Cada vez mais acessíveis nos grandes centros urbanos, os alimentos orgânicos e agroecológicos produzidos pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) tendem a conquistar mais espaço no mercado brasileiro no próximo ano. É o que projetam lideranças do MST, que celebram o posicionamento da agricultura familiar em momento de crescimento na procura por produtos mais saudáveis e livres de agrotóxicos.
Apesar da crise econômica, da alta da inflação e da conjuntura política, Milton Fornazieri, dirigente do MST, descreve planos de expansão na oferta de produtos que chegam ao varejo sob a marca Raízes da Terra e a abertura de lojas físicas e virtuais da rede Armazém do Campo.
Ambas iniciativas de comercialização do movimento social foram criadas para alcançar o consumidor diretamente, oferecendo uma variedade de frutas, verduras, legumes e produtos derivados feitos pelas mais de 500 mil famílias espalhadas por todo o país.
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No entanto, Fornazieri reconhece que o acesso aos produtos orgânicos, de modo geral, ainda é restrito às classes mais populares, devido à diferença de preços ainda existente em comparação aos produtos não-orgânicos, e a um cenário de retorno da fome e da insegurança alimentar.
“Quanto mais produtos orgânicos forem vendidos, maior a tendência de baratear a produção. Se não, o orgânico vai ficar sendo para o rico e classe média, enquanto o pobre precisa continuar comendo veneno e transgênicos”, ressalta o dirigente.
Há oito anos, o MST passou a priorizar sua adaptação à agroecologia em sua busca de ser o principal produtor de alimentos orgânicos a nível nacional, sem deixar de valorizar o trabalhador rural.
Para Fornazieri, o desafio é conscientizar o grande universo de famílias já assentadas sobre a importância de fincar o pé na agricultura familiar e difundir técnicas mais amigáveis com a natureza, como a agrofloresta, em detrimento do chamado “pacote tecnológico”, que inclui o uso de agrotóxicos e de maquinário pesado no manejo da terra. [Continua após o vídeo.]
O movimento que luta por reforma agrária desde a década de 1980, pretende terminar 2022 com mais lojas físicas ou por aplicativo, que formam o tripé de principais destinos dos alimentos produzidos junto da própria subsistência e do abastecimento de escolas municipais de prefeituras parceiras.
“A pandemia atrapalhou um pouco, mas achamos que, até o final do ano que vem, nós poderemos estar com 80 a 100 lojas do Armazém do Campo abertas pelo Brasil, começando por aplicativo e partindo depois para as lojas físicas”, afirma o dirigente.
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Um dos principais entraves para essa engrenagem é a falta de apoio do poder público, como é o caso do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento), que mantém suspenso o seu Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). De acordo com Fornazieri, a falta de financiamento é uma tendência iniciada desde a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário em 2016, durante o governo de Michel Temer, e agravada pelo fortalecimento da bancada ruralista no Congresso Nacional e pelo governo Bolsonaro.
A deputada federal Sâmia Bomfim (Psol-SP) enxerga riscos diretos à saúde decisões de parlamentares declaradamente favoráveis à de pautas do agronegócio, como o PL 6299/02, batizado pela oposição como "Pacote do Veneno". “O Brasil é um dos países que mais utiliza pesticidas e agrotóxicos, e isso chega na mesa da população. Enquanto a agroecologia e a agricultura familiar não recebem o investimento devido, a própria Anvisa autoriza da circulação desses venenos”, protesta.
Ela também lamenta que Jair Bolsonaro (sem partido) tenha vetado, em agosto de 2020, quase integralmente o PL 14.048/20 que tratava de medidas de amparo para agricultores familiares durante a pandemia, "porque o governo Bolsonaro é sustentado e apoiado pelos latifundiários, que são os mais favorecidos por políticas de incentivo", afirma Sâmia. Desde o fim de março deste ano, outro Projeto de Lei, de autoria de Pedro Uczai (PT-SC) está em análise na Câmara dos Deputados com o objetivo de fomentar agricultores em situação de probreza e de extrema pobreza, com pacotes que iriam de R$ 2,5 mil a R$ 3,5 mil.
Mulheres na luta
Prestes a se licenciar em Educação do Campo pela UnB, Adonilton Souza, é dirigente do MST no Distrito Federal e morador do acampamento 8 de Março, localizado em Planaltina (DF), que fica a cerca de 50 quilômetros de Brasília. Além de trabalhar junto de seus pais em um pequeno lote dos cerca de 17 hectares que ajudou a tornar produtivos, ele é um dos responsáveis por criar soluções logísticas e por levantar recursos para o acampamento, que não conta com apoio do governo e que também não aderiu ainda ao programa de investimento de cooperativas ligadas ao MST, o Finapop, iniciativa criada em meados deste ano.
O dirigente conta que tem dificuldade para dar um destino a todos os alimentos cultivados no local, embora tenha vários destinatários perenes: restaurantes, feiras de orgânicos, o próprio Armazém do Campo, as 80 famílias camponesas que vivem ali, além das entregas solidárias que fazem semanalmente em parceria com outros dois assentamentos em regiões periféricas do Distrito Federal e de Goiás.
O acampamento 8 de Março é fruto de um longo processo de ocupação, iniciada em 8 de março de 2012 em uma área extensa de propriedade do governo do Distrito Federal, que havia sido anexada irregularmente por uma fazenda particular. Após superar a resistência beligerante do grileiro local e ampliar sua área em 14 hectares, em 2017, atualmente os trabalhadores sem terra vivem em casas feitas de madeira e cercadas de hortas e plantas ornamentais, contando com um posto de saúde e uma escola de ensino infantil.
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Maria de Jesus Silva, 77 anos, é uma das pioneiras do acampamento, onde vive e trabalha na pequena roça anexa à sua casa desde 2012. Ela conta que todo seu esforço tem sido recompensado no local e exalta a força das mulheres camponesas, que são homenageadas com o nome do acampamento, que corresponde ao Dia da Mulher.
“Eu trabalhava em serviços gerais, aí apareceu esse assentamento e eu me mandei para cá. Eu já era da Paraíba, já vivia de roça, aí eu gostei e fiquei. E daqui eu não saio e ninguém me tira”, relata entre gargalhadas a simpática agricultora, que ainda nutre esperanças de receber uma terra maior e regularizada do governo: “um dia, quem sabe?”.
Souza também comenta as técnicas de plantio usadas no acampamento, que vão da roça tradicional à agrofloresta, apostando na variedade de insumos e na coexistência das vegetações para manter o solo fértil e a produção constante. “Aqui ao lado temos uma monocultura que usa bastante veneno, que não serve para nada, e do nosso lado tem um projeto de vida que, além de trazer a auto-sustentação, de movimentar a economia de Planaltina e região, também leva comida de verdade para os companheiros da cidade”, defende.
Animado pelas primeiras colheitas no terreno novo, Souza tem metas ambiciosas, que passam também por uma reversão na imagem do MST, o que considera ser uma distorção da realidade: “basta ver como estamos aqui”, comenta antes de finalizar: “Futuramente, eu junto dos companheiros daqui pensamos em mandar comida não só para o Distrito Federal, mas até para fora (do estado)”.
Edição: Vinícius Segalla