Após 33 anos da morte de Chico Mendes, o município agora discute a inclusão de quintais produtivos
A história do Acre, estado mais ocidental da Amazônia Brasileira, é marcada pela luta popular em defesa do seu território e da floresta.
A partir da década de 1970, acreanas e acreanos tornaram-se referência no mundo com a mobilização de lideranças comunitárias, organizações e movimentos socioambientais em defesa da floresta e de seus habitantes. Lideranças indígenas, seringueiros e extrativistas lutaram para garantir os direitos, os territórios e os recursos naturais dos povos da floresta.
Líder expoente dessa causa, o ambientalista Chico Mendes foi assassinado por fazendeiros que também disputavam o controle do território na cidade de Xapuri, no Acre, em 1988, culminando na criação do conceito de reserva extrativista em homenagem ao ativista, uma nova política de proteção dos direitos de comunidades tradicionais em relação ao uso do território.
Um dos resultados dessa luta foi a composição do atual território do estado, formado por 45,81% de áreas protegidas, como Terras Indígenas demarcadas e Unidades de Conservação de Uso Sustentável (Reservas Extrativistas - Resex, Florestas Estaduais - FE e Áreas de Proteção Ambiental - APA), e também com Unidades de Proteção Integral, como Parque Nacional e Estação Ecológica.
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Após 33 anos da morte de Chico Mendes, o município agora discute a inclusão de quintais produtivos nas políticas de desenvolvimento municipal, como parte de uma estratégia de geração de renda e de segurança alimentar e nutricional.
De acordo com Leide Aquino, secretária de Floresta, Agricultura e Pecuária da Prefeitura Municipal de Xapuri, a proposta é incluir ações de fortalecimento dos "quintais florestais" no Plano Plurianual do município, e garantir o apoio a agricultoras e agricultores familiares na produção de alimentos de qualidade para a população local e do entorno.
"Estamos desenvolvendo uma estratégia da prefeitura de apoio à agroecologia e, a partir de 2022, estaremos com um programa específico para institucionalizar a política agroecológica no município, com o fortalecimento dos quintais florestais", explica Aquino.
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Em parceria com a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), no âmbito da iniciativa Agroecologia nos Municípios, a prefeitura realizou uma série de capacitações junto às agricultoras e aos agricultores e pretende iniciar um mapeamento das atividades de agroecologia no município, especialmente entre mulheres produtoras de alimentos agroecológicos e orgânicos.
"Estamos trabalhando inicialmente com os Polos Agroflorestais e também com algumas comunidades da Reserva Extrativista Chico Mendes. É uma forma de institucionalizar a política agroecológica no município", conta Aquino.
Polo Agroflorestal é uma modalidade de assentamento rural criado no Acre no qual se incentiva a adoção de sistemas de produção que envolve a associação de frutas nativas e espécies florestais, com eventual intercalação de culturas anuais alimentares e ocasional complementação do criatório de animais.
Os polos inseridos no trabalho nesse momento são: Variante, da Estrada da Borracha e da Sibéria. Também participam as comunidades Dois Irmãos e Rio Branco, da Resex Chico Mendes, bem como as moradoras e os moradores do Projeto de Assentamento Extrativista (Equador).
De acordo com Gabriela Souza, consultora estadual da iniciativa Agroecologia nos Municípios, no Acre, as consultoras e consultores estão contribuindo no diálogo com o poder público para formulação de políticas municipais agroecológicas.
"Temos o objetivo de promover, junto às famílias que integram esses polos e às outras comunidades que estão localizadas dentro da Resex Chico Mendes, uma transição agroecológica, potencializando o diálogo entre essas famílias e o poder público, instituições governamentais e não governamentais, entre outros agentes da sociedade civil”, explica a consultora.
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Com isso, a iniciativa visa contribuir com o fortalecimento das práticas agroecológicas e da agricultura familiar, por meio de feiras de transição agroecológica, da pavimentação e/ou aberturas de ramais, do apoio ao escoamento da produção, da criação de identidade visual para os produtos, do acesso ao Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) e ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e da aproximação das famílias ao programa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater).
Para Gabriela Souza, espera-se ainda que o desenvolvimento da iniciativa ajude a consolidar uma integração entre distintos sujeitos sociais, dentro do contexto de incidência política, pautando e promovendo práticas para o fortalecimento das redes de agroecologia nos municípios. “E, com isso, criando de fato uma política pública agroecológica no município”, acredita Souza.
Participação da sociedade civil
Entre os principais atores políticos envolvidos na construção do conhecimento agroecológico no município estão o Sindicato de Trabalhadoras e Trabalhadores Rurais (STTR) de Xapuri e o Fórum de Mulheres Produtoras do Alto Acre, composto pelos municípios de Xapuri, Brasiléia, Epitaciolândia e Assis Brasil.
“O STTR tem sido um espaço onde fazemos a ponte entre a sociedade civil e organizações não governamentais. Ele, inclusive, acabou de iniciar uma nova diretoria, com uma gestão jovem e engajada que vem se colocando à disposição para a construção da agroecologia no município. E as atividades vêm sendo aproveitadas para convidar as mulheres produtoras do município para participarem do Fórum ”, avalia Gabriela Souza.
Todos esses agentes locais participam de um projeto ainda mais articulado com a comunidade, mobilizando, especialmente, agricultoras.
“Vamos utilizar as cadernetas agroecológicas como potente ferramenta política de empoderamento e emancipação das mulheres produtoras do município de Xapuri”, diz a consultora.
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As cadernetas agroecológicas foram pensadas para que mulheres ligadas à agroecologia pudessem registrar todo o seu trabalho no quintal, bem como a sua produção de artesanato, e, assim, conseguissem visualizar e visibilizar o trabalho que realizam diariamente.
Há expectativa de que as cadernetas possam estimular novas ações no município, envolvendo os atuais parceiros. A princípio, está sendo elaborado um projeto, com o apoio e financiamento da Secretaria Municipal de Agricultura e Floresta, para promover as cadernetas entre as agricultoras, inicialmente por 12 meses, com a possibilidade de ampliação para mais um ano, totalizando 24 meses (anos de 2022 e 2023) de projeto.
*Acompanhe a coluna Agroecologia e Democracia. A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) é um espaço de diálogo e convergência entre movimentos, redes e organizações da sociedade civil brasileira engajadas em iniciativas de promoção da agroecologia, de fortalecimento da produção familiar e de construção de alternativas sustentáveis de sistemas alimentares. Leia outros artigos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Leandro Melito