2022

Os desafios dos movimentos populares: manter-se nas ruas e derrotar Bolsonaro nas urnas

Volta às aulas presenciais e retomada das ocupações de terra devem fortalecer esquerda em ano decisivo

Brasil de Fato | Recife (PE) |
Carnaval é incerto, mas movimentos têm expectativa de superar a pandemia e manter mobilizações de rua
Carnaval é incerto, mas movimentos têm expectativa de superar a pandemia e manter mobilizações de rua - Rafael Bandeira

O ano de 2021 já se anunciava muito duro. Cortes do Auxílio Emergencial deixaram milhões de pessoas em situação de extrema pobreza, desempregados e com fome. Mas os movimentos populares conseguiram avanços importantes, principalmente com a vitória da vacinação gratuita e massiva, a retomada dos protestos de rua, a volta dos direitos políticos do ex-presidente Lula e a importante vitória “ideológica” sobre o bolsonarismo, que gradualmente volta a ser minoria na sociedade brasileira. Mas quais os desafios que se desenham para 2022? Quais as metas prioritárias dos movimentos sociais?

Entre os cinco dirigentes de movimentos que o Brasil de Fato Pernambuco entrevistou, três destacam a vitória nas eleições do próximo mês de outubro como meta central para o ano. “É o principal objetivo de 2022: derrotar eleitoralmente Bolsonaro. Ideologicamente já o derrotamos, mas ele ainda tem força eleitoral”, diz Jaime Amorim, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Pernambuco.

“Esperamos que com a unidade do povo, sob a liderança de Lula, possamos retomar o governo para implementar um projeto estratégico e popular para o país”, diz o histórico líder sem terra.

Vitória Genuíno, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) em Pernambuco, não chega a mencionar o nome de Lula, mas reforça a importância da vitória contra o bolsonarismo. “Precisamos garantir a eleição de um governo democrático e a derrubada não só do governo Bolsonaro, mas do bolsonarismo”, diz ela, destacando a importância de, no estado, reeleger o mandato coletivo Juntas Codeputadas (PSOL), que tem a militante sem teto Jô Cavalcanti entre co-deputadas.

“Reelegê-las é afirmar a importância de ter movimentos ocupando esses espaços institucionais”, diz Genuíno – que reforça a continuidade dos debates do direito à moradia e da segurança alimentar.

Já o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) de Pernambuco, professor Paulo Rocha, acredita que a eleição tende a ser reflexo do que for construído nos meses anteriores. “Temos a luta contra uma nova reforma trabalhista e a reforma administrativa. Precisamos seguir lutando por distribuição de renda justa e por serviços públicos para todos. E temos que organizar a classe trabalhadora e manter nossas mobilizações com o movimento sindical”, pontua ele. “Acho que tudo isso vai fortalecer o processo eleitoral”, completa.

Rocha vê a necessidade de as organizações populares conseguirem “conjugar ambas”: mobilização social e luta eleitoral. “As duas coisas estão articuladas: a eleição sozinha não vai resolver e nem a mobilização social, sozinha, não resolve. Precisamos de um governo que olhe para os desafios da classe trabalhadora".


Lula e Jaime Amorim em visita do ex-presidente ao assentamento Che Guevara, na região metropolitana do Recife / Ricardo Stuckert

Jaime Amorim, do MST, vislumbra o pós-eleição do atual presidente da República. “Bolsonaro voltará para o lugar de onde nunca deveria ter saído, voltará a ser insignificante. E o povo brasileiro vai voltar a sorrir, ter altivez, voltar a sonhar, olhar para frente. Com um governo que dê prioridade à classe trabalhadora”, torce o dirigente.

“Na eleição de 2022 podemos aprofundar esse desgaste em que já estamos, ou podemos começar a retomada do Brasil que nós queremos”, completa Paulo Rocha.

Mas os dirigentes não se iludem com os números apontados pelas pesquisas eleitorais: o caminho até dezembro será difícil. “Existe uma perspectiva preocupante para todos que constroem as lutas”, diz Vitória Genuíno. Ela espera um ambiente hostil e, portanto, um grande desafio é manter a unidade das forças populares. “Temos que fortalecer as frentes unificadas, construir um outro ambiente para enfrentar os desafios de 2022”, avalia.

Mobilização das bases: universidades, sindicatos e periferias

Ainda vislumbrando a ampliação da mobilização social, a estudante Isa Gabriela, diretora da União Nacional dos Estudantes (UNE), considera positiva a perspectiva de volta das aulas presenciais nas universidades públicas do estado. “Temos o desafio de reconstruir o movimento estudantil, que perdeu força nesse último período. Precisamos dialogar com os estudantes sobre a importância de estarmos organizados para construir as lutas no próximo período”, diz ela.

A líder estudantil, que é também militante do Levante Popular da Juventude, já aponta duas lutas prioritárias para os estudantes brasileiros. “Já está colocado um debate sobre a revisão da Lei de Cotas, tanto as raciais como as sociais. Precisamos estar com os movimentos negros nessa luta”, diz Gabriela.

A diretora da UNE menciona ainda a necessidade de garantir orçamento público para o funcionamento das instituições de ensino superior, já desde 2016 o Ministério da Educação tem cortado recursos. “Esses cortes comprometem o funcionamento das universidades e prejudicam a pesquisa”, diz Isa, adicionando a necessidade de revogar a Emenda Constitucional 95 (de 2016, que criou o “teto de gastos”). “É uma luta que o conjunto da sociedade precisa encampar”, avalia.


Na UFPE a perspectiva é de retorno presencial perto de 100% é para fevereiro de 2022 / Foto: Divulgação

Assim como os estudantes, as militantes da Marcha Mundial de Mulheres apontam a necessidade de estar ainda mais enraizadas em suas bases. “Queremos estar mais próximas delas, fortalecendo as hortas comunitárias e ajudando a construir seus próprios negócios para gerar renda”, diz Fernanda Rêgo, dirigente da Marcha.

Apesar de reconhecer que os últimos anos da classe trabalhadora brasileira foram de mais “defensiva” do que “ofensiva”, Paulo Rocha já se prepara para a mudança de cenário. “Temos jornada de 44 horas semanais, enquanto parte do mundo tem 36 horas, alguns dias até com apenas quatro dias úteis. Isso gera mais empregos e vida digna. A tecnologia garante produtividade suficiente para trabalharmos menos tempo”, diz o presidente da CUT Pernambuco. “Precisamos diminuir a jornada de trabalho, para gerar mais empregos. E precisamos de empregos de melhor qualidade”, avalia.

A volta das ocupações e as matas a reconstruir

O MST também visualiza um ano com volta das ocupações de terra, com destaque para as jornadas do “abril vermelho”. “O desafio é ter o povo mobilizado novamente para fazer as ocupações, mesmo sem o Incra para fazer a reforma agrária. Tenho certeza que em abril vamos retomar isso”, diz Amorim. “Nos tornamos referência e temos uma responsabilidade com a sociedade”, completa ele.

Jaime lembra que o empobrecimento aumentou o número de famílias sem terra ou teto. “A reforma agrária é talvez a principal alternativa para o povo ter trabalho e ter o que comer e onde viver”, diz ele, apontando ganhos para as cidades grandes e para o interior. “O povo na rua e nas terras, cobrando reforma agrária, nos dá expectativa de que o governo cumpra aquilo que determina a Constituição brasileira.

Uma das bandeiras do MST nos últimos três anos tem sido a do replantio de árvores nativas. O movimento tem a meta de plantar 100 milhões de árvores em 10 anos – média de 10 milhões por ano. “As famílias estão bem comprometidas com essa ideia. Enquanto Bolsonaro queima e destrói, nós vamos plantar e preservar. Temos que vencer esse debate ambiental”, diz Amorim, confiante. “Vamos apresentar alternativas para que os governos e a sociedade cumpram, para evitar o mal maior”, diz o dirigente sem terra.


Em 2019 o MST definiu como meta plantar 100 milhões de árvores em 10 anos / Comunicação/MST

Engajar a sociedade nesse quesito também é um desafio. “O conjunto da sociedade tem responsabilidade sobre o meio ambiente. Mesmo quando o governo é contra, nós temos que fazer nossa tarefa. E precisamos convencer a sociedade a também plantar uma árvore, fazer uma horta, consumir alimentos orgânicos”, diz ele.

“É um projeto de sociedade que vamos construindo independente do governo”, completa. A reforma agrária e a agricultura familiar também são um ganho ambiental, se comparado ao latifúndio. “A monocultura do agronegócio não é boa para a sociedade, apenas para os donos, que envenenam as pessoas e contaminam o meio ambiente”, pontua Amorim.

Os entraves: a força da burguesia e miséria da população

O presidente da CUT Pernambuco vê os trabalhadores enfraquecidos pelas transformações deste período histórico. “São transformações violentas, em que se somam o desenvolvimento tecnológico, a ganância do patronato e a pandemia. Uma grande parcela da população está passando fome, outra passou a trabalhar mais para ganhar menos. São desafios enormes”, lamenta.

Diante das lutas que se desenham para 2022, ele menciona as estruturas que a burguesia possui para combater esses trabalhadores. “É o poder econômico que está em todos os espaços e instituições: na imprensa, nos governos estaduais – o federal nem se fala. Todos apoiam a retirada de direitos. Nossas lutas afetam quem lucra com a exploração do trabalho". Ele torce para que o debate eleitoral de 2022 traga o tema da taxação de grandes fortunas. “Um governo progressista será receptivo a esse debate, mas um governo de direita não”, prevê.

Já para o movimento estudantil, a retomada das mobilizações nas universidades encontrará um cenário delicado de adoecimento psíquico e emocional da juventude, somado ao empobrecimento de suas famílias. “O tempo de reclusão, pouca sociabilidade e precarização nas condições de vida adoeceram nossa juventude. Precisamos fazer essa retomada de maneira afetuosa e sadia”, diz Isa Gabriela. A estudante reforça o empobrecimento como elemento que atingiu amplamente a juventude. “A vida concreta impõe a necessidade de priorizar o emprego e a renda para sustentar seus núcleos familiares”, completa.

Para a militante da Marcha Mundial das Mulheres, Fernanda Rêgo, a precariedade em que vivem as mulheres da periferia também é um elemento dificultador. “É difícil até ter um ponto de apoio, um local físico para atuarmos nas comunidades”. E se essas mulheres dedicam uma tarde à organização política, elas estão deixando de garantir o sustento da casa. Esse também é um desafio do movimento. “Precisamos sempre de alimentação. A falta dessas coisas dificulta a nossa atuação”, explica Rêgo.

Para quem atua com pessoas sem teto, a piora das condições de vida do povo também cria dificuldades. “O empobrecimento cada vez maior da população cria um cenário desfavorável para o debate da política de forma mais saudável”, diz Vitória Genuíno. “O desemprego, a fome e os ataques ao povo negro e aos trabalhadores informais se colocam como demandas urgentes aos movimentos sociais”, completa.

O dirigente do MST coloca como grande desafio da esquerda criar um movimento de massas para a eleição de Lula, mas que não se encerre nela. “Não pode achar que vamos ganhar as eleições só nas redes sociais – elas são importantes, mas lá ainda perdemos para a extrema direita. Temos que disputar no meio do povo e garantir legitimidade para o que o governo fizer pela frente”, diz Jaime Amorim. “Precisamos recuperar no povo brasileiro a capacidade de sonhar”.

Fonte: BdF Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga