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Abel Ferreira é maior que Jorge Jesus

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Ainda assim, Abel Ferreira não recebe o mesmo tratamento messiânico que a imprensa conferem à Jorge Jesus - Wikimedia Commons
Os resultados conquistados por aqui serviram para supervalorizar sua imagem e seu talento

Por Antônio Kanova e Miguel Stédile

 

A vitória do Palmeiras de Abel Ferreira sobre o Flamengo na final da Libertadores reascendeu a saudade flamenguista por Jorge Jesus. Mas o resultado também serve para repensarmos o tratamento que ambos os times recebem na mídia e, especialmente, os dois treinadores portugueses.

É indiscutível que o Flamengo tem um elenco impressionante, especialmente no meio de campo. Mas a simples junção de astros não significa necessariamente um grande time. Com praticamente este mesmo elenco, o Flamengo patinou nas mãos de Abel Braga, Domènec Torrent, Rogério Ceni e agora Renato.

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Seria essa a prova do brilhantismo de Jorge Jesus? É fato também que o treinador implementou um futebol ofensivo e agressivo, com uma linha de defesa alta, toques rápidos e velocidade, organizando o time em direção ao gol adversário. São características louváveis e negar as conquistas do Flamengo no período seria estupidez. Mas essas opções também dizem muito sobre a mediocridade dos técnicos brasileiros dos grandes times. Mais do que uma suposta genialidade, ele brilhou na paisagem desértica e monótona do nosso atraso técnico.

Os resultados conquistados por aqui serviram para supervalorizar sua imagem e seu talento. O Mister também tem suas teimosias. Que o diga a torcida do Benfica que pede a sua cabeça nesta temporada. E, Jesus pode ter sido ímpar no Brasil mas, na Europa, jamais esteve no primeiro escalão do continente, ao contrário dos seus conterrâneos José Mourinho, Leonardo Jardim, Paulo Fonseca, André Villas Boas, Nuno Espirito Santo e Marco Silva. Todos disputando os campeonatos italianos, francês e inglês. Fora de Portugal, Jorge Jesus treinou apenas o Al-Hilal da Arábia Saudita e o Flamengo.


Final da Libertadores reascendeu a saudade flamenguista por Jorge Jesus / Foto: Alexandre Vidal, Marcelo Cortes & Paula Reis / Flamengo

Neste quesito, Abel Ferreira também treinou apenas o grego PAOK. Porém, Ferreira é um treinador em início de carreira, apenas oito anos, enquanto Jorge Jesus tem três décadas. Há outra diferença gritante. Jesus saiu do Brasil acreditando que era o centro do universo, único responsável por todos os feitos do Flamengo. E alguns torcedores ainda acreditam nisso. Abel Ferreira sempre se colocou como parte de um conjunto, frequentemente compartilhando os méritos com sua equipe técnica e com os jogadores. Quando conquistou a Libertadores com o Palmeiras pela primeira vez, agradeceu ao seu antecessor, Wanderley Luxemburgo, e até ao adversário das semifinais, Marcelo Gallardo.

O Palmeiras não tem os melhores jogadores, em características individuais, se comparado ao Flamengo ou ao Atlético Mineiro, mas soube construir com seus comandados um esquema tático que leve a um jogo coletivo, com cada jogador compreendendo que para vencer se joga 50% com a bola e a outra metade sem a pelota nos pés.

Mesmo com elenco grande e bons jogadores disputando as mesmas posições a gestão do time é uma marca do trabalho do Abel conseguindo dar oportunidades para jogadores vindo da base Danilo, Patrick de Paula, Gabriel Menino, Wesley e Gabriel Veron são exemplos desta boa gestão de vestiário.

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E, enquanto Jorge Jesus parece não se preocupar em aprender mais nada, Ferreira é um estudioso. O que explica uma opção radicalmente distinta ao do conterrâneo: Abel muda a organização tática conforme característica de cada jogo em diferentes momentos da partida. De modo geral, o Palmeiras joga com um esquema 4-2-3-1, alternando para três defensores e aumentando a pressão em um 3-5-2 ou ainda um 5-3-2. Outros técnicos também fazem estas mudanças, mas Abel muda inclusive o papel dos jogadores nas partidas, além do posicionamento. E, para isso, não basta ter grandes ideias, é preciso que os jogadores compreendam e incorporem estas ideias. Daí o foco no planejamento, nos treinos e no reconhecimento das conquistas coletivas.

E mesmo com as variações, Abel não abre mão de uma defesa compacta, da pressão sob o adversário quando não está com a posse de bola e de contra-ataques com velocidade. Foi assim contra o Flamengo de Renato, mas já havia sido assim quando o PAOK de Ferreira venceu o Benfica, na volta de Jorge Jesus, por 2 a 1 pela Liga dos Campeões.

Ainda assim, Abel Ferreira não recebe o mesmo tratamento messiânico que a imprensa conferem à Jorge Jesus. O ex-técnico flamenguista conquistou uma Libertadores e um Brasileirão num já distante 2019. De lá para cá, Ferreira conquistou duas taças sul-americanas e a Copa do Brasil. É hora de perceber que Jorge Jesus é o passado e o futuro é de Abel Ferreira.

 

*Antônio Kanova é jornalista e mestrando em Geografia pelo programa TerriroriAL da Unesp; Miguel Stédile é Doutor em História pela UFRGS e editor do Ponto Newsletter

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo