Antônio Martins Vilas Boas, o primeiro evangélico do Supremo, foi escolhido por sua competência
*Ariovaldo Ramos, Nilza Valeria Zacarias e apoio de Lyndon Santos
"Nunca os evangélicos chegaram tão longe no país. Finalmente Chegamos lá". Essas são as palavras do André Mendonça, advogado, ex-ministro da Justiça do Governo Bolsonaro e pastor presbiteriano, após a sabatina no Senado Federal, onde obteve a aprovação em uma votação apertada, cumprindo o protocolo da indicação do presidente Jair Bolsonaro para a substituição de Marco Aurélio de Mello.
Mas, a pergunta que fica é: quem chegou lá?
Em poucos dias, André Mendonça será o terrivelmente ministro evangélico prometido por Bolsonaro aos crentes de todos o país. A ideia construída pelo presidente para agradar um grupo religioso que ele faz parecer um grupo hegemônico da necessidade de um ministro evangélico no STF é, como em tudo que ele faz e diz, mais uma mentira.
Mentira de Bolsonaro e mentira de André Mendonça. E podemos dizer que é mentira, também dos senadores que votaram na indicação presidencial, além de mentira dos pastores e líderes (religiosos e políticos) que foram pedir apoio aos senadores para a aprovação do nome de Mendonça.
O pastor presbiteriano, que durante a sabatina, respondeu ser favorável ao porte de armas, em franco apoio à violência miliciana defendida pelo Planalto, desconsiderando a Bíblia que lê todos os dias, como os bons crentes fazem, que defende a vida e o direito à ampla defesa – como fez Jesus com a mulher pega em ato de adultério e levada diante dele para ser apedrejada e morta.
Bem, esse pastor fingiu não conhecer a história. Nem da Bíblia, nem dos evangélicos no Brasil, nem do Supremo Tribunal Federal.
Antônio Martins Vilas Boas foi sim, pelo que está registrado, o primeiro ministro evangélico do Supremo Tribunal Federal. Mineiro. Membro da Primeira Igreja Batista em Belo Horizonte, onde era diácono (o que serve) e professor da Escola Bíblica Dominical. Depois de suas atuações como advogado, se tornou juiz do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Isso em 1946.
E ficou nessa posição até 13 de fevereiro de 1957, quando foi nomeado pelo presidente Juscelino Kubitscheck ministro do Supremo Tribunal Federal. Quem discursou em sua posse foi Tancredo Neves. Ah, Juscelino e os mineiros.
E, lá o Doutor Antônio ficou até 1966, quando se aposentou por ter alcançado o limite de idade constitucional. É bom que todos saibam (que nossa voz ecoe longe) que o ministro Antônio Martins Vilas Boas, crente batista, exerceu a presidência da Corte de 9 de março de 1965 até 15 de novembro de 1966.
Como podem apagar uma história dessa?
Talvez porque o ministro Antônio Martins, morto em 1987, não ocupou um lugar tão importante como um lacaio do fascismo tupiniquim que tem provocado fome e morte. Em um país imponente por seu tamanho e relevância, querem nos reduzir a nada, querem apoio de juízes e ministros para que seja possível comprar armas, e não feijão.
Dr. Antônio não foi escolhido por ser evangélico, e sim pela sua competência e consciência jurídica.
Pelo que lemos da bela biografia de Antônio Martins ele não concordaria com nada disso. Ele lia a Bíblia todos os dias e entendia, como entendemos, que não se governa para um grupo. O governo é para um país inteiro. Para todas as pessoas, sejam de que credo for. Não havia jogo. Com certeza o ministro Antônio sabia o que significava sua fé cristã. Em 1957 os evangélicos brasileiros eram uma minoria religiosa, em um país assumidamente católico.
Vemos com assombro que ninguém tenha ido verificar os anais do próprio STF antes de alardear sobre finalmente termos chegado lá. E que os evangélicos nunca chegaram tão longe. Cadê a imprensa que investiga, que pesquisa? Cadê os historiadores que estudam o Judiciário brasileiro. Cadê todo mundo?
Temos a impressão de que Bolsonaro tem nos pautado desde o processo eleitoral. Ele joga suas falácias a partir do cercadinho (preferimos chamar de chiqueirinho) e nos alvoroçamos nas redes sociais, fazemos postagens, fazemos memes, fazemos textos.
Esquecemos, no entanto, que a história está do nosso lado. A história do Brasil é nossa.
Não é a história dos evangélicos no país, ainda que essa história também mostre que já fomos muito melhores do que somos. O Jornal Batista, o veículo de comunicação oficial da Igreja Batista, da qual Antônio fazia parte, não celebra por ser um dos nossos no poder. O jornal o felicita por ter sido escolhido por unanimidade (33 votos, na época), destaca que é um crente fiel e sua competência.
Não pede nada, não bate no peito para dizer que chegamos longe. Dizem da honra que é para ele ocupar tal posição. A nota no Jornal Batista, de 21 de fevereiro de 1957, termina assim: “O Jornal Batista associa-se ao júbilo que o fato proporciona e envia ao ilustre magistrado um apertado abraço felicitativo”. Não era bonito quando os crentes mandavam abraços felicitativos?
A história do Brasil é nossa. É do sangue jorrado no chão dos escravos (fato que o novo ministro quase ignorou na sabatina), é das mulheres, é das crianças que brincavam nas ruas sem risco de morte.
A história do Brasil pode ser a nossa redenção. Olhar para trás, reparar as injustiças do passado, para construir um futuro digno para todo mundo. Não, não vale jogar a história fora, ainda que ela seja repleta de dor. Vale ressignificar cada opressão. Vale trocar as mentiras por verdades. Vale ouvir os diversos pontos de vista.
Lamentável é não podermos contar com o pastor André Mendonça para isso. A Bíblia que ele ignora ensina a dar honra a quem merece honra. E o Dr. Antônio Martins Vilas Boas merecia a honra de ter sido, ao menos, citado. Queira Deus, que em crise de consciência, Antônio vire um espelho para André.
Só para constar – continuaremos gritando que chegamos antes. Chegamos republicamente, e bem. Quem chegou depois, dizendo que chegou antes, chegou usurpando um lugar na história. Como isso é feio para quem se diz cristão.
*Ariovaldo Ramos, pastor batista, coordenador da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. Nilza Valeria Zacarias, jornalista, crente batista, coordenadora da Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito. Lyndon Santos é historiador e pastor congregacional.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Mariana Pitasse