Multinacionais com sede nos Estados Unidos têm responsabilidade sobre violações socioambientais que se agravam ano a ano no Cerrado. Ao comprarem soja de produtores desmatadores ou envolvidos em conflitos fundiários, gigantes como ADM, Bunge e Cargill financiam a violência e a destruição no segundo maior bioma do Brasil.
Essa é uma síntese das denúncias apresentadas pela organização Global Witness no relatório Semeando conflitos, divulgado em português nesta terça-feira (23). A publicação vem à tona em meio a debates, na União Europeia (UE), sobre o veto a importações de alimentos de áreas desmatadas, incluindo soja e carne.
O Cerrado abrange uma área de cerca de 2 milhões de km² – mais de 20% do Brasil. O crescimento do agronegócio em zonas como o oeste da Bahia fez a região ficar conhecida como a "Fronteira da Soja". É nessa área que se concentram as principais violações levantadas pela Global Witness.
Entre os municípios do Cerrado, 25 são considerados prioritários para a compra de soja pelos membros do Soft Commodities Forum, iniciativa criada em 2019 no âmbito do Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (WBCSD). Cinco deles estão no oeste da Bahia.
A área agrícola naquela região cresceu 3,17 milhões de hectares nos últimos 30 anos. As principais culturas são soja e algodão.
O agronegócio é responsável por um terço das emissões globais de poluentes e, segundo o relatório, impacta cada vez mais a vida de comunidades tradicionais no Cerrado.
Um exemplo emblemático é o da comunidade baiana de Capão do Modesto, que enfrenta ameaças de morte e despejo, violência e criminalização.
A intenção dos fazendeiros, responsáveis pelos ataques, é expandir a produção de monoculturas como soja e algodão, que são prejudiciais ao meio ambiente, mas extremamente lucrativas – ainda mais com a desvalorização do real em relação ao dólar.
"Nossa investigação revela que ADM, Bunge e Cargill, empresas globais de comércio de commodities, estão trabalhando com soja fornecida por produtores ligados a esses conflitos. Ao fazê-lo, essas empresas contribuem para o agravamento dos conflitos fundiários e para supostos abusos de direitos humanos", ressalta a organização Global Witness.
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A partir de relatos e documentos, o relatório mostra que a violência na região de Capão do Modesto se aprofunda desde 2017. Em uma ação judicial, fazendeiros caracterizam a comunidade ancestral como "invasora" e destruidora do meio ambiente.
Em meio ao assédio e às ameaças, nenhuma das três multinacionais citadas suspendeu a compra dos fazendeiros envolvidos no conflito.
Os pesquisadores revelam ainda que parte da soja das fazendas em questão é exportada para a Europa sob um esquema de certificação de carbono "sustentável".
Cargill, ADM e Bunge informaram que a soja brasileira é quase totalmente rastreável, mas nenhuma divulgou sua lista de fornecedores.
"O setor continua pouco transparente e sem prestar contas a ninguém. Apesar de haver políticas que supostamente comprometem essas empresas a defender os direitos humanos e fundiários em suas cadeias produtivas, nossa investigação revela deficiências estruturais de longa data e negligência na implementação dessas políticas", ressalta o relatório divulgado nesta terça.
"Essas grandes empresas, todas com atuação na Europa, também estão expostas a um risco regulatório considerável, na medida em que a Comissão Europeia avança com um novo projeto de legislação para responsabilizar as empresas por suas cadeias de abastecimento. No futuro, as empresas que atuam na UE podem ficar cada vez mais sujeitas a processos judiciais e sanções por contribuírem para danos ao meio ambiente e aos direitos humanos", completa o texto.
Cerca de 41% da soja importada pela UE vem do Brasil.
Confira o relatório na íntegra.
Edição: Leandro Melito