Entidades, historiadores e ativistas que defendem a transformação do antigo DOI-Codi paulista em um centro de memória se reuniram nesta quinta-feira (2) para reforçar a reivindicação e cobrar o governo estadual. O local, na zona sul de São Paulo, abrigou um dos mais conhecidos centros de tortura da ditadura. Hoje, é sede de uma delegacia (36º DP). A mobilização pelo tombamento e pela transformação ocorre há anos.
Existe a expectativa de que o governo paulista apresente uma proposta até a próxima quinta-feira (9). Foi o que se decidiu após audiência de conciliação realizada em setembro entre o Ministério Público e a Fazenda Pública, que representou o Executivo. O processo e a necessidade de preservação da memória foram discutidos durante audiência pública realizada na manhã de hoje na Assembleia Legislativa, por iniciativa do deputado Emidio de Souza (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Casa, e pelo Núcleo de Preservação da Memória Política, entre outras entidades.
Delegacia ou memorial?
A sessão de hoje começou justamente com a exibição do documentário O dia em que a Justiça entrou no DOI-Codi, do cineasta Camilo Tavares. O Ministério Público ajuizou ação civil pública pela instalação de um memorial. Durante a audiência pública realizada em 9 de setembro no próprio local, o governo paulista recebeu prazo de 90 dias para apresentar um projeto de utilização daquele complexo. Enquanto o MP quer que parte dos imóveis fique sob responsabilidade da Secretaria da Cultura e Economia Criativa, o Executivo, a princípio, pretende manter aquela área como delegacia de polícia.
O ex-deputado Adriano Diogo, que presidiu a Comissão da Verdade da própria Assembleia, lembrou que o estado já tem o Memorial da Resistência, no local do antigo Dops, e deve ganhar em breve um centro em instalações da Auditoria Militar. “Mas não há nada mais representativo que a delegacia da rua Tutóia, onde funcionou o DOI-Codi. Era a sede nacional da repressão. Tudo o que acontecia no Brasil tinha o comando lá, principalmente quando Carlos Alberto Brilhante Ustra comandou aquela unidade”, afirmou.
Apreço à democracia
Para o procurador da República Marlon Weichert, tratar desse assunto não deveria ser motivo de preocupação. “A memória não tem dono, não tem lado, é um patrimônio coletivo. Quem tem medo da memória?”, questionou. Segundo ele, “não há outra vocação possível para aqueles prédios” a não ser a construção de um memorial. “Que não tenhamos medo de falar do passado, de direitos humanos. Tenhamos medo apenas do silêncio conivente com o autoritarismo, a violência e as graves violações de direitos humanos”, disse o procurador.
Um dos autores da ação civil pública, o promotor Eduardo Valério, do Ministério Público do Estado de São Paulo, disse esperar que o governo tenha sensibilidade para tratar do tema, independente de questões eleitorais. “Que se coloque como uma questão de Estado e de apreço à democracia, reconhecendo que a vocação única para aquele prédio é a memória.”
De acordo com o promotor, não há “nenhum óbice”, de natureza administrativa, burocrática ou orçamentária, para que isso ocorra. Sem a produção da memória, “estamos condenados a repetir o passado”, citando a permanente violência do Estado, entre outros riscos à democracia. “E história recentíssima do país já mostrou que não são ameaças distantes.”
O passado permanece
Vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), Arnóbio Rocha citou casos recentes, como o do policial que algemou um rapaz à moto e os dois anos da chacina de Paraisópolis. “Não tivemos a coragem de fazer a Justiça restaurativa, de passar a limpo o nosso passado. Aquilo que aconteceu no passado continua acontecendo no presente”, afirmou.
O ex-preso político Ivan Seixas homenageou várias pessoas que morreram no local, como seu próprio pai, Joaquim Alencar de Seixas (1971), Virgílio Gomes da Silva, “o primeiro a ser assassinado nas dependências desse DOI-Codi”, Eduardo Collen Leite, o Bacuri (1970), o policial José Ferreira de Almeida, o estudante Alexandre Vannuchi Leme (1973), “assassinado pessoalmente por Ustra”, entre vários outros. “Essas pessoas nunca vão descansar. Estão vivas para fazer a cobrança dos torturadores e dos omissos.”