É muito bom ser catadora, é um orgulho
Elas são 21 mulheres de diferentes cidades do Brasil. Todas catadoras de materiais recicláveis. Em sua maioria mães solo, negras, e sobreviventes de violência doméstica e de uma crise econômica sem precedentes.
As histórias comuns de vulnerabilidade social durante a pandemia foram transformadas por estas mulheres em narrativas inspiradoras. Tudo foi reunido no livro “Quarentena da resistência”.
"Antes eu não sabia ler e nem escrever. Então através desse trabalho de catadora, desse projeto que saiu da resistência, foi que eu aprendi", relembra Maria das Dores Pereira Primo, que atua na Cooperpires, em Ribeirão Pires (SP), na região do ABC Paulista.
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A obra faz parte de um projeto realizado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em parceria com o Ministério Público do Trabalho (MPT).A iniciativa contou com encontros semanais virtuais no ano de 2020, ao longo de sete meses.
"Cada uma contava um pouco da sua história, que era a sua vida, como é a vida de catadora, é como que os moradores recebem a gente, entendeu? E aí foi indo, depois de três meses, a gente ficou sabendo que nós estava escrevendo um um livro", conta a trabalhadora.
Cada uma das 21 catadoras recebeu uma bolsa de estudos mensal no valor de 385 reais, além de cestas básicas para a segurança nutricional de suas famílias.
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Quarto de despejo e a inspiração em Carolina
Para Thaís Dumêt Faria, oficial técnica da Organização Internacional do Trabalho para a América Latina e Caribe, a escrita e publicação do livro pelas trabalhadoras é um ato revolucionário.
"Foi um processo de resistir à crise que abalou uma situação que já era crítica e resistir com força, resistir a partir da sua própria história, a partir da sua própria memória buscar forças para ressignificar esse período e ressignificar também as potencialidades do futuro", aponta.
Nos encontros, a inspiração para produzir o livro veio a partir da leitura e debate de Quarto de Despejo, a grande obra de Carolina Maria de Jesus, lançada em 1960.
Para Maria da Dores, as semelhanças com a célebre catadora são muitas, entre elas os obstáculos para vencer a fome.
"Chegou uma época em que eu até pra temperar a comida era o pessoal que me dava no açougue, a gordura de boi, aquelas gordurinhas que sobravam. Eu ia, pedia, eles doavam pra mim. Então eu acho que foi uma coisa assim que é muito parecida com a dela", relembra a trabalhadora.
"Hoje eu me espelho nela, sabe? Assim em tudo. No sofrimento que ela passou, no que ela lutou, no que ela venceu. Então tudo isso eu vejo hoje em mim", completa.
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Oficina de poesias
Mas o projeto não se encerra com o livro recém publicado. No momento, as trabalhadoras participam de Oficinas de Poesia com Elisa Lucinda e Geovana Pires.
A turma já conta com novas alunas, como Maria das Dores Moreira da Silva, a Dorinha, de 74 anos. Assim como sua xará, ela também é trabalhadora da Cooperpires, na região do ABC Paulista.
Olha depois dessa pandemia, a gente, todos aprendemos que vale a pena viver. É muito bom ser catadora, é um orgulho, eu me orgulho hoje de ser uma catadora.
"Podem chamar de lixo, mas é um trabalho digno, um trabalho honesto e um sustento para nossa família de catadores e catadoras. Por isso que é bom, é muito bom", enfatiza Dorinha.
Edição: Letícia Viola