LUTO

Morre bell hooks, escritora e um dos maiores nomes do feminismo negro

A informação foi confirmada por sua família ao jornal local Lexington Herald-Leader. Ela tinha 69 anos

Belém (PA) |

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No livro "Ensinando a Transgredir", a autora fala da sua relação com a obra de Paulo Freire e como ela se abriu para o mundo a partir disso. - Divulgação

A escritora e ativista do feminismo negro bell hooks morreu nesta quarta-feira (15), em Berea, no estado de Kentucky, nos Estados Unidos. A morte de hooks foi confirmada pela família da autora ao jornal local Lexington Herald-Leader. Em nota, eles afirmam que ela estava cercada de pessoas próximas em seus últimos momentos de vida. 

“A autora, professora, crítica e feminista fez sua passagem cedo, de casa, rodeada de familiares e amigos”, dizia a comunicado.

A professora Claudia de la Cruz, membro do People's Forum e da Alba Movimentos, é uma das militantes do movimento negro estadunidnense que lamenta a perda.

"É uma perda significativa para os movimentos sociais e para as mulheres negras organizadas nos Estados Unidos, já que usamos suas contribuições ajudam a orientar nossos trabalhos. bell hooks é uma referência para muitos e muitas que lutam por justiça nos Estados Unidos e no mundo", comenta.

A escritora publicou seu primeiro livro de poemas "And There We Wept" sob seu pseudônimo em 1978. Depois, escreveu 40 livros que foram traduzidos para 15 idiomas diferentes. Os temas tratados por ela eram feminismo, racismo, cultura, política, papéis de gênero, amor e espiritualidade.

Para Joyce Cursino, mulher preta e militante do feminismo negro diz que a autora parte, mas deixa um legado infinito de muitas revoluções.

"bell é uma revolucionária da educação. Ela tinham uma escrita poética, mas também era uma uma escrita didática, histórica, que apontava fatos e argumentos para as nossas dores e também caminhos. Ela falava de amor na sua escrita e uma mulher negra falando de amor, usando o amor em seus textos é muito revolucionário, porque nós não somos incentivadas a nos amar, ao contrário disso existe um auto-ódio, uma disputa e ela vem falar sobre a importância desse tipo de sentimento, que nos torna humanos também enquanto pessoas pretas".

bell hooks foi influenciada pelo movimento netro de liberação dos anos 60 e 70 nos Estados Unidos, com o surgimento do Black Panthers Party (Partido Panteras Negras), apesar das proximidades com o momento atual, para a educadora popular Claudia de la Cruz, há diferenças importantes entre o movimento os Panteras Negras e o movimento Black Lives Matter.

"Podemos estabelecer alguns paralelos entre os anos 70 e a condição atual da classe trabalhadora nos Estados Unidos, inclusive atualmente há mais riqueza e mais desigualdade e miséria. No entanto, o  movimento Black Lives Matter surge de maneira muito distinta aos Panteras Negras.  Ainda que teve muita ressonância pela reafirmação do valor da vida negra, não é necessariamente um projeto político que entenda que o racismo é parte integral do sistema econômico capitalista", analisa.

Flávia Ribeiro, que também é militante do feminismo negro lembra que seu primeiro contato com a autora foi com um texto chamado "Vivendo de amor", no qual ela começa e termina com a mesma frase: o amor cura. 

"Ela vai falando ao longo do texto de todo o impacto do amor e da falta do amor na vida das mulheres negras e não só o amor romântico, não só o amor afetivo, sexual não é só isso. É de amor e de como isso nos impacta desde a escravização das pessoas negras. E esse texto eu gosto muito porque eu o li em uma fase em que eu estava de fato cheia de questionamentos sobre o amor".

A militante diz ainda que a autora, sem dúvida, continuará influenciando gerações.

O legado de Glória Watchkins

Apesar de mundialmente reconhecida como bell hooks, a autora se chamava Glória Watchkins. A adoção do nome foi na verdade uma homenagem a sua bisavó que se chamava Bell Blair Hooks e era uma mulher indígena. Além disso, a autora escrevia seu nome com letras minúscula, porque para ela o mais importante em seus livros era a substância e não quem ela era. Para ela, nomes, títulos, nada disso tem tanto valor quanto as ideias.

Além de honrar os antepassados e servir de inspiração para as mulheres de todo o mundo, a autora americana também falou da importância de Paulo Freire para a sua literatura. No livro "Ensinando a Transgredir", ela conta como se abriu para o mundo a partir do contato com a obra de Freire, um dos maiores intelectuais brasileiros. 

"Quando a educação é prática da liberdade, os alunos não são os únicos chamados a partilhar, a confessar. A pedagogia engajada não busca simplesmente fortalecer e capacitar alunos. Toda sala de aula em que for aplicado o modelo holístico de aprendizado será também um local de crescimento para o professor que será fortalecido e capacitado por todo esse processo", escreve a autora em Ensinando a Transgredir. 

A perspectiva freiriana de educação se faz presente em diversos textos de bell hooks. A autora também teceu críticas a ideia de que a intelectualidade é sempre separada, distante da realidade da sociedade.

"Ler Bell Hooks significou para muitos de nós a introdução a outros autores que ela menciona.
Por exemplo, ler o livro "Aprendendo a transgressar", escrito por ela, é ver também sua influência de Paulo Freire no processo de desconstruir a pedagogia à favor do capital", comenta Claudia de la Cruz, militante do People's Forum.

Veja a despedida de alguns artistas:



 

 

 

**Com colaboração de Caio Maia, Gabriela Moncau, Michelle Melo e Nara Lacerda.

Edição: Anelize Moreira