A redução da quarentena para contaminados e contaminadas pela covid-19 vai potencializar o crescimento de casos da doença e a pressão sobre o sistema de saúde.
Ouvido pelo Brasil de Fato, o médico infectologista Bernardino Albuquerque, da Universidade Federal do Amazonas considera a mudança "brusca" e com potencial para piorar um cenário que já é preocupante.
Nas últimas três semanas, a média móvel de infecções aumentou quase 17 vezes e a taxa de transmissão chegou ao maior patamar desde março do ano passado, quando o Brasil vivia o pior momento da pandemia.
Em 22 de dezembro, o cálculo da mediana (feito a partir dos dados dos últimos sete dias) chegou a um resultado de 3,1 mil novas contaminações a cada 24 horas.
Atualmente, essa conta ultrapassa 52 mil confirmações por dia. A diferença entre os números absolutos de cada data é ainda mais alarmante: uma escalada de 3,4 mil para mais de 87 mil casos nessa quarta-feira (12).
Albuquerque afirma que a diminuição da quarentena só é segura se houver testes em larga escala.
"As recomendações do Ministério da Saúde são preocupantes porque trabalham com o critério de sinais e sintomas, que devem ser avaliados por profissionais médicos. Da forma como vem acontecendo a evolução de casos no país, nós estamos com grandes lotações e isso dificulta essa avaliação."
:: Saiba como fazer o pré-cadastro de crianças para vacinação contra covid-19 no estado de SP ::
Segundo atualização do guia de vigilância epidemiológica para a covid-19 do Ministério da Saúde, o isolamento recomendado a infectados e infectadas caiu de dez para sete dias, se não houver mais sintomas.
"Quem vai avaliar esse parâmetro clínico? Vai ser o próprio indivíduo? Isso é um risco muito grande que nós estamos correndo", alerta o professor Albuquerque.
A diretriz é ainda mais branda para quem deixa de apresentar sinais respiratórios no quinto dia da doença, se não houver febre em 24 horas, a quarentena pode acabar. A recomendação é de que seja feito um teste, que se der negativo endossa a liberação do isolamento.
Como parâmetro para atualizar a recomendação, o Ministério da Saúde usou as medidas que vigoram no Reino Unido e nos Estados Unidos, dois dos países que mais testam no mundo.
Gripe e ômicron: menos letais mas muito transmissíveis, surtos aumentam a ocupação hospitalar
O Brasil sempre esteve no lado oposto deste cenário, faz menos exames do que o necessário e, agora, está em risco de desabastecimento.
A Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) divulgou uma nota técnica recomendando prioridade na testagem para pacientes em estado grave, pessoas que serão internadas ou passarão por cirurgias, quem é do grupo de risco, grávidas, profissionais da saúde e de serviços essenciais.
De acordo com o texto, haverá falta de exames se os estoques não forem recuperados logo. “Quando avaliamos as notícias que vêm de outros países, de que eles já estão sem insumos, é certo que o problema chegará ao Brasil."
Para Albertino Albuquerque o atendimento a pacientes será afetado. "O que nos espera não é uma situação de tranquilidade. Apesar de a vacina nos dar o respaldo de não agravar, de não determinar óbitos, isso também tem limites. A medida que a pressão de casos começa a interferir no sistema de atendimento, nós vamos deixar passar casos com condições de risco, comorbidades, idosos".
O professor avalia que o Brasil teve uma janela de oportunidade para estabelecer medidas quando os números no Brasil ainda estavam baixos, mas a pandemia já provocava uma nova onda em outras regiões do mundo.
"A diminuição da quarentena é um balde de água fria. Nós estamos com um vírus que já mostrou toda a sua capacidade de circulação, mas parece que realmente isso não está servindo de lição. A cultura é de acreditar que baixaram os números, a tendência é acabar, mas não é isso que está acontecendo", finaliza Albuquerque.
Edição: Leandro Melito