracasso econômico ao descontrole fiscal do governo e já sabe que vem novo aumento da taxa de juros por aí. Ou seja, o governo vai continuar insistindo na mesma fórmula que levou o país ao abismo: descontrole nos preços dos combustíveis pela Petrobras, de um lado, e alta dos juros para conter a própria política do governo, do outro. E o resultado será efetivamente o mesmo: a inflação continuará crescendo e a economia vai mergulhar definitivamente numa recessão. Por hora, entre 170 economias, o Brasil só consegue crescer mais que a Guiné Equatorial e Mianmar. Enquanto os pobres tentam sobreviver ao caos, a Faria Lima ainda tenta roubar a prataria que resta antes do naufrágio. O mercado aposta nas privatizações de companhias locais de saneamento e do Banco do Brasil, agora na mira do banco suiço UBS.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.A economia global em 2022. No Sul21, André Moreira Cunha e Andrés Ferrari resumem qual deverá ser o quadro econômico global em 2022.
.Na Europa, a extrema direita está se preparando para batalha. Confira no Jacobin Brasil como Marine Le Pen, Viktor Orbán e outros expoentes da extrema direita estão se articulando no velho continente. Por Àngel Ferrero.
.Bolívia: novo cenário, um ano após a posse de Arce. O governo do MAS se consolida e conquista avanços sociais no país andino, mas a direita não está morta. Por Camila Vollenweider, no Outras Palavras.
.Regulação do trabalho na Espanha pode inspirar Brasil. Clemente Ganz Lúcio mostra como a Espanha começa a reverter a reforma trabalhista que gerou desemprego, redução de salários e precarização. No Poder360.
.Entrevista: ‘Na periferia do capitalismo o Estado policial cai como uma luva’, diz coronel da PM ÍBis Pereira. Em entrevista para o Intercept, o ex-comandante da PM do Rio fala sobre o papel dos militares na sociedade brasileira.
.Guerra cultural e privatização: o avanço conservador sobre a educação em meio à pandemia. No Sul21, Luís Gomes mostra como diferentes organizações empresariais e ideológicas estão pautando a educação no Brasil.
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Edição: Vivian Virissimo