As ações do prefeito Sebastião Mello (MDB) e da maioria dos componentes da Câmara Municipal de Porto Alegre, retirando as isenções no sistema de transporte público, inclusive o corte dos dias de passe livre em vigor desde 1989, quando Olívio Dutra (PT) assumiu a prefeitura, culminando no processo de desestatização da Companhia Carris, mostram uma visão privatista que predomina na atual gestão da capital gaúcha.
Esta posição contraria diretamente o artigo 6º da Constituição onde o transporte público é reconhecido como um dos direitos da população assim como o trabalho, a educação e a saúde.
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O secretário de Mobilidade Urbana de Porto Alegre, Luiz Fernando Zachia, afirmou que as prefeituras têm “obrigatoriedade de colocar transporte de qualidade à disposição da população”, mas não cogita a possibilidade da gratuidade.
Ele entende, assim como a oposição, que o sistema está em crise e que para ser salvo precisa de subsídios que, no seu entender deveriam ser federais uma vez que a isenção de tarifas para os idosos com mais de 65 é determinação de lei nacional. “É justo que o governo pague essas isenções”, diz Zachia.
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Ele, ao mesmo tempo afirma que se isso não for feito para a renovação da frota, mesmo com o aumento tarifário esperado para fevereiro, o sistema – no caso representado pela ATP – estará quebrado ao final de 2022.
Transporte é direito constitucional
Especialista em mobilidade urbana, o advogado Mauri Cruz, que foi presidente da EPTC durante o mandato de Olívio Dutra na prefeitura e diretor do DAER durante o governo do estado, afirma que a concepção sobre este serviço essencial que é o transporte publico deve ser diferente.
“Deve ser encarado como um dos direitos do cidadão, e, se ainda não se tinha legislação que desse apoio, isso já existe desde a aprovação da emenda proposta pela deputada federal Luiza Erundina (PSOL) que incluiu o transporte no artigo 6º da Constituição, como um dos direitos do cidadão brasileiro”. Mauri entende que isso pode garantir propostas como a da tarifa zero, se cobrando mais impostos aos ricos para subsidiar o transporte a todos. “Nós defendemos o Sistema Único de Transporte (SUM), como se fosse um SUS dos transportes, com recursos federais, estaduais e municipais e também com a gestão tripartite e com controle público através de conselhos.
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Em parte, Cruz concorda com Zachia, para ele a crise do sistema atual é real, mas a alternativa para a superação é diferente: "precisamos pensar seriamente na tarifa zero e não no ganho das empresas como o eixo fundamental do sistema”.
Ele entende que a operação pode ser pública ou privada, desde que tenha controle público, mas a manutenção não deve vir das tarifas e sim do custeio do transporte através do pagamento por quilômetro rodado para as empresas, no caso de privadas. Como fonte de recursos ele defende a taxação das grandes fortunas, ou a cobrança de um passe livre mensal para quem pode pagar, ou até mesmo o acréscimo de uma pequena taxa ao IPVA de quem tem veículos.
A falência do sistema
Para o metroviário Edson Ferreira dos Santos, que foi diretor comercial da Trensurb durante o governo da presidenta Dilma Rousseff, também existe uma crise real e o transporte público deve ser operado por empresas públicas.
“No entanto a crise não é de agora: este sistema que existe nos grandes centros urbanos foi estruturado para o processo de urbanização do Brasil a partir de 1930 e foi criado com o objetivo de dar conta do problema para uma urbanização rápida e desordenada que as grandes cidades sofreram no decorrer deste processo no século XX.”
A crise atual, segundo Edson, chegou a este patamar graças ao grave processo de desindustrialização implantado no país desde 2016. Além disso, a oferta do transporte é feita a população unicamente com o objetivo de renda para os permissionários.
Conforme ele, este sistema que funcionou desde 1930, colapsou com a desindustrialização e foi acelerado com a pandemia. Ele contou que a média de passageiros mês do Trensurb era de 6 milhões em 2019 e caiu para pouco mais de 2,5 milhões em 2021.
Para Zachia, os números da crise são parecidos, o número de passageiros mês nos ônibus da Capital eram cerca de 1,2 milhão / dia em 2015, caíram para 850 mil /dia em 2019 e chegaram a 250 mil/dia em 2021. “Agora, com a vacinação e o retorno de muitas atividades já chegou a 530 mil passageiros mês, mas dificilmente retornará aos 850 mil/dia”, afirmou. Ele prevê que a operação deverá ser em torno de 600 mil passageiros dia.
Todos concordam que houve mudanças além da pandemia, os serviços de rua como o de office boy praticamente deixaram de existir com o advento da internet, serviços bancários são agora feitos on-line. Também em 2017, Zachia lembrou que chegaram os aplicativos que retiraram do sistema de ônibus uma soma considerável de passageiros. Mauri Cruz lembrou que o trabalho em casa (Home Office) veio para não mais voltar. “Muitas empresas se deram conta da diminuição de custos e das vantagens para os próprios empregados de trabalharem em suas casas.”
No entanto, Edson Santos lembrou que historicamente o Estado brasileiro é chamado para suportar a falência dos sistemas criados por eles. “Assim foi com os bondes, assim foi com os troleibus, e assim está sendo com os ônibus. Ou seja, depois que falem os sistemas que eles criam, o Estado acaba absorvendo a falência. Em alguns momentos assume ela operando, como foi com a Carris no processo de falência do sistema de bondes.”
O Sistema Único de Mobilidade
Ele entende que, nesse momento, a saída pública não obedece a esta lógica. “A alternativa proposta pelo prefeito de Porto Alegre e os outros prefeitos é que haja maciço investimento público para a manutenção do sistema. Ou seja, a ideia deles é continuar operando privadamente o sistema, porém com um subsídio público para manter a margem de lucro das empresas.”
Zachia reforçou este entendimento, pois para ele a gestão pública é pesada. Ele exemplificou com “a Carris que nos últimos dez anos teve que receber subsídios da prefeitura da ordem de R$ 50 milhões por ano”. Com esta justificativa está sendo desmontada, embora ele concorde que a empresa já foi exemplar e deu lucros por mais de 30 anos.
A procura de alternativas para os sistemas atuais é vista como uma necessidade por todos, até mesmo o secretário Zachia entende que a população deva discutir as alternativas. Um sistema de serviço público e tarifa zero é o almejado. Para Mauri, o espelho é o SUS, que apesar do atual governo, já estruturado antes, está dando conta de conter a pandemia.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko