Coluna

Porque a Aids ainda mata, apesar dos avanços no tratamento?

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Desde o primeiro relato da doença nos Estados Unidos, já se vinculou a AIDS aos homossexuais. A partir daí o discurso moral e preconceituoso se disseminou e ainda paira sobre a sociedade - Adair Gomes/Fotos Públicas
Em 2013, a ONU reconheceu o Brasil como pioneiro na luta contra a doença

Lembramos no dia 1º de dezembro, o Dia Mundial de Combate à Aids.  A data foi definida em 1988, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como forma de conscientização e de estímulo ao aumento nas medidas de prevenção, tratamento e cuidados com os indivíduos que convivem com o vírus HIV.

Em 2013, a Organização das Nações Unidas reconheceu o Brasil como pioneiro na luta contra a doença. Entre os anos de 1983 e 1985, os casos começaram a ser notados em todas as capitais brasileiras. Em 1985, a sanitarista Fabíola Nunes Aguiar a Secretaria Nacional de Programas Especiais, na qual estava a Divisão de Dermatologia Sanitária – divisão que na época cuidava de assuntos pertinentes a hanseníase e as Infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). É ela quem realiza a primeira reunião de Aids do Ministério da Saúde.

Essa é uma lembrança importante porque foram as mulheres que se destacaram na criação do programa de combate à AIDS que se tornou referência mundial. Em 1896, Maria Leide Van Del Rey assumiu a Divisão de Dermatologia Sanitária do Ministério da Saúde. Lair Guerra foi uma das principais responsáveis pela implantação do Programa Nacional de DST/Aids. Em 1985, ela iniciou trabalhos de capacitação pelo País. Além disso, representou o Brasil na Primeira Conferência Internacional sobre Aids em Atlanta, onde reivindicou ajuda financeira aos países de baixa renda para o combate a Aids. A partir de então tornou-se uma mulher fundamental para a consolidação do Programa Nacional.

Muitas outras mulheres foram fundamentais para transformar o PN DST/Aids em referência mundial no combate à doença.

Estigma e preconceito

Desde o primeiro relato da doença nos Estados Unidos, já se vinculou a AIDS aos homossexuais. A partir daí o discurso moral e preconceituoso se disseminou e ainda paira sobre a sociedade. Na década de 80, quem tinha a doença precisava lidar com perguntas e ações ofensivas e preconceituosas. O cartunista brasileiro Henfil era hemofílico e adquiriu a doença em transfusão de sangue. Somente depois disso, passou a ser encarada como uma doença capaz de afetar não apenas aos gays, mas até hoje a comunidade LGBTQIA+ sofre com estigmas e preconceito.

Mulheres negras são as que mais morrem

O último boletim epidemiológico, divulgado em 1º de dezembro de 2020, mostra que o Brasil registrou em 2019 um total de 41.919 novos casos de infectados pelo HIV, número 7% menor do que o ano anterior.

De 2012 a 2019 houve uma queda na taxa de detecção da doença de 21,9/100 mil habitantes para 17,8/100 mil habitantes, decréscimo de 18,7%. Mesmo assim, a doença aumentou entre homens de faixas etárias mais jovens.

Apesar da queda na taxa de mortalidade por Aids nos últimos cinco anos, em 2019 morreram 10.565 pessoas vítima da doença, o que ainda é um número alarmante.

No recorte racial, as de 2019 foram majoritariamente pessoas negras: 61,7%, (47,2% pardos e 14,5% pretos), com 37,7% de mortes entre brancos, 0,3% entre amarelos e 0,3% entre indígenas. As mais afetadas são as mulheres negras: 62,1% morreram, ao passo que, entre homens negros, o índice ficou em 61,4%. Na comparação entre os anos de 2009 e 2019, por sinal, verificou-se queda de 21% na proporção de óbitos de pessoas brancas e crescimento de 19,3% na proporção de óbitos de pessoas negras.

Por que essa parte da população morre mais pela doença? Muitas vezes, não são diagnosticados a tempo de realizar o tratamento adequado, e isso ocorre quando existe um conjunto de fatores, como a cor da pele, condição econômica, nível de escolaridade, ausência de redes de apoio ou suporte familiar.

Hoje, o diagnóstico precoce, somado ao acesso aos tratamentos de ponta, permite às pessoas com Aids viverem uma vida saudável; e terem uma carga viral indetectável, tornando a infecção por HIV intransmissível; mães infectadas, podem dar à luz a crianças sem o vírus. As mulheres, que tanta contribuição deram no combate à doença, não podem continuar sendo vítimas ou descobrindo que tem a doença somente na hora do parto. O programa brasileiro de combate à Aids precisa se modernizar para garantir que a ampla testagem e o acesso ao tratamento, evitando milhares de mortes que ainda acontecem pela doença.

O Brasil tornou-se uma referência mundial no tratamento gratuito aos portadores de HIV, com profundas digitais das mulheres, médicas, pesquisadoras, profissionais das áreas sociais e de saúde. A todas elas rendemos nossas homenagens, inclusive à dra. Adele Benzaken, ex-diretora do Departamento de HIV/Aids do Ministério da Saúde, demitida por Bolsonaro, que recentemente cancelou sua indicação, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, para receber condecoração da Ordem Nacional do Mérito Científico.

Apesar de Bolsonaro, as e os profissionais não desistem do Brasil!

*Vanessa Grazziotin é ex-senadora da República e membro do Comitê Central do PCdoB. Leia outros artigos.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Anelize Moreira