Com base em fatos novos levantados pela CPI da Covid no Senado, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) protocolou nesta terça-feira (9), no Tribunal Penal Internacional (TPI), um documento em que pede que a Corte dê seguimento à representação realizada em abril de 2020, pela entidade.
A intenção é que seja investigada a denúncia feita contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por cometimento de crimes humanitários contra a população brasileira ao assumir a opção de imunidade de rebanho, com boicote ao programa de vacinação e negação das políticas de cuidados sanitários.
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De acordo com os juristas, a sistematização de dados produzidos pela CPI da Covid e por vários pesquisadores revelam o empenho e a eficiência da atuação do presidente e da União em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional.
“As normas produzidas, decretos e vetos a leis votadas no Congresso, os discursos e atos de Bolsonaro foram determinantes para que o país alcançasse o atual número de mais de 600 mil mortos e 21 milhões de contaminados pela covid-19”, afirmam.
Para a entidade, as investigações e estudos provam que tudo ocorreu de forma intencional, planejada e sistemática para colocar em prática o plano de promover a imunidade de rebanho por contaminação da maioria da população.
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“Talvez não seja possível saber quantas mortes de brasileiros poderiam ter sido evitadas se, sob a liderança de Bolsonaro, o governo não tivesse executado um projeto de propagação do vírus. Mas é razoável afirmar que muitas pessoas teriam hoje suas mães, pais, irmãos e filhos vivos caso não houvesse um projeto institucional do governo brasileiro para a disseminação da covid-19”, ressalta.
Crimes cometidos
No documento protocolado, a Associação apresenta diversos fatos novos, com provas documentais e factuais, e pede que o presidente seja enquadrado na hipótese do art. 5º, 1, “b” c/c art. 7º, 1 “b” e “k” do Estatuto de Roma, que trata dos crimes contra a humanidade.
Os juristas apontam que Bolsonaro cometeu o crime de “extermínio”, que compreende a sujeição intencional a condições de vida, tais como a privação do acesso a alimentos ou medicamentos, com vista a causar a destruição de uma parte da população.
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“O Estatuto de Roma é claro no sentido de que não é preciso haver uma guerra ou conflito armado para que se pratique um crime contra a humanidade. Os atos praticados por Bolsonaro mostram atuação claríssima em combate à saúde pública, de tal modo que estão presentes todos os elementos configurados: ataques sistemáticos e a intenção de sujeitar uma parte importante da população brasileira a condições de vida que podem implicar a sua destruição”, reforça.
A lista de violações cometidas pelo presidente é extensa, como mostrou a CPI da Covid, passando pela adoção de uma postura negacionista em relação à pandemia e à gravidade do vírus, estímulo às aglomerações e não uso de máscaras, recusa em comprar vacinas e defesa do chamado "tratamento precoce" para a Covid-19, com incentivo ao uso de medicamentos comprovadamente ineficazes.
“A CPI da Pandemia construiu a linha de tempo mais macabra da história da saúde pública do Brasil, revelando que não se tratou de negligência, imprudência ou irresponsabilidade”, salienta.
Relembre outras acusações
O Tribunal Penal Internacional atua com jurisdição em 120 países, entre eles o Brasil, e julga indivíduos por crimes de guerra, genocídios, crimes ambientais e crimes contra a humanidade. Na Corte de Haia, Bolsonaro já foi denunciado outras cinco vezes.
1) Novembro de 2019
A primeira, em novembro de 2019, foi protocolada pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu), por “crimes contra a humanidade” e “incitação ao genocídio dos povos indígenas”. De acordo com a entidade, o presidente brasileiro coopera para o avanço do agronegócio contra os povos originários em suas terras.
Na denúncia, o CADHu afirma que Bolsonaro teria adotado 33 medidas para facilitar o genocídio de indígenas, como a diminuição da fiscalização e a omissão no socorro aos povos originários do país.
2) Abril de 2020
Em abril de 2020, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) denunciou Bolsonaro pela condução da crise gerada pela pandemia do coronavírus. Na época, a entidade acusava o presidente de “atitudes absolutamente irresponsáveis”. Por isso, solicitam à Corte que instaure procedimento para averiguar a conduta do presidente e condene Bolsonaro pelo crime contra a humanidade por expor a vida de cidadãos brasileiros, com ações concretas que estimulam o contágio e a proliferação do vírus.
“Por ação ou omissão, Bolsonaro coloca a vida da população em risco, cometendo crimes e merecendo a atuação do Tribunal Penal Internacional para a proteção da vida de milhares de pessoas”, pede a ABJD, em sua petição.
3) Junho de 2020
Também pela postura de Bolsonaro na condução da pandemia do coronavírus, o PDT foi ao Tribunal Penal Internacional. Em junho de 2020, o partido protocolou uma denúncia, acusando o presidente brasileiro de crime contra a humanidade.
O PDT alegava que Bolsonaro contrariava as determinações da Organização Mundial da Saúde (OMS), de cientistas e infectologistas, para reduzir o contágio dos brasileiros e a curva, ascendente na época, de mortos pela doença.
"Ressoa inconteste que as falas irresponsáveis proferidas pelo presidente da República, sobre o novo coronavírus, influenciam o comportamento dos cidadãos para o descumprimento das medidas necessárias ao combate da covid-19", afirmava o partido em sua denúncia.
4) Agosto de 2021
Em agosto de 2021, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou uma denúncia com 148 páginas em Haia, contra Bolsonaro. Na queixa, a entidade acusa o presidente de agir “de forma deliberada para exterminar etnias” e estabelecer um “Brasil sem indígenas.”
“A política anti-indígena em curso no Brasil hoje é dolosa. São atos articulados, praticados de modo consistente durante os últimos dois anos, orientados pelo claro propósito da produção de uma nação brasileira sem indígenas, a ser atingida com a destruição desses povos, seja pela morte das pessoas por doença ou por homicídio, seja pela aniquilação de sua cultura, resultante de um processo de assimilação”, afirma a Apib, em seu documento.
5) Setembro de 2021
O Movimento Brasil Livre (MBL), ex-aliado de Bolsonaro, também foi à Haia contra o presidente. Foi em Setembro de 2021, para denunciar o mandatário por genocídio, por sua atuação durante a pandemia do coronavírus.
Em sua denúncia, o movimento afirma que Bolsonaro ignorou evidências científicas e agiu com descaso durante o combate ao coronavírus. “Bolsonaro rejeitou vacinas intencionalmente, além disso, incentivou o povo a não se vacinar. Esse canalha sempre agiu a favor do vírus e deve ser responsabilizado pelos seus crimes”, protestou Renato Battista, coordenador do MBL, na época.
Edição: Leandro Melito