Coluna

Cinco notas contra Alckmin

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Anúncio da possibilidade de Alckmin como vice em uma chapa presidencial com Lula para 2022 surgiu há duas semanas - Rovena Rosa/Agência Brasil
O tema da candidatura à vice-presidência tem importância. Não é somente simbólica

A humildade só é virtude quando não revela fraqueza (Sabedoria popular portuguesa)

 

1. O anúncio da possibilidade de Alckmin como vice em uma chapa presidencial com Lula para 2022 surgiu há duas semanas. Trata-se de um factoide, ou seja, uma especulação, mas útil, tanto para Alckmin, quanto para um setor da corrente majoritária do PT que fez a divulgação. Útil porque ajuda a conferir as repercussões: quem ganha mais, e quem perde menos. Não merece ser, seriamente, considerada, mas não deve ser, sumariamente, descartada. O tema da candidatura à vice-presidência tem importância. Não é somente simbólica. O rosto da chapa é uma imagem muito poderosa que traduz um compromisso, o alcance do programa e o sentido do projeto. Embora seja muitíssimo improvável que Lula aceite e que Alckmin queira, ou vice-versa, sinaliza, indisfarçavelmente, uma estratégia Lula “paz e amor” contra Bolsonaro “rosto pintado para a guerra”, portanto, um “giro ao centro”. A premissa desta tática eleitoral é que Lula não pode vencer como candidato de esquerda. Este cálculo é falso. Humildade é despojamento, sobriedade, simplicidade. Nunca sujeição. A candidatura a vice de uma mulher negra e feminista, por exemplo, ampliaria a audiência da esquerda junto ao povo pobre das cidades e a juventude. O “giro ao centro” antecipa para o primeiro turno, mesmo se não houver coligação formal com partidos que, historicamente, são a representação da classe dominante, uma aliança com a “sombra” da burguesia. Essa tática é politicamente, errada e, eleitoralmente, perigosa. Errada porque dissemina confusão, ou até desmoralização, nos setores mais ativos e combativos. Perigosa porque subestima a força do inimigo.

 

2. Um sinal de “deriva tática”, ou dificuldade de manter o rumo, já tinha se expressado na teimosa ausência de Lula nas mobilizações pelo Fora Bolsonaro. A decisão de não começar a viagem à Europa por Glasgow foi outro. A presença em ambas despertaria entusiasmo e esperança. Os últimos cinco anos foram muito amargos, duríssimos e, mais do que nunca, precisamos levantar os ânimos. A campanha eleitoral de 2022 não será somente uma disputa eleitoral pela televisão. Lula iniciará a campanha como favorito, mas a eleição está ainda indefinida. A ideia de que um Lula “papai noel” maduro e moderado é imbatível aposta que “jogar parado”, ignorando as provocações, será o suficiente para vencer. Não basta. “Gentileza não gera gentileza”. A sombra de uma “Carta Palocci” é uma armadilha. Não é o bastante para dividir as camadas médias e atrair um setor, e gera desconfiança paralisante na nossa base social. Bolsonaro irá radicalizar ao máximo limite do impensável para buscar mobilizar o núcleo duro de sua base social como fez no passado 7 de setembro, com centenas de milhares nas ruas. Isso terá impacto.

 

3. Devemos considerar quatro elementos chaves que são os parâmetros objetivos da conjuntura: (a) uma grande crise econômica-social, depois de uma calamidade sanitária, desgastaram o governo de extrema-direita, mas não ao ponto de que tenha sido possível uma explosão de mal estar social que abrisse o caminho do impeachment; (b) formou-se uma maioria social na oposição, expressão de uma inflexão na relação social e política de forças, mas o bolsonarismo é uma corrente de massas resiliente na classe média, com capacidade de arrastar setores populares conservadores; (c) ocorreu uma fratura na classe dominante, mas as debilidades orgânicas da terceira via não devem ser superadas; (c) lutaremos contra um governo de extrema-direita em desgaste ininterrupto, porém, lento, mas, sobretudo contra um pré-candidato neofascista no poder. A tendência mais provável é, portanto, que a polarização do segundo turno aconteça no primeiro. O que significará um choque frontal da esquerda contra a extrema-direita. Não haverá espaço para uma tática acrobática “matrix”. Quem demonstrar mais força social e política arrastará a maioria. A força social da esquerda é a mobilização dos trabalhadores e da juventude, dos movimentos de mulheres e negros, de ambientalista e indígenas, de movimentos LGBT’s e da cultura. Despertar entusiasmo exige a defesa de um programa. Somente a comparação com a experiência dos anos de governos liderados pelo PT não será o bastante.

 

4. O Brasil mudou muito em vinte anos. Repetir 2002 não é, portanto, possível, se tivermos um mínimo de lucidez. Por duas razões centrais. O PT e as esquerdas eram, em 2002, oposição há décadas. Não é possível iludir que o PT governou durante treze anos, com os bônus, mas também, os inescapáveis ônus de tudo que aconteceu, e não foi pouco. Mas, também, porque disputar contra Bolsonaro não é igual a disputar contra o PSDB. Por outro lado, a tática de 2002 não foi, tampouco, “genial”. Foi, em grande medida, uma armadilha. As vitórias têm o efeito perigoso de “embelezar” o passado. O preço pago pelo abraço de Palocci ao tripé macroeconômico foi muito elevado. Não é honesto separar a tragédia do “mensalão” dos compromissos na Carta-manifesto de “paz e amor”. A crise nacional é hoje, incomparavelmente, mais séria. Já era em 2016, e Dilma Rousseff só venceu, por muito pouco, porque abraçou o perfil “coração valente” Os números não falam sozinhos. Taxa de inflação e desemprego eram, também, elevadas em 2002. Mas a ideia de que o povo vota sempre e somente com o estômago não é marxismo, é uma simplificação ingênua. Sofrimento gera experiência, mas não, necessariamente, consciência de classe. Votação é definida por múltiplos fatores, ainda que os interesses econômicos prevaleçam.

 

5. Uma campanha como a de 1989 é o melhor caminho para a vitória. O destino da campanha Lula à presidência não deve ser um monopólio da direção do PT, tampouco, do próprio Lula. Lula pode muito, mas não pode tudo. Todos aqueles na esquerda que têm compreensão do que Bolsonaro representa querem uma Frente de Esquerda como um instrumento eleitoral para derrotar o neofascista. Uma Frente de Esquerda não é o mesmo que o anúncio de uma “revolução socialista”. Mas tampouco pode ser uma “rendição sem luta” às pressões burguesas por uma candidatura que uma responsabilidade fiscal com sensibilidade social. Pode e deve ser a afirmação de uma candidatura popular contra a barbárie neofascista e de ruptura com o neoliberalismo. O que significa falar com firmeza sobre os direitos com um programa de transição que nasce das aspirações mais sentidas. Unir a classe trabalhadora, apoiados nos setores organizados para chegar à massa pobre das cidades. Dividir e atrair uma parcela dos setores médios. E confiar na mobilização popular. Também, por isso, a pré-candidatura de Boulos em São Paulo será útil para tencionar pela esquerda.

 

*Valerio Arcary é professor titular no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), militante da Resistência/PSOL e autor de O Martelo da história, entre outros livros. Leia outras colunas.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo