A PEC revoga a EC 88, reestabelecendo os 70 anos para a aposentadoria do STF e favorecendo Bolsonaro
Em 2015, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 88, resultante da PEC 457/2005, conhecida como ”PEC da Bengala“.
Basicamente, a emenda alterou de 70 para 75 anos a idade da aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União.
Além de mudar a redação do art. 40, §1º, II, permitindo que uma lei complementar estabelecesse condições para aumentar a idade de aposentadoria compulsória dos servidores públicos submetidos ao Regime Próprio de Previdência Social dos 70 para os 75 anos.
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À época, buscou-se impedir que a presidenta Dilma Rousseff indicasse cinco ministros da composição do STF que se aposentariam aos 70 anos até 2018. Com o golpe parlamentar, a incumbência teria passado para Michel Temer.
Passado tão somente seis anos, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (23) a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição 159, de autoria da deputada bolsonarista e presidente da CCJC, Bia Kicis, revogando a Emenda Constitucional 88 para restabelecer a idade de 70 anos para aposentadoria, na mesma motivação de 2015, porém, em sentido oposto, para favorecer nomeações de Jair Bolsonaro ao STF.
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A decisão ocorre duas semanas após o Supremo proibir o pagamento das emendas de relator a deputados e senadores. Nem a mais ingênua das criaturas se permitiria pensar que se trata de alguma coincidência. A intencionalidade de demonstrar poder em uma espécie de vingança é assustadoramente evidente.
Na mesma sessão, os deputados também aprovaram, de forma simbólica, outra PEC que trata da composição das cortes superiores, que eleva de 65 para 70 anos a idade máxima para o ingresso de novos membros nos tribunais.
É difícil falar sobre o modelo conceitual de elaboração normativa, tendo em vista as diversas disputas de interesses na produção das leis que são legítimos. De todo modo, embora tênues, os limites que separam o que encontra sentido ser debatido e deliberado para se transformar em norma, do que é meramente casuístico, existem e são identificáveis.
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Para demostrar isto, é interessante um raciocínio de fundamentação e argumentação que serve como fonte de legitimidade na democracia representativa.
A manipulação do processo legislativo tem conduzido a uma desmoralização histórica e uma deslegitimação que vão além do descrédito generalizado com a política.
Desde Eduardo Cunha, quando a turma do “toma lá dá cá” deixou de ocupar apenas a sala do cafezinho e entrou no salão principal, quando foram postos sob os holofotes o fundamentalismo religioso, a misoginia, a homofobia, o populismo penal e o desprezo pela democracia, a dimensão da irresponsabilidade política que não se conhecia virou uma realidade.
O golpe travestido de impeachment em 2016 e a eleição de Jair Bolsonaro para a presidência da República foram o apogeu desse caminho. O que era vergonha passou a ser distinção. Ataques à democracia viraram “liberdade de expressão”, a carruagem do retrocesso acelerou.
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Ao propor, pautar e aprovar propostas cuja finalidade seja prejudicar ou ampliar poderes de governantes, o Congresso Nacional age de forma completamente distorcida de seu papel institucional e evidencia quão nefasto é o processo de degradação que a representação política brasileira vem sofrendo a cada eleição.
O fortalecimento dessa ode ao cinismo explícito chamado “Centrão” e o surgimento de bancadas neofascistas em todo o país são provas disso.
De costas para a imensa crise brasileira na economia, com inflação, preços exorbitantes e a volta da fome, e para as ameaças à democracia feitas em palanques e redes sociais de tempos em tempos pelo próprio presidente da República e seus asseclas, o Congresso Nacional aponta para interesses corporativos e propostas que não têm qualquer relevância ou ligação com os interesses da sociedade.
Certo é que é preciso reação
A elaboração de normas não pode se transformar em objeto de barganha ou de vingança, não deve se pautar a partir de uma fundamentação calcada em interesses escusos, mas em regras gerais e compatíveis com as garantias constitucionalmente estabelecidas.
A revogação de uma alteração constitucional feita há apenas seis anos, como se a conjuntura, nesse particular, tivesse sofrido mudanças bruscas, expõe o próprio Poder Legislativo, sobretudo a Câmara dos Deputados, que se apresenta em casamento com o fisiologismo do governo federal, vide a recente aprovação da PEC 23, do calote ao pagamento dos precatórios, que visa a atender os interesses meramente eleitorais de Jair Bolsonaro.
É preciso reação, porque as consequências de toda essa insensatez serão de longo prazo e mais difíceis de rever no futuro, independente de quem passe a ocupar o Palácio do Planalto. É preciso reação para rejeitar esses arroubos, antes que quem precise de bengala seja a própria democracia brasileira.
*Tânia Maria Saraiva de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. Membra do Grupo Candango de Criminologia da Unb - GCcrim/Unb. Membra da Coordenação Executiva da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia - ABJD. Leia outros textos.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Leandro Melito