Coluna

A roleta de 210 milhões de vidas

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'Vaca Magra': artista Marcia Pinheiro realizou uma intervenção no centro de São Paulo, no lugar onde ficava o touro de outo da B3 - Reprodução/Instagram @marciapinheiroficial
A crise econômica veio para ficar, apesar da realidade paralela de Paulo Guedes

Olá! Bolsonaro tenta controlar as instituições, mas é incapaz de controlar a pandemia e a economia. Os juros sobem, a inflação segue e o mercado faz suas apostas para 2022.

 

.Rebimboca da parafuseta. Os eventos da semana só confirmaram o que já se sabia: a crise econômica veio para ficar, apesar da realidade paralela de Paulo Guedes. O setor financeiro já espera uma inflação acima de 5% ano que vem, mesmo com a nova onda de alta nos juros, que deve esfriar ainda mais a atividade econômica. Enquanto isso, o governo e o Congresso seguem agindo em tom de improviso. No Senado, a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores econômicos vai beneficiar o grande empresariado, mas não resolverá a crise do país. Já a PEC dos Precatórios foi promulgada apenas com a parte consensual do texto e as propostas de alteração feitas pelo Senado serão discutidas novamente pela Câmara. Entre elas a que torna permanente o Auxílio Brasil e a que estabelece 2026 como data limite para o pagamento dos precatórios. O problema é que a solução não agrada nem a gregos nem a troianos, já que o centrão quer o recurso para mais emendas. Mesmo com a PEC o governo reconhece que haverá ainda um rombo de R$ 2,6 bilhões no orçamento, por isso, continuará sendo acusado de fura teto. Quanto ao combate à fome e à miséria, o Auxílio Brasil é um arremedo mal feito. Com um cenário de alto desemprego e inflação da cesta básica, o natal virá junto com fome e com incerteza sobre qualquer tipo de assistência do governo para milhões de brasileiros. Outro arremedo são os combustíveis. Diante da omissão do governo, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou medidas que flexibilizam o repasse dos preços internacionais para o consumidor. Mas mesmo que o projeto não tenha data para ser votado em plenário, Bolsonaro já prometeu que o preço dos combustíveis vai ter uma redução ainda esta semana (?), enquanto Paulo Guedes faz campanha para o mercado sugerindo a privatização da Petrobras em um segundo mandato do capitão. 

.Tá tudo dominado? Bolsonaro é o presidente que menos aprovou projetos no Congresso desde a redemocratização. O que não é necessariamente um problema para alguém que nunca se preocupou em governar, e sim em ampliar seu poder de sua família e aliados. Para isso, está em curso uma operação para transformar o governo no comitê eleitoral. O alvo é o controle de instituições-chave, como a Receita Federal, o Coaf, a Abin e a Polícia Federal. O superintendente da PF no Rio, Tácio Muzzi, responsável pela investigação das rachadinhas, é o próximo na lista da degola. Isso sem contar, é claro, a PGR, onde o fiel escudeiro Augusto Aras garante os interesses do chefe. E se o projeto do major Vitor Hugo (PSL-GO) avançar na Câmara, o sonho de controle do Estado estará completo, com a formação de uma polícia secreta a serviço pessoal de Bolsonaro. Por hora, felizmente o PL antiterrorismo para criminalizar movimentos sociais sofreu uma importante derrota na Câmara. Mas ainda há percalços no caminho de Bolsonaro: acomodar interesses políticos, resolver os problemas econômicos e ganhar votos. Exemplo do primeiro é que o Republicanos ameaça desembarcar do projeto de reeleição do capitão por ciúmes do PP e da Assembleia de Deus, concorrente da Igreja Universal. O centrão também incomodou-se com o veto de Bolsonaro contra a indicação de Alexandre Baldy (PP), ex-assessor de Doria, na articulação política do Ministério da Economia. E a vaga de vice para 2022, que poderia ser usada para ampliar ou consolidar alianças, pode acabar nas mãos de alguém que Bolsonaro considere suficientemente confiável para não conspirar contra ele. O general Braga Netto tem sido cotado para o cargo, mas desagrada o centrão e até alguns colegas de farda, preocupados com a fraqueza eleitoral de uma chapa militar puro-sangue. A preocupação tem fundamento, pois a chegada ao segundo turno em 2022 ainda não está garantida.

.Siga o dinheiro. Seja quem for que vença as eleições, tomará posse com crise social, faca de juros e dívida no pescoço. Se Bolsonaro mostra pouca habilidade em resolver os  problemas políticos, é na economia que está a sua maior fraqueza. Em primeiro lugar, o mau desempenho das commodities no PIB do terceiro trimestre pode prenunciar um deslocamento político do agronegócio, como indica a própria fala de João Martins, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA). Além disso, o setor financeiro também parece insatisfeito com o desempenho do governo. Segundo o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, o debate econômico tende a ganhar centralidade nas eleições e hoje parece pouco provável que Bolsonaro consiga se reeleger, ainda que a CNI declare seu amor ao capitão. Um executivo entrevistado pela CNN avalia que o mercado está dividido entre os que se decepcionaram com Bolsonaro e os que têm medo de Lula. O perfil de política econômica de cada um dos candidatos é o que preocupa o setor financeiro e parece que, com o agravamento da crise social, a necessidade de uma linha social-liberal é cada vez mais aceita. No entanto, além das origens sociais e da cor vermelha, também preocupa o mercado o fato de Lula não ter apresentado ainda linhas concretas de seu programa econômico para além de alusões vagas a seu segundo mandato. Neste cenário, é certo que a Faria Lima vê a candidatura Moro como uma alternativa, especialmente depois que se aventou que o ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore seria ministro da Economia

.Via de mão única. Se no Condado da Faria Lima Moro já foi eleito príncipe herdeiro, na República Federativa do Brasil apenas 11% da população tem intenção em votar no ex-ministro de Bolsonaro, insuficiente para chegar ao segundo turno. Na prática, a candidatura Moro não saiu do lugar mas, principalmente, ostenta 61% de rejeição. Além disso, a cambaleante terceira via tem, no máximo, trocado eleitores entre Moro, Doria e Ciro Gomes. Para qualquer uma delas se viabilizar é preciso que Jair Bolsonaro derreta e, apesar de sua rejeição chegar a 64% do eleitorado, suas intenções de voto continuam estáveis. Daí a estratégia de Moro em buscar fissuras dentro da base bolsonarista, sejam evangélicos, sejam militares. Paradoxalmente, Doria e Moro também precisam se diferenciar de Bolsonaro, o que é muito difícil considerando o apoio de ambos na eleição de 2018 e principalmente a presença bolsonarista nas próprias fileiras. Ainda no caso de Moro, a insistência monotemática no tema da corrupção não apenas não dialoga com o eleitor mais pobre, mais interessado em saídas para a economia, como ainda expõe o autoritarismo e a fragilidade do ex-juiz. A proposta de criar um supremo tribunal para tratar da corrupção foi vista não apenas como uma afronta ao STF, como também “indica uma indisfarçável vontade de mexer nas instituições e montar em torno dele, se eleito, um Estado policial”, sentencia Helena Chagas.

.Lulá Lá? Ainda não. O maior ganhador com os últimos resultados da pesquisa Quaest continua sendo Lula, que venceria de qualquer concorrente no segundo turno e até mesmo poderia vencer no primeiro turno em um dos cenários. Além disso, analistas de diferentes institutos de pesquisa concordam que a eleição será o julgamento da atuação do governo, a economia a questão central, e a fome e miséria voltando a ser, desde 2002, uma das maiores preocupações. Neste quesito, a memória positiva da economia nos anos Lula também joga a favor do ex-presidente. Mas o pesquisador Marcos Coimbra, do Vox Populli, é mais comedido. Segundo este instituto, 63% da população não está interessada nas eleições neste momento. Uma ideia que é comprovada pela Quaest, que verificou que apenas 41% dos eleitores estão atentos ao debate. Além disso, lembra Coimbra, um cenário mais consistente só será capturado pelas pesquisas quando retornarem as enquetes presenciais e não apenas por telefone ou computador. Coimbra confirma ainda que Moro é um candidato fraco, e que de 2002 para cá, Lula nunca teve menos do que 40% das intenções estimuladas de voto no primeiro turno. Nada disso autoriza Lula a fazer a volta olímpica com um ano de antecedência. Sempre lembrando que depois da batalha das eleições, virão as batalhas da posse e da governabilidade. Neste último ponto é que a direção do PT aposta na aproximação com Geraldo Alckmin, como vice ou não, tirando o futuro ex-tucano da equação das negociações com o PSB, que avança na formação de uma federação partidária, mas recua nos acordos regionais.

.Braço mole, mão amiga. A posição do general Heleno na demarcação das terras indígenas da Raposa Terra do Sol o levou para a geladeira nos governos petistas. Na época, Heleno defendia que as terras permanecessem com o agronegócio e a mineração. Agora, à frente do Gabinete de Segurança Institucional, o general autorizou sete projetos de garimpo de ouro na região de São Gabriel da Cachoeira, área praticamente intocada na Amazônia e que concentra 23 etnias. Além destes, há outras 74 autorizações para mineração na região de fronteira da Amazônia e só neste ano, já foram concedidas 45 liberações, número recorde. O Ministério Público Federal suspeita que os atos são a preparação para uma liberação maior e mais abrangente do garimpo em terras indígenas. E as consequência são, literalmente, visíveis. Um vídeo divulgado pelo Rainforest Investigations Network do Pulitzer Center mostra um território desmatado pelo garimpo do tamanho de dois parques do Ibirapuera na terra indígena Sai-Cinza, em Jacareacanga (PA). Os povos indígenas não são as únicas vítimas, o governo também pretende entregar áreas de reforma agrária para a mineração. Até a absurda proposta de considerar garimpeiros e grileiros como “povos tradicionais” circula no governo. E o rastro de destruição não é apenas ambiental: os vinte municípios amazônicos que mais desmataram desde 2018 são também os mais violentos e têm os piores índices de saúde, educação, entre outros. Mas a preocupação das forças armadas, como na ditadura, continua sendo com o “inimigo interno”. O The Intercept revelou simulações do exército para combater movimentos populares e organizações populares, com referências infantis ao PT e ao MST.

.A Hora do Pesadelo 2. Seiscentas mil vidas perdidas e uma CPI não foram suficientes para que o governo aprendesse qualquer coisa com a pandemia. Diante dos perigos reais e imediatos de uma nova onda promovida pela variante ômicron, a escolha de Bolsonaro é insistir no discurso que despreza a saúde pública, mas faz eco no universo paralelo dos seus seguidores. A Europa é o novo epicentro da pandemia, com crescimento em 28 dos 51 países e o número de casos crescendo 18% em duas semanas. No Brasil, o número de mortos se concentra entre os não-vacinados. A conclusão é óbvia: com ampliação da cobertura vacinal e a restrição aos não-vacinados é possível conter a nova variante. Mas o governo faz exatamente o contrário: Bolsonaro impediu uma reunião da Anvisa e, na sequência, anunciou que não exigirá passaporte vacinal para estrangeiros e nem incentivará a vacinação no país. Marcelo Queiroga, o “Paulo Guedes da saúde”, descolado da realidade, bajulou e seguiu o chefe para ficar com o cargo. As boas vindas do governo à ômicron não se limitam às regras frouxas de controle. A luta incansável dos trabalhadores e trabalhadoras do SUS não esconde que o sistema de saúde brasileiro vive um apagão graças aos usos políticos da pandemia. O Ministério da Saúde, por exemplo, impôs uma mudança burocrática da forma de registro dos casos leves da covid-19 que, praticamente, omite os registros que permitiriam entender a transmissão e traçar estratégias. Enquanto isso, segundo levantamento do Repórter Brasil, as TVs de conteúdo religioso receberam, somadas, sete vezes mais anúncios do Ministério sobre a pandemia.

 

.Ponto Final: nossas recomendações.

.O capitalismo financeirizado morde seu próprio rabo. Michael Roberts escreve sobre as previsões eminentes de uma quebra da economia global enquanto os Estados sustentarem as corporações.

.Os 10% mais ricos com 76% do patrimônio do planeta, o retrato da desigualdade na pandemia. Relatório do World Inequality Lab demonstra como a pandemia acentuou a desigualdade Global e como os ricos ganham  30 vezes mais do que a base de 50% mais pobres no Brasil.

.“O trabalhador inserido na uberização está longe de achar que a moto dele é uma microempresa”. Pesquisadora da precarização do trabalho, Ludmila Costhek Abílio explica como a uberização é também um mecanismo de controle e da oferta de trabalho.

.A era da comida barata acabou. José Eustáquio Alves explica como a crise ambiental e energética encarece os preços dos alimentos neste século.

.Livro Direitos Humanos no Brasil em 2021. Baixe aqui a publicação da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos que reuniu 46 autores e 32 artigos para abranger todos os casos de violações dos direitos neste ano.

 

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Ponto é editado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Vivian Virissimo