A capilaridade e a popularidade que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) veio ganhando em diversas classes sociais brasileiras e até mesmo internacionalmente é o reconhecimento da necessidade das lutas travadas nas últimas décadas. Quem afirma Marina Santos, da direção nacional do MST.
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Em entrevista ao Brasil de Fato, Marina acrescenta que a população vem se tornando consciente do que está oculto no discurso publicitário do "agro é pop", veiculado massivamente pela televisão. "Por trás do pop, estão o desmatamento, o fogo que destrói tudo, o alto uso de veneno que contamina alimentos, água e nossas vidas", diz ela.
Na conversa a seguir, a dirigente faz críticas às políticas de reforma agrária do Incra para o Rio de Janeiro, defende a eleição do ex-presidente Lula para o Planalto já no primeiro turno e explica por que o MST indicou seu nome como pré-candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) para concorrer a uma vaga como deputada estadual.
Confira a entrevista:
Brasil de Fato: Como foi sua entrada no MST? Você pode contar um pouco dessa história?
Marina dos Santos: Sou do oeste do Paraná e conheci o MST no final da década de 1980, quando eu fazia trabalhos vinculados à igreja católica, especialmente, com as freiras catequistas franciscanas. Era uma igreja com bastante vínculo com os problemas do povo, com as lutas sociais e políticas. Em um domingo, fui com o frei da nossa paróquia realizar uma missa em um acampamento em um município vizinho ao nosso. Cheguei e fiquei muito impressionada com a quantidade de gente, com o nível de organização do acampamento.
Fiz a opção naquele mesmo momento de continuar fazendo a minha missão, que seria em princípio no convento, ao lado dos camponeses e camponesas na luta organizada pela terra.
Estou no MST há mais de 30 anos, pude concluir o ensino médio em uma escola do MST, cursei Serviço Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pela parceria do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) em que formamos 5 mil militantes do MST em diversos cursos e diversas parcerias com universidades públicas no governo Lula.
Recentemente, concluí o meu mestrado de Geografia em desenvolvimento territorial da América Latina e Caribe, em uma parceria da Universidade Estadual Paulista (Unesp), MST/Escola Nacional Florestan Fernandes e a Via Campesina. Em 1996, fui transferida do MST Paraná para contribuir na organização e articulação do MST no Rio de Janeiro.
Qual é o balanço que você faz dos avanços do MST?
O MST, como movimento de camponeses e camponesas, é o que mais dura na história do Brasil. Ele passou por muitos percalços políticos, com as milícias do campo, da jagunçada organizada que sempre atuou a mando de latifúndios improdutivos e dos coronéis das terras no Brasil inteiro.
O MST também enfrentou as políticas dos piores governos, desde Fernando Collor de Mello (1990 - 1992) ao neoliberalismo do Fernando Henrique Cardoso (1995 - 2002), que atuou com muita força no sentido da criminalização do MST e na extinção de um movimento com as nossas características, porque tinha o objetivo da concentração da terra, dos bens da natureza, do desenvolvimento dos complexos agroindustriais.
Agora, mais recentemente, vivemos essa política neofascista do bolsonarismo. O MST venceu através da sua luta, da sua organização interna, da sua capacidade de mobilização do povo pobre sem terra que luta pelos seus direitos no campo como também pela articulação das forças da cidade, a partir das lideranças, da militância, dos sindicatos, associações, periferias, moradores das comunidades, das escolas e universitários.
As lideranças do MST costumam falar não apenas da reforma agrária, mas da necessidade da reforma agrária popular...
Para o MST, não há espaço para a reforma agrária clássica, nos padrões neoliberais. O debate sobre a reforma agrária popular é pensar em um desenvolvimento do campo que atende às necessidades dos sem terra, do campesinato em geral, da agricultura familiar camponesa, mas que também contribui para a superação dos problemas da classe trabalhadora urbana.
Alguns elementos como terra e trabalho, produção de alimentos saudáveis (no sentido de termos uma matriz tecnológica da agroecologia sobre a produção de comida), a proteção da natureza, da água, das sementes, da biodiversidade, e nesse programa o desenvolvimento de boas condições de vida para os trabalhadores do campo e da cidade fazem com que possamos dizer que o MST transformou a luta pela reforma agrária em uma luta pela reforma agrária popular.
O movimento se tornou muito popular, com a adesão de políticos, artistas, lideranças populares. O MST é mais pop que o agronegócio?
O MST acabou se tornando muito popular entre as diversas classes sociais, tanto no Brasil quanto no exterior, principalmente porque a sociedade tem esse reconhecimento de que ele é um movimento anticapitalista. Quando o MST faz a ocupação de um latifúndio improdutivo, de uma terra que não cumpre a função social dela de acordo com a Constituição Federal, essa é uma ação completamente real de luta para combater a desigualdade social.
É um movimento que luta pela terra, ocupa a terra improdutiva e dá um novo projeto para essa terra juntamente com trabalhadores até então discriminados pelo modo de produção capitalista na sociedade.
No último período, com o aumento da fome, do desemprego, da miséria, de uma resistência ativa frente às políticas neofascistas do governo conosco e nesse processo de pandemia, a "Parada pela vida" que o MST fez com o plantio de árvores nos territórios (serão 100 milhões nos próximos 10 anos), as ações de solidariedade com comidas para as comunidades, das quentinhas solidárias, todos esses elementos fizeram o MST se transformar um um movimento popular.
O Papa Francisco nos defende nessas ações de solidariedade e isso nos coloca realmente muito diferenciados desse pop do agronegócio, dessa falácia e dessa mentira descarada através da televisão, que promove o tema de quem concentra terras nesse país, de quem ainda tem trabalho escravo análogo, de produção em grandes extensões de latifúndio somente para exportação.
Por trás desse "pop" está todo o tema do desmatamento, da Amazônia, do fogo que destrói, do alto uso de produção de veneno, que contamina as plantações, os mananciais de água e a saúde da população.
O popular, de fato, é o MST, que está muito à frente do 'pop' que é vendido pelo agronegócio.
Como você avalia a conduta de representantes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Rio de Janeiro?
Nesse último período, houve um grande desmonte da pasta, a destruição de políticas públicas e a tentativa de avançar na privatização dos assentamentos através dos programas de titulação que o governo está implementado em diversos locais do país.
A cara do Incra, aqui no Rio de Janeiro, tem um superintendente que vai aos nossos acampamentos e assentamentos com ameaças, inclusive de despejo às famílias. É uma política clara de um superintendente bolsonarista que está lá na ponta diretamente fazendo essa disputa ideológica neofascista, autoritária, que tenta impedir os trabalhadores de se organizarem, de usarem seus símbolos de trabalho e que usa, em nome de Deus. Tanta falácia, mentira, disputa, intriga, discórdias entre os trabalhadores do campo, mas esperamos muito conseguir superar e vencer esse projeto da morte representada pela atual superintendente do Incra no Rio de Janeiro.
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Vamos vencer com luta, com unidade dos trabalhadores do campo para enfrentar essa crise aqui no estado.
Você é pré-candidata a uma vaga como deputada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, a Alerj?
O MST tem avaliado que, diante da conjuntura estadual e nacional que vivemos, há uma necessidade muito grande de colocarmos esforços em todo o processo de campanha para a eleição do Lula, já no primeiro turno.
Fortalecer as bandeiras de luta da classe trabalhadora, fazer a disputa política e ideológica, apresentar um projeto popular para o Brasil, por esses motivos estamos colocando à disposição do Partido dos Trabalhadores os nomes de alguns quadros nossos.
Aqui no Rio de Janeiro, meu nome está indicado para vir como pré-candidata a deputada estadual para me colocar a serviço dessa agenda da mobilização popular, da luta, da manifestação, da necessidade de fazermos uma campanha de eleição do presidente Lula que seja uma campanha com bases na luta de classes, e não na conciliação de classes. Nossa tarefa será organizar comitês populares em diversos espaços da sociedade onde houver trabalhadores e trabalhadoras.
Edição: Mariana Pitasse