O abandono generalizado de terras, por causa de perda de fertilidade, migração ou opções alternativas de subsistência geradas pelo desmatamento, provocou rápido aumento das florestas secundárias, que já ocupam 2,4 milhões de quilômetros quadrados (28%) das áreas florestais nas Américas e na África Ocidental.
Embora os prejuízos decorrentes da perturbação antrópica contra as florestas primárias sejam inestimáveis para a vida no planeta, a resiliência desses ecossistemas tem papel fundamental na conservação da biodiversidade, mitigação das mudanças climáticas e restauração paisagística – tanto que essa capacidade de regeneração natural vem sendo proposta como solução de baixo custo para ajudar no cumprimento das metas do Desenvolvimento Sustentável, das agendas da Década da Restauração de Ecossistemas (2020-2030), da mitigação das mudanças climáticas (COP 26) e da Convenção da Diversidade Biológica (COP 15), propostas pela ONU.
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Contudo essa regeneração natural não é solução mágica para a restauração, revela estudo desdobrado em dois artigos publicados recentemente nas revistas PNAS (Recuperação funcional de florestas secundárias) e Science (Recuperação multidimensional de floresta tropical).
Os artigos são assinados por uma equipe multinacional de pesquisadores, de que faz parte o professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Geraldo Wilson Fernandes.
Ele conta que os resultados de uma década de pesquisas demonstram que a capacidade de regeneração “surpreendentemente rápida” das florestas tropicais pode chegar, em apenas duas décadas, a quase 80% da fertilidade e do estoque de carbono do solo, assim como da diversidade de árvores das florestas maduras.
Entretanto, essa resiliência, presente em todos os biomas, pode variar conforme a intensidade da degradação sofrida, ressalva o professor do Departamento de Ecologia, Genética e Evolução.
“Os danos gerados pelo desmatamento nas áreas de agropecuária são incalculáveis e já conhecidos: redução de água, das culturas, dos alimentos, dos remédios, do oxigênio, elevação da temperatura e da liberação de carbono, entre outros. A consequência é o aumento das doenças e da pobreza”, enumera Geraldo Wilson. “Quanto maior o dano, mais longe fica a floresta original de fornecer propágulos de sementes para a área restaurada.”
A análise considerou os padrões de recuperação dos atributos da floresta relacionados ao solo, ao funcionamento da planta, à estrutura e à diversidade, em 77 paisagens e mais de 2.200 parcelas de florestas na América tropical e subtropical e na África Ocidental (neotrópicos).
“Esses números gigantescos de parcelas florestais tornam nosso estudo bastante robusto. E a metodologia que utilizamos incluiu várias modelagens interessantes e inovadoras”, afirma o professor da UFMG.
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Aspectos sucessionais
Muitos fatores influenciam na capacidade de retorno das florestas à produção original e na oferta dos serviços ecossistêmicos. Esses fatores diferem entre florestas secas e úmidas, e mudam também conforme as florestas vão evoluindo – são os chamados aspectos sucessionais. Isso exige abordagem em escala continental, como a adotada pela equipe de pesquisadores, para melhor compreensão do funcionamento das florestas.
Entre os aspectos sucessionais, o mais importante, segundo Geraldo Fernandes, “é a existência de água, que possibilita a manutenção da capacidade de crescimento da floresta e da fotossíntese, propiciando condições de recuperação tanto para as matas secas quanto para as úmidas”.
Recuperação multidimensional
A hipótese de que os atributos florestais também seriam positivamente correlacionados foi comprovada pela influência da recuperação de uns sobre os outros e da dependência de recuperação simultânea de alguns. Os pesquisadores analisaram como 12 atributos florestais recuperam-se durante o processo natural de regeneração e como eles estão inter-relacionados – por exemplo, a recuperação da biomassa pode facilitar a recuperação do solo.
Dos 12 atributos, três foram destacados como relativamente fáceis de medir: o tamanho máximo da árvore, a variação na estrutura da floresta e a riqueza de espécies. Segundo o professor Dylan Craven, da Universidad Mayor, no Chile, esses são indicadores importantes, que atualmente podem ser medidos por sensoriamento remoto em grande área espacial e temporal, o que contribui para o monitoramento da restauração florestal”, observa.
Um dado salientado pelo autor principal dos artigos, o professor da Universidade de Wageningen (Holanda) Lourens Poorter, no texto publicado pela Science, é que “a velocidade de recuperação difere fortemente entre os atributos da floresta: a recuperação a 90% dos valores da floresta madura é rápida para a fertilidade do solo (ocorre em menos de 10 anos) e para o funcionamento das plantas (ocorre em menos de 25 anos), intermediária para a estrutura e diversidade de espécies (ocorre em 25 a 60 anos) e mais lenta para a biomassa acima do solo e para a composição de espécies (demora mais de 120 anos)”.
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O pesquisador do Centro de Cooperação Internacional em Pesquisa Agronômica para o Desenvolvimento (Cirad) Bruno Hérault, da Costa do Marfim (África), acrescenta que “a regeneração natural não é uma solução mágica, pois exige todo um gradiente de soluções que incluem regeneração natural assistida, agrossilvicultura e até plantações”.
A solução ideal para a recuperação de áreas desmatadas, na avaliação de Héralt, depende das condições locais, da população e de suas necessidades. É, portanto, fundamental, ele enfatiza, a compreensão holística das múltiplas funções do sistema florestal, para informar e projetar políticas eficazes que beneficiem a natureza e as pessoas em escalas locais e globais.